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Comunicação e diversidade
Ilustração: Marcos Garuti
por Valter Vicente Sales Filho
É louvável ter a igualdade como valor humano, notadamente na regulação de direitos e deveres ou na distribuição de riquezas e oportunidades. Entretanto, falar em igualdade na seara das identidades culturais é temeroso. A diferença é um valor a ser cultuado.
Pode-se considerar identidade cultural como o conjunto de crenças, valores e hábitos que são compartilhados por indivíduos que, dessa forma, procuram desfrutar de estabilidade e conforto em seus modos de vida. O contato com outras identidades culturais certamente confronta esse universo simbólico e, por isso, pode soar ameaçador.
A primeira linha de defesa é interpretar o diferente com base nas próprias expectativas, comumente desenhadas a traços de preconceitos e estereótipos.
A coexistência de identidades culturais diferentes tem sido cada vez menos harmoniosa e, se ensinamentos da Física provam que opostos se atraem, a prática humana tem demonstrado o contrário. Os iguais se aproximam, e os diferentes se repelem, em escala que passa pela indiferença, pela intolerância, e no estágio mais grave, pela violência explicita.
O que é ameaçador não é o contato com o diferente, mas o desconhecimento que nenhum conjunto de crenças, valores e hábitos poderá dar conta de vivenciar, explicar ou sentir a complexidade do mundo.
Convivência harmoniosa não é sinônimo de coesão e unicidade.
Tem a ver com um ambiente de liberdade para a eclosão e manifestação de identidades diversas e mais que isso, de interação entre elas.
Interagir não é exatamente tolerar, ação que pode camuflar certa indiferença e segregação. Também não é um processo em que os conflitos estejam ausentes. Mas, em vez do embate entre os que são diferentes, espera-se que a interação provoque conflitos internos a cada indivíduo e a cada cultura, no esforço de abandonar sua zona de conforto para aventurar-se na descoberta de outras formas de pensamento e de existência.
Os tradicionais meios de comunicação de massa, leia-se cinema e televisão, poderiam ser essenciais nesse processo, pois, por natureza, rompem fronteiras geográficas ou culturais. Poderiam afrontar a normalidade e o conformismo se, em conteúdo e forma, tivessem como matéria-prima diferentes identidades culturais. Ao contrário, tem se caracterizado por despejar sobre a diversidade formas particulares de interpretar o mundo. Não interessa discutir a qualidade intrínseca dessas formas, pois, sendo parciais, são certamente limitadas, diante do que é complexo, e únicas, diante do que é múltiplo.
Cinema e TV são crias da lógica industrial caracterizada pela economia de escala e por produtos padronizados e homogêneos. Com essa mesma lógica, tendem a ser supranacionais ao adotarem linguagens e padrões de produção mundializados, não importando onde estejam.
No plano das expressões e identidades culturais, isso pode implicar que não adianta à televisão ou ao cinema percorrer os quatro cantos do mundo, ou os rincões de qualquer país com os olhos viciados de quem só consegue enxergar sob um ponto de vista. Prestariam enorme serviço se pudessem fazer uso de toda a tecnologia hoje disponível, para nos emprestar os olhos, corações e mentes de outras culturas, para perceber não somente a elas, mas à nossa própria.
A ideia de bem cultural se ampliou e se confunde com o próprio cotidiano de uma comunidade: o jeito de falar, sua gastronomia, seu modo particular de ver o mundo. Trata-se de um conjunto de valores que precisam ser ressaltados e compartilhados, pois são frutos de formas diferentes de apreender o mundo. Para isso é preciso estabelecer uma nova rede de comunicações, onde o centro emissor está em todos os lugares. Esse pode ser o papel dos meios de comunicação de massa.
Televisão significa olhar longe e, mais do que olhar longe, é preciso olhar diferente.