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O alto custo do vandalismo urbano

Depredação nas cidades destrói bens públicos e causa sérios prejuízos

MARCELO SANTOS


Foto: Marcelo Santos

Telefones públicos quebrados, iluminação depredada, muros pichados, escolas com carteiras e lousas avariadas e trens com portas e vidros destruídos. O vandalismo é uma praga urbana que insiste em manter-se viva no país, gerando prejuízos incalculáveis aos municípios e dificultando a vida de muita gente.

Para se ter ideia do tamanho da barbárie, durante o último carnaval no Recife, uma única empresa de ônibus – a Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano – divulgou um prejuízo de R$ 63 mil apenas nos dias de folia. Entre o ritmo do pandeiro e do tamborim, a cidade paulista de Campinas, bem menos badalada que a capital pernambucana, amargou um prejuízo maior ainda. Os foliões de lá deixaram uma indigesta conta de R$ 85 mil. No estado de São Paulo, a empresa Telefônica, responsável pelos “orelhões”, tem 25% desses aparelhos destruídos todos os meses. Segundo sua assessoria de imprensa, se não houvesse manutenção nos 250 mil telefones públicos instalados em todo o estado, em apenas quatro meses não haveria um único aparelho em condições de uso nos 622 municípios atendidos pela companhia. Todos os meses são gastos R$ 1,2 milhão para recuperar as unidades danificadas.

A educação seria o melhor caminho para transformar pessoas incivilizadas em cidadãos que não destroem um patrimônio que pertence a todos. O problema é que é justamente no ambiente escolar que começam as aulas de vandalismo. Do chiclete colado sob a carteira a pichações e depredações, o cenário das escolas, em especial as públicas, leva à constatação de que muito ainda precisa ser feito. “É preciso agir para que a comunidade sinta a escola como sua”, aconselha o professor Wanderley Codo, doutor em psicologia social e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília. Segundo ele, o problema é que “as pessoas não compreendem que todos são responsáveis pela conservação de um bem público”.

Escolas na mira

Apesar de ser comum a ocorrência de ataques a escolas públicas, não há nenhum plano das secretarias de educação contra a ação de vândalos. Tampouco se contabiliza quanto se gasta para repor mobília, vidros ou mesmo para repintar muros pichados nos estabelecimentos de ensino público. “Não há esse tipo de pesquisa. Cabe a cada escola organizar suas ações por intermédio dos diretores”, diz o professor Wanderley Codo. Essas iniciativas, de acordo com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, consistem em aulas de cidadania aos alunos. No estado estima-se que 65% das escolas sofram com depredações. O levantamento é do Sindicato dos Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo (Udemo – antiga União dos Diretores do Ensino Médio Oficial). A Secretaria de Educação não considera esses números e alega que a pesquisa (ver tabela abaixo) não é científica.

 
Quebra-quebra nas escolas paulistas

A Udemo enviou 5,3 mil formulários a diretores da rede pública estadual. Teve retorno de apenas 683 escolas:

5% sofreram depredação
62% foram alvo de prichações
46% registraram arrombamento

Fonte: "Violência nas Escolas 2007", Udemo

Mas quem são os vândalos e por que têm esse tipo de comportamento? Na opinião do professor Nilton Soares Formiga, da Universidade Federal da Paraíba, o vandalismo é um comportamento associado aos jovens, geralmente classificado como delinquência juvenil. “É claro que não se pode dizer que seja apenas relacionado a eles. Começa na juventude e tem continuidade pela falta da participação de um adulto que oriente e mostre normas e regras que devem ser seguidas”, diz o estudioso, que é psicólogo social e especialista na questão.

Outro mito, segundo o pesquisador, é que esses eventos estejam relacionados a condições socioeconômicas. “As depredações evidenciam uma tendência ao individualismo, com enfoque em valores que potencializam condutas que não seguem as normas sociais”, diz Formiga, acrescentando que nos últimos anos atos de vandalismo praticados por jovens de classe média e alta têm sido cada vez mais noticiados pela imprensa. Em sua opinião, é preciso valorizar instituições como a família e a escola. “Se investirmos no vínculo com esses pares normativos, com a participação de pais e professores, é possível que isso influencie os jovens, principalmente como fator de proteção contra condutas antissociais e delitivas.”

Enquanto isso, exemplos de vandalismo nas escolas se espalham. No fim de 2008, uma briga entre alunos da Escola Estadual Amadeu Amaral, na zona leste de São Paulo, terminou com o prédio depredado e carteiras arremessadas pelas janelas. No mês de maio último, a Escola Estadual Professor Antônio Firmino de Proença, também na zona leste e onde estudou o governador de São Paulo, José Serra, foi vítima da ação de vândalos. Mais uma vez houve cenas de selvageria, resultando em vidros quebrados e portas arrebentadas.

Na cidade de Macaé, no norte fluminense, um grupo de pessoas invadiu uma escola municipal durante a noite de um sábado, no mês de junho. Elas atearam fogo em cestos de lixo, picharam paredes, destruíram os alimentos na cozinha e espalharam os livros da biblioteca pelo chão. Mais de mil alunos tiveram as aulas suspensas por conta do episódio.

Se não existem informações nas secretarias de educação sobre os prejuízos causados pela depredação no ambiente escolar, em outras pastas os gastos gerados pela violência contra o patrimônio público são bem conhecidos. Um bom exemplo ocorre no Rio de Janeiro, antiga capital do país. A cidade é a que tem o maior número de monumentos: 694 obras públicas. Cuidar de bustos, estátuas e esculturas não é tarefa fácil. Todos os anos a prefeitura gasta R$ 700 mil para remover a sujeira deixada pelas pichações. Outros R$ 200 mil são desembolsados anualmente para repor placas ou partes de obras, como os óculos da estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, que desde 2002, quando ela chegou à orla da praia de Copacabana, foram furtados sete vezes. Cada reposição custa R$ 3 mil. Uma empresa de lentes oftalmológicas adotou a estátua do poeta e se comprometeu a repor a peça cada vez que ela fosse roubada ou danificada.

No entanto, é no tradicional bairro carioca da Glória, com monumentos como a estátua de Pedro Álvares Cabral, o busto de São Francisco de Assis e a Murada da Glória, que se registram mais ataques de vândalos. A solução adotada pela prefeitura foi criar uma campanha, cujo slogan é: “Cuide. É da cidade, é seu”. A iniciativa foi lançada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, logo após a estátua de Drummond ter seus óculos furtados duas vezes num espaço de tempo inferior a 15 dias, no início de 2008. “Eles [os educadores] destacam o uso correto dos equipamentos urbanos. A boa educação e a integridade dos monumentos estão diretamente relacionadas à qualidade de vida nas grandes cidades”, explicou Haendel Gomes, da assessoria de comunicação da secretaria.

Caminhos tortuosos

A cidade de Curitiba também adotou a propaganda para combater a depredação nos ônibus da cidade – só que recheada de humor e direcionada principalmente aos torcedores de futebol. Peças publicitárias baseadas em “Los 3 Inimigos”, do cartunista Thiago Recchia, reproduzem a conversa de três torcedores fanáticos dos times da capital paranaense. Em desenhos bem-humorados, os personagens ilustram cartazes, folhetos e camisetas alertando para a depredação dos ônibus com frases e diálogos em portunhol, como: “O golero leva frango e lo buzon paga lo pato?” Ou ainda: “Campeón no quebra ônibus”, diz um dos “inimigos”, ao que outro responde: “Coisa de perdedor”, e o terceiro: “De timinho”.

A campanha, que também incentiva a denúncia de atos de vandalismo, é promovida pelas empresas de ônibus em parceria com a Urbanização de Curitiba (URBS), responsável pelo gerenciamento do trânsito e transporte na cidade. Foi uma resposta ao problema da grande quantidade de ônibus e equipamentos depredados.

No primeiro semestre deste ano, foram riscadas 11.285 janelas de ônibus na capital paranaense. A reposição de todas custaria cerca de R$ 2,6 milhões. Nas estações tubo, símbolo urbanístico da cidade e um dos orgulhos curitibanos, o vandalismo representou, até os primeiros seis meses de 2009, um prejuízo aproximado de R$ 115 mil; em 2008 a conta foi de R$ 350 mil para repor vidros, catracas, elevadores, corrimões e portas. De janeiro a junho também foram danificados 622 ônibus, 67 deles em dias de jogos, onerando os cofres da prefeitura em R$ 120 mil. Durante o ano passado, 1.217 ônibus foram depredados por vândalos, dos quais 134 em dias de jogos de futebol, com prejuízo de R$ 210 mil.

Na cidade de São Paulo são gastos R$ 600 mil todos os meses com a manutenção dos pontos e abrigos de ônibus. Cerca de 20% deles são danificados mensalmente, segundo a assessoria da São Paulo Transporte (SPTrans). Os prejuízos vão além. Nos terminais urbanos, mais R$ 750 mil são desembolsados por mês para repor bens vandalizados. Somente com esse valor seria possível comprar um ônibus biarticulado.

Embarcando no sistema da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), a anarquia prossegue. A empresa contabilizou, no primeiro semestre deste ano, 1.249 casos de vandalismo contra suas composições. Para reparar o material depredado foram gastos R$ 1,5 milhão. A companhia investe em conscientização, por meio de diversos programas, como “Comunidade Participativa”, “Projeto Grafite” e “Usuário do Amanhã”. Apesar do valor exorbitante, a situação melhorou bastante. Problemas como trens que trafegavam com as portas abertas, que eram praticamente uma marca desse tipo de transporte, não existem mais. Já a Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, que também costuma ser vítima de ações de vandalismo, não divulga as despesas com depredação.

Se depois de tantos gastos o melhor caminho for seguir a pé, é bom ter cuidado com a escuridão. Todos os meses, 150 quilômetros de cabos usados na iluminação pública da capital paulista são furtados. Além deles, é necessário substituir 300 lâmpadas todos os dias. Outro perigo é a falta das tampas dos postos de visita, também conhecidos como bueiros. Todos os meses desaparecem 500 dessas peças de metal, cada uma das quais custa R$ 200. Dirigir, então, pode ser arriscado, já que 400 placas de sinalização da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) somem a cada mês. Para complicar mais o trânsito, cerca de 500 metros de cabos de semáforos têm de ser recolocados a cada 30 dias.

Emporcalhando ainda mais o cenário urbano, há também o problema da pichação. De 2006 até o presente foram repintados 6,7 milhões de metros quadrados de muros na cidade de São Paulo – o gasto mensal de cada uma das 31 subprefeituras espalhadas pela cidade para recobrir pichações é de R$ 15 mil.

Vandalismo e violência

O problema de ambientes sujos e degradados pela ação de vândalos vai muito além da questão estética. É o que afirma George Felipe de Lima Dantas, professor do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (Nedop) do Centro Universitário do Distrito Federal (UniDF). “A desordem não é um ‘problema em si mesmo’, mas uma fase prodrômica à da criminalidade”, afirma, citando o artigo “Broken Windows” (“Janelas Quebradas”), publicado em 1982 pelo cientista político James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling na revista americana “The Atlantic”.

A teoria das “janelas quebradas” estabelecia uma relação entre desordem e criminalidade. A ideia é simples e, ao mesmo tempo, brilhante: uma janela quebrada de escritório, fábrica ou estabelecimento comercial que não seja imediatamente consertada leva à conclusão de que ninguém se importa com o local. Em pouco tempo, as pessoas que passam por ali quebram outros vidros, até então intactos. Isso é o início da desordem naquela rua e, consequentemente, naquela comunidade. Logo essa desordem serve de corrimão para o crime. Qualquer semelhança com a realidade brasileira seria mera coincidência?

“Existe o que chamamos de sensação de segurança. Regiões deterioradas pela ação de vândalos são os locais mais evitados”, diz Lima Dantas. Segundo ele, o medo da desordem faz com que as pessoas se alienem em relação ao restante da comunidade; passam a estar no bairro, mas não se consideram parte dele.

Especialista em análise e resolução de conflitos, Lima Dantas cita um experimento realizado pela Universidade de Stanford (EUA) e que também influenciou os autores de “Broken Windows”. Na década de 1960, o professor de psicologia social Philip Zimbardo estacionou um automóvel sem placas, com portas destravadas e janelas semiabertas no bairro do Bronx, em Nova York, famoso por ser uma região carente dentro da megacidade americana. Logo uma família pobre retirou do carro peças que tinham algum valor comercial. Depois de três dias, o veículo estava completamente destruído, com as janelas estouradas e a lataria amassada. O pesquisador resolveu repetir a experiência na cidade de Palo Alto, na Califórnia, um refúgio de endinheirados. Durante uma semana o veículo ficou intacto. Zimbardo decidiu então quebrar uma janela, e em poucas horas o carro foi totalmente depredado. “Esse exemplo nos ensina que a desordem pública pode ser contagiosa e, além disso, ter influência na criminalidade.”

Na opinião do pesquisador, é necessário que o Estado se faça plenamente presente em seus espaços de gestão. “Tal ‘ocupação’ se daria com ações sistêmicas e integradas de completa urbanização das cidades e de assistência e desenvolvimento social nas áreas de saúde, educação, cultura, emprego e esportes”, pontifica.

O urbanista Eduardo Abdo Yázigi, doutor em planejamento urbano e regional pela Universidade de Paris e professor da Universidade de São Paulo (USP), concorda, mas acredita que o planejamento urbano das cidades influencia diretamente as ações de vandalismo. “É o que chamo de ‘urbanismo cafajeste’. Os governos e as prefeituras, em geral, são responsáveis pela degradação. Um exemplo é a Avenida do Estado [via que liga o centro ao bairro do Ipiranga, na zona sul da capital paulista]. Construíram pistas sobre o rio [Tamanduateí]. Você tem um rio que já é esgoto, uma área de penumbra e uma via expressa que acabou com toda a vida lateral da avenida”, diz, explicando que construções como essa contribuem para a degradação local e consequentes ações de vandalismo, como pichações e depredações. “O Brasil é o país mais enfeado do mundo. Veja construções como o viaduto sobre a Praça XV, na região central do Rio de Janeiro, ou o Minhocão [Via Elevada Presidente Costa e Silva], em São Paulo”, diz, acrescentando que não é coincidência que essas áreas sejam tão afetadas pelo vandalismo.

Em sua opinião, a criminalidade não é causada por ambientes deteriorados, mas os cenários degradados estimulam a concentração de criminosos. “Quando o poder público recupera uma área e mantém vigilância com serviços públicos no local é como se dissesse para a comunidade que ali já não é mais terra de ninguém.”

É difícil falar em recuperação urbana sem citar o bom exemplo de Bogotá, na Colômbia. Há 20 anos a cidade era considerada a mais violenta da América Latina. Investimentos na recuperação de áreas degradadas e campanhas de cidadania mudaram a realidade local, baixando sensivelmente a prevalência de homicídios, que chegou a ser de 170 para cada 100 mil habitantes e atualmente está em 18 para cada grupo de 100 mil pessoas. Desde então o sociólogo colombiano Hugo Acero, ex-subsecretário de Segurança e Convivência da Colômbia, tornou-se uma espécie de guru para prefeitos brasileiros.

Infelizmente, mesmo com políticas públicas eficazes, melhor vigilância e rápida recuperação dos bens vandalizados, o que se impõe é a necessidade de transformação profunda de um hábito perverso e que resulta em gastos que chegam a milhões. Dinheiro que poderia ser bem melhor empregado. É só imaginar como seria o país se em apenas um ano não fosse preciso gastar nesse tipo de limpeza e recuperação.

 

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