Postado em
Há limites para o poder da mídia?
Sociedade discute formas de regulamentar os meios de comunicação
HERBERT CARVALHO
|
Está no ar um debate que não será transmitido pelas rádios e televisões comerciais, mas que pode ser decisivo para definir o futuro das relações entre os meios de comunicação – a todo-poderosa mídia – e a sociedade civil no Brasil. Congelada há mais de 20 anos, desde quando superou no âmbito da Assembleia Nacional Constituinte até mesmo a reforma agrária como tema polarizador, a polêmica sobre o estabelecimento de um marco regulatório para o setor – caracterizado pela concentração e infenso até às normas de classificação etária – ressurgiu com força em 2009, quando o governo federal decidiu convocar a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).
Organizada nos moldes das conferências sobre políticas públicas, disseminadas a partir da Constituição de 1988 como parte do esforço para dotar o país de mecanismos de democracia participativa, ela será realizada entre os dias 14 e 17 de dezembro deste ano, após suas etapas regionais, para discutir o tema “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”. A semelhança, porém, com as 53 conferências nacionais realizadas entre 2003 e 2008, envolvendo 3,4 milhões de pessoas, restringe-se aos aspectos formais. Isso porque, como diz o sociólogo Venício Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), as pessoas se mobilizam e se envolvem na ação política por emprego, segurança, educação e saúde, mas nunca para protestar contra telenovelas ou o noticiário dos jornais.
“Um dos principais obstáculos à democratização dessa área tem sido a dificuldade histórica que grande parte da população experimenta para compreender a mídia como um poder e a comunicação como um direito. De uma maneira despercebida, naturalizada, as pessoas recebem da grande mídia privada, sem possibilidade de interação, as informações que moldam sua percepção do mundo, incluindo as construções dos direitos, dos valores e das representações sociais, de gênero, de etnia e da política”, explica Venício, autor de Mídia: Crise Política e Poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo).
Plural latino de medium (meio) em sua origem, mídia hoje significa o conjunto das tecnologias específicas utilizadas na comunicação de massa, com duas características principais: mão única de direção (dos poucos que transmitem para os muitos que recebem) e produção centralizada, integrada e padronizada dos conteúdos distribuídos por emissoras de rádio e televisão (aberta e paga), jornais, revistas, cinema e, mais recentemente, a internet. Símbolo da modernidade, a mídia tornou-se um rendoso negócio que responde por 5% do PIB mundial e um dos três monopólios de poder que dominam o mundo contemporâneo: o das palavras e imagens, cujo controle não é menos importante e cobiçado que os outros dois, das armas e do dinheiro.
Um poder tão imenso por sua capacidade de influenciar o resultado de guerras, eleições e conflitos sociais, além de condicionar hábitos pessoais e de consumo, não poderia deixar de ser alvo de disputa e tentativas de regulamentação, principalmente no que diz respeito ao rádio e à televisão, que em países periféricos como o Brasil ainda são os únicos a atingir a quase totalidade das famílias e dos domicílios.
Dois modelos
Desenvolvida entre o final do século 19 e início do 20, a telecomunicação logo se dividiu, por razões mais políticas e econômicas do que técnicas, em telefonia e radiofonia. Bidirecional, a primeira transmitia conversas entre pessoas, tarifando os usuários, enquanto a segunda, unidirecional, produzia e distribuía conteúdos como notícias, entretenimento e dramaturgia, financiada por taxas públicas ou publicidade privada. “Assim como acontece com a internet, a evolução dessas tecnologias ocorreu ao sabor de experiências sociais e individuais, dando origem a empresas poderosas que então engatinhavam no novo ramo econômico-industrial da eletroeletrônica”, diz o professor Marcos Dantas, do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Ele acrescenta que hoje, quando a era digital supera as limitações das comunicações analógicas e a chamada convergência tecnológica elimina as diferenças entre rádio, televisão, computador e telefone celular, a divisão centenária tende a desaparecer, colocando no mesmo ringue de disputa do mercado global as empresas de telefonia, os provedores de internet e as emissoras e redes de radiodifusão.
Nos primórdios da normatização dessa atividade, na década de 1920, os Estados Unidos editam uma lei do rádio que estabelece um ente estatal responsável pelas outorgas de acesso ao espectro de frequência, livre até então. “O país adota a publicidade paga, dando origem às três grandes cadeias de rádio e televisão, NBC, ABC e CBS, e a um modelo que tem por principal objetivo produzir as condições culturais necessárias ao consumismo”, explica Dantas. Na mesma época o Reino Unido, ao contrário, estatiza a BBC, emissora criada por um consórcio de equipamentos de rádio, que passa a ser sustentada por taxas diretamente cobradas dos ouvintes, característica básica do modelo europeu, adotado também no Japão, de uma radiodifusão voltada não para o mercado, mas para a formação política e educacional dos cidadãos.
No Brasil o rádio surge em 1922 com uma programação de óperas, recitais, concertos e palestras culturais destinada aos poucos possuidores de aparelhos receptores, que pagavam mensalidades. A adoção do modelo americano tem início em 1932, com decreto de Getúlio Vargas que autoriza as rádios a veicular comerciais em 10% de sua programação. A medida, que granjearia a Vargas o reconhecimento permanente da classe artística, inaugurava a era de ouro do rádio, caracterizada por uma programação popular, mas de elevado padrão de qualidade, pautada por programas de auditório com orquestras e música ao vivo, esportes, radiojornalismo e radionovelas com audiência monitorada pelo Ibope, a partir de 1942. As principais emissoras contavam-se nos dedos de uma mão – como atesta uma canção da época, As Cinco Estações do Ano, cantada por Carmen Miranda –, entre as quais a Rádio Nacional, então a quarta mais potente do mundo, que chegou a transmitir em quatro idiomas. “Essas poucas emissoras espelhavam a diversidade cultural do país e ajudaram a construir a riqueza musical do brasileiro, veiculando milhares de canções de todos os ritmos. Hoje, os milhares de estações que temos se limitam a repetir menos de 30 músicas de estilo idêntico, a maior parte estrangeira”, compara o jornalista Beto Almeida, responsável pelo programa “Samba & Choro”, da TV Senado.
Já a televisão surge em 1950 pelas mãos de Assis Chateaubriand, que cria a TV Tupi no âmbito de seu império midiático, os Diários Associados, que chegou a reunir 40 jornais e revistas, mais de 20 estações de rádio, uma dezena de emissoras de TV, uma agência de notícias e outra de publicidade. A TV brasileira nasce, portanto, com a marca indelével que a caracteriza até hoje, a da propriedade cruzada, por meio da qual seus donos garantem a posse desse e de outros meios como rádios, jornais e revistas – um tipo de concentração diferenciada da que aconteceu na matriz americana de nosso modelo privatista, em razão das leis antimonopolistas vigentes naquele país. “Nos EUA existe desde 1934 a Federal Communications Commission (FCC), órgão regulador da área de telecomunicações e radiodifusão, que proíbe o cruzamento de propriedade, multa e tira televisões do ar”, diz o jornalista Alberto Dines, coordenador do “Observatório da Imprensa” (site e programa de rádio e TV), que considera o conceito de desregulamentação imposto no Brasil como uma “histeria patronal”.
Constituição de 88
A partir do golpe militar de 1964 consolidam-se as principais redes atuais – Globo, Bandeirantes e Record, às quais na década de 1980 viria se somar o SBT. Atraindo os artistas que trabalhavam no rádio e substituindo-o como principal veículo de comunicação de massa, a TV acabou impondo a um país continental de 190 milhões de habitantes, além de filmes e enlatados estrangeiros, os padrões culturais da região sudeste, onde é gerada a quase totalidade da programação, meramente repetida pelas dezenas de emissoras afiliadas de cada rede. De um início auspicioso pautado pelos festivais da canção que consagraram compositores como Chico Buarque e Caetano Veloso, a televisão brasileira foi se desfigurando até se tornar, no século 21, uma vitrine de sensacionalismo, proselitismo religioso e político, violência e comercialização até da vida privada, como ocorre nos reality shows.
Essa situação, agravada pelo fenômeno do “coronelismo eletrônico” – expressão cunhada por Venício Lima para designar o controle de emissoras locais por oligarquias políticas regionais –, desaguou na Constituinte, que acabou aprovando um texto ambíguo. “Refletindo em parte a insatisfação da sociedade com os meios eletrônicos que cresceram à sombra da ditadura, a Constituição de 1988 traz dispositivos avançados em seu capítulo sobre comunicação social”, afirma o professor de jornalismo Murilo Ramos, da UnB. O capítulo contém cinco artigos que preveem mecanismos para coibir programação que atente contra os direitos humanos ou estimule preconceitos, como ocorre hoje em anúncios e programas que estigmatizam as religiões afro-brasileiras e aviltam a condição feminina, ao transformar a mulher em objeto. Eles também proíbem monopólios e oligopólios, garantem espaço para a produção regional e independente e estabelecem a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal.
Ocorre, porém, que esses princípios precisam ser regulamentados por lei complementar para vigorar, o que até hoje não ocorreu, em razão da obstrução do poderoso lobby do setor. A blindagem dos interesses dos grupos privados de mídia eletrônica vai do Poder Executivo – onde em geral indicam o ministro das Comunicações, como o atual, Hélio Costa, antigo funcionário da Rede Globo – ao Legislativo, guarnecido por uma Frente Parlamentar da Radiodifusão, composta por 171 deputados e 15 senadores. Dessa forma, apenas em 2003 foi constituído o Conselho de Comunicação Social, previsto pelo artigo 224 e composto por representantes da sociedade, que deveria atuar como auxiliar do Congresso na tarefa de aprovar as concessões outorgadas ou renovadas pelo Poder Executivo. A participação do órgão, entretanto, foi efêmera. “Os mandatos dos conselheiros estão vencidos há três anos, sem que se tome iniciativa de renová-los. As outorgas são dadas no escuro, sem informações aprofundadas. Enquanto isso, 28 senadores têm concessões, desrespeitando o artigo 54”, denuncia a deputada e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSB-SP), integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal, referindo-se ao dispositivo constitucional que veda a deputados e senadores a posse de empresa concessionária de serviço público, como é o caso das que atuam na radiodifusão. “Iniciada ao final do regime militar pelo general João Batista Figueiredo, a prática de distribuir concessões em troca de apoio parlamentar enveredou pelos governos democráticos. Os presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso fizeram largo uso dela para garantir, respectivamente, o mandato de cinco anos e a emenda da reeleição”, afirma o jornalista Altamiro Borges, autor do livro A Ditadura da Mídia (Editora Anita Garibaldi). Segundo ele, um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados federais da atual legislatura participam direta ou indiretamente de alguma empresa de comunicação.
O único preceito constitucional autoaplicável no capítulo que trata do assunto é o que na prática eterniza os atuais proprietários, ainda que cometam irregularidades, pois estabelece que “a não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal” (artigo 223, parágrafo 2º). Além disso, em 2002, sob pressão de alguns empresários da comunicação, interessados em superar dificuldades econômicas por meio de associação com grupos de outros países, foi aprovada emenda constitucional que autoriza o capital estrangeiro a adquirir até 30% das ações das empresas do ramo. A desnacionalização do setor começou com o acordo entre a Editora Abril (controladora da TVA) e o grupo sul-africano Naspers, enquanto a Globo associou-se à mexicana Telmex, do bilionário Carlos Slim, no controle da NET Serviços.
Lei do Cabo
Por falta de uma legislação complementar, o rádio e a televisão aberta continuam atrelados ao obsoleto Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. A TV paga foi regulamentada em 1995 pela chamada Lei do Cabo, que obrigou as empresas que comercializam essa modalidade a incluir gratuitamente em seus pacotes as programações geradas pelas TVs estatais, comunitárias e universitárias, mais as dos canais dos poderes Legislativo e Judiciário. Assim, a TV por assinatura, que já atinge a totalidade dos aparelhos em países como Holanda e Japão, 85% nos EUA e no Canadá, mas apenas 20% no Brasil, aos poucos oferece um contraponto ao baixo nível da TV aberta. No entanto, além de não estabelecer cotas de conteúdo nacional para fazer frente ao avassalador volume de programação estrangeira, essa lei deixou no limbo emissoras que não são comerciais nem estatais, como é o caso do Sesc TV, canal do Sesc-SP atuante desde maio de 2006, que pode ser acessado em todo o Brasil por meio das operadoras de TV por assinatura. “O Sesc TV tem uma característica única. Não está vinculado a órgãos públicos e não tem nenhum compromisso comercial. A atual Lei do Cabo trata de dois segmentos bem distintos de canais: os comerciais e os ligados a instituições públicas. Não prevê a possibilidade de um canal como o nosso, que, mesmo vinculado e mantido pela iniciativa privada, tem vocação eminentemente pública, sem financiamento por publicidade e com programação inteiramente voltada à difusão educativa e cultural”, comenta Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc-SP.
Caso o Brasil se espelhe, na construção de seu marco regulatório para as comunicações, nas legislações que estão sendo discutidas e adotadas nos demais países da América do Sul, essa lacuna poderá ser eliminada. Mesmo deixando de lado as experiências radicalizadas de Venezuela, Equador e Bolívia, cujos governos travam renhidas quedas de braço com os grupos locais de mídia, seus principais opositores, o continente vive um intenso processo de descentralização e diversificação dos setores de informação e entretenimento, historicamente concentrados em reduzido número de corporações.
“O governo de Michelle Bachelet, no Chile, está promovendo a regionalização da mídia e patrocinando um fundo para financiar a produção independente. No Uruguai acaba de ser adotada uma legislação de radiodifusão comunitária considerada uma das mais avançadas do mundo e na Argentina também há mudanças importantes”, cita Dênis de Moraes, doutor em comunicação e cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor do livro A Batalha da Mídia (Editora Pão e Rosas).
João Brant, coordenador da organização não governamental Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, explica que no Uruguai a lei não estabelece privilégios para os veículos comerciais em detrimento dos demais, como ocorre no Brasil, onde as poucas rádios comunitárias legalizadas não podem exceder determinada potência. “Lá, um terço de qualquer banda – UHF, VHF, digital, analógica, rádio AM ou FM – está reservado aos meios de comunicação comunitários ou sem fins de lucro, sem qualquer limitação de cobertura ou potência. Os outros dois terços são divididos entre as emissoras comerciais e as estatais. O governo Tabaré Vasquez também estabeleceu audiências públicas para concessão e renovação das permissões”, relata Brant. Na Argentina, de acordo com ele, o anteprojeto de revisão da Lei de Radiodifusão define que 60% da programação deve ser nacional e 30% regional. Além disso, para financiar a TV pública e a produção independente, é instituída a taxação da publicidade comercial.
Democratização
Ao contrário do que ocorre nos países vizinhos, no Brasil os governos pouco agem para regulamentar os meios de comunicação. “No início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso o céu desabou sobre a cabeça do então ministro das Comunicações Sérgio Motta por ter mencionado a expressão ‘controle social dos meios de comunicação’, e não se falou mais nisso”, lembra o professor Murilo Ramos. Na gestão atual – após recuar no primeiro mandato dos projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual –, o presidente Lula deu início em 2007 à implantação do sistema público de televisão, previsto na Constituição, com a criação da TV Brasil e da Empresa Brasileira de Comunicação, apesar das críticas da mídia privada, que, entretanto, jamais ofereceu uma programação de qualidade como a que a TV Cultura de São Paulo mantém, isoladamente, há 40 anos.
Diante dessa timidez, quem tem se colocado à frente do processo que resultou na convocação da 1ª Confecom são organizações como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991 pelo jornalista Daniel Herz – já falecido, autor do livro A História Secreta da Rede Globo. Organizado inicialmente como um movimento social, o FNDC constituiu-se como entidade em 1995, quando liderou o debate que resultou na Lei do Cabo. Ele está presente em todas as regiões do país e é integrado por duas dezenas de entidades nacionais – de caráter sindical, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), de representação profissional, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP), e representativas de militantes da área, como a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e a Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU). Em 2006, o FNDC formalizou, em sua 13ª Plenária Nacional, a diretriz de convocação da conferência, o que finalmente ocorreu, após muita hesitação do governo, em abril deste ano, por meio de um decreto presidencial.
Outro pilar na construção da Confecom é a Intervozes, que desde 2002 reúne ativistas, profissionais e estudantes de comunicação social para, de acordo com sua carta de princípios, “lutar para transformar a comunicação em um bem público, para efetivá-la como um direito humano, sem o qual não há realização plena da cidadania e da democracia”.
Além desses enfoques mais amplos, a Confecom atraiu também entidades e profissionais que enxergam nos comerciais e programas da mídia eletrônica uma ameaça à saúde pública e aos direitos de idosos, mulheres e crianças. A cientista social Inês Vitorino Sampaio, da Universidade Federal do Ceará, diz que as crianças são vistas pela mídia de três formas: como consumidores futuros a conquistar desde já, como influenciadores de até 82% das decisões de compra das famílias brasileiras e como um grande mercado para a venda de brinquedos, vestuário e alimentos. Ela critica especialmente os programas infantis. “Os apresentadores e personagens que as crianças amam são transformados em promotores de venda no âmbito de um sistema que explora a inocência e a afeição que as crianças sentem por eles.” O resultado é o que Inês chama de “comercialização da infância”. “Transformam o produto na base da construção da identidade da criança e de seu processo de aceitação social, como fica claro quando a apresentadora diz ‘se você tem, beijim, beijim; se não tem, tchau, tchau’. É muito cruel.”
Para a psicóloga Fátima Nassif, coordenadora da Comissão de Comunicação do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, a publicidade explora a imagem das pessoas para promover “a cultura do consumismo, em que predomina o efêmero e o descartável, o excesso e o desperdício”. O pior, porém, de acordo com ela, são as inserções comerciais disfarçadas dentro da programação (o merchandising), que ao contrário daquelas veiculadas nos intervalos não permitem que o consumidor identifique a publicidade como tal, contrariando o que determina o Código de Defesa do Consumidor. “É no mínimo uma prática desonesta”, diz Fátima, citando como exemplo a cena de uma novela na qual a personagem de uma avó recorre ao crédito consignado de um banco para poder dar à neta um presente de casamento. Em relação aos conteúdos dos programas, o presidente do CFP, Humberto Verona, acrescenta que “a mídia brasileira dominante, por falta de uma referência ética clara, tem ampliado o preconceito e o desrespeito a segmentos sociais, contribuindo mais para reproduzir as mazelas da sociedade do que para construir uma cidadania alicerçada pela defesa dos direitos humanos”.
A proibição de publicidade dirigida às crianças, como ocorre na Suécia, na Noruega e no Canadá, já é alvo de projetos de lei que tramitam no Congresso, aos quais podem se somar, durante a conferência, iniciativas para coibir os anúncios de medicamentos e bebidas alcoólicas, a partir, inclusive, da criação de mecanismos para o “controle social da mídia”, de acordo com a fórmula que tanto incomoda o empresariado do setor. Outras bandeiras que serão levadas por entidades e movimentos sociais para a Confecom, além da regulamentação dos dispositivos constitucionais e de mudanças na concessão de rádio e TV, são o fortalecimento do sistema público de comunicação, o fomento às rádios e TVs comunitárias e à produção independente, a universalização da banda larga e a inclusão digital.
Do lado das empresas, representadas por entidades como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), as palavras de ordem são: defesa do conteúdo nacional e da legalidade, proteção dos serviços e outorgas atuais frente à convergência tecnológica, respeito às empresas brasileiras e sua valorização, livre exercício da atividade de comunicação e mínima interferência estatal. Do embate entre teses tão diferentes e mesmo antagônicas poderá, afinal, surgir a resposta para o dilema enunciado certa vez pelo jornalista Nelson de Sá, em sua coluna “Toda Mídia”, do jornal “Folha de S. Paulo”: “No Brasil a TV é uma concessão do Estado ou será, ao contrário, o Estado uma concessão da TV?”