Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Inéditos




por Geraldo Carneiro



Não identificado


a poesia é um objeto não

identificado

girassol ao redor do céu

ou giracéu ao redor do sol

e só de vez em quando cede

à decifração

dos anti-fogos do logos

mas logo se reacende e gira

ao contrário

no ímã do imaginário  


Arquitetura de amar


durante todas as eras

a humanidade especula se há uma

ordem

por trás das voltas e revoltas

do universo

ou se é somente por artes do acaso

e dos deuses da desordem

que se tece a trama dos encontros

cada filósofo e religião

oferece a sua cifra-chave

para a decifração dessas metáforas

que conjugam (ou não) as palavras,

a necessidade e as coisas almejadas

pois eu, a cada vez que te contemplo,

percebo que há um poder e uma ordem

por trás da arquitetura do caos

e que os planetas giram simplesmente

para que você apareça no meu dia



Cinema transcendental


não tenha medo da morte

que é só um corte cine

mato

gráfico

para outra dimensão

se você tiver sorte,

existe a tal da reencarnação

e eis você remodelado,

sendo você mesmo por dentro,

só mudando a encadernação

 


Primeira chuva no deserto
a Ana Paula

compreendo tuas palavras

como se pronunciadas numa língua

anterior a todas as línguas,

feita de trovões, relâmpagos

e chuva

antes que o deserto se soubesse

deserto e o sol conhecesse o céu

e o seu nome

compreendo tuas palavras

como se já houvesse no céu

uma lua anterior

às metáforas da lua,

mas ávida de que se inventasse

a palavra esplendor

a palavra luar

e outras palavras em torno

da palavra amar

 


Meteorologia


aurora é onde tudo

principia

qualquer paixão que nasce

e que se arvora em vento

e inventa o próprio sopro

crepúsculo é o contrário

é onde o tempo já não mais

se inventa

é onde o mar não mais

é onde a escuridão se faz

 

 

Apocalipse


enquanto não contemplo as ruínas

de Pompeia

sempre me ocorre a ideia

de que serei feliz até o Dia

do Juízo

em que você, meu Paraíso,

irromperá no céu no carro de Apolo

ou de Deus Pai Todo Poderoso

e eu, nunca mais só, serei

soterrado no divino dilúvio

da erupção do seu Vesúvio

 

 



Geraldo Carneiro é poeta, letrista e roteirista brasileiro. Autor de A Balada do Impostor (Editora Garamond, 2006)