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Mistura fina

por Juliana Braga de Mattos

Organizado como um evento de colaboração cultural entre dois governos, o Ano da França no Brasil busca apresentar ao público brasileiro a diversidade e a modernidade que marcam a cultura francesa contemporânea – um contraponto ao rótulo do país como terra da finesse e do cultivo à tradição e nem sempre associado à pluralidade e ao intercâmbio de culturas que parecem orientar o mundo atual.

De fato, o evento traz muitas oportunidades para se testemunhar tal conexão. A partir de setembro avolumam-se, na cidade de São Paulo, representantes genuínos de uma produção artística francesa irreverente, nas quais a tradição e o inusitado unem-se de maneira singular. Ao Sesc, cujo apreço e sintonia com o pensamento francês vêm de longa data, caberá o privilégio de ser um dos protagonistas em tais ações.

Nas artes performáticas, uma onda polifônica ocupará os palcos de nossos teatros. Falamos aqui dos espetáculos Double Vision, da coreógrafa Carolyn Carlson, O Grande Inquisidor e A Dor, do cineasta e dramaturgo Patrice Chéreau e Quartett, obra lapidar de Heiner Müller, encenada por Robert Wilson, tendo Isabelle Huppert e Ariel Garcia Valdès no elenco. Além de serem figuras referenciais em suas áreas, um traço comum a todos estes artistas é terem encontrado na França o terreno fértil para pesquisarem e levarem ao público suas criações – inspirando-se com a atmosfera francesa mas, sobretudo, contribuindo com aromas mais distantes também no cenário em que se inseriram, seja por suas nacionalidades (Carlson e Wilson são norte-americanos), seja pelas fontes textuais que dão base aos seus trabalhos (na Rússia de Dostoiévski e na Alemanha de Müller).

Nas artes visuais, domínio em que notadamente os franceses são grandes mestres, o percurso não será menos estimulante. Cartier-Bresson, o renomado fotógrafo que como poucos soube valer-se da câmera portátil no registro de cenas urbanas, tem a si dedicada uma representativa mostra individual. A força de suas imagens, que há muito povoam nosso imaginário, dialogam ainda com a mostra paralela Bressonianas, que traz o trabalho de fotógrafos brasileiros confessadamente influenciados por Bresson, em primorosa curadoria de Eder Chiodetto.

Lado a lado com a tradição, a jovem arte gráfica do Brasil e da França será apresentada na mostra Connexions/Conexões, sob curadoria do brasileiro Rico Lins e francesa Christelle Kirchstetter. E fazendo jus ao invejável sistema educacional francês, o público infanto-juvenil será convidado a descobrir mistérios e curiosidades científicas na exposição Sombras e Luz. Desenvolvida originalmente pela Cité des Sciences et de L’Industrie e o Centre Georges Pompidou, a mostra une arte e ciência para contar aos pequenos (e grandes) visitantes o fascínio dos fenômenos físicos de projeção das sombras. Em suas diferenças, podemos pensar que estes projetos se complementam em uma mesma base democratizante, ao permitir que a arte seja vista e reconhecida em aspectos corriqueiros de nosso cotidiano – no design de um cartaz, no clique fotográfico de uma cena urbana, na sombra projetada de uma árvore ao sol.

Ainda em setembro, a música marca presença na homenagem ao multiartista Serge Gainsbourg – uma das personalidades mais inquietantes e polêmicas da cena musical francesa nos anos de 1970 a 1990. O espetáculo – que encerra a exposição Gainsbourg, Artista, Cantor, Poeta etc. – será conduzido pelos músicos cariocas da Orquestra Imperial, com o dueto Caetano Veloso e Jane Birkin, musa do artista. A direção musical é de Jean-Claude Vannier, arranjador e parceiro de Gainsbourg na maioria de seus trabalhos. Herdeiro da boa tradição revolucionária do país, as ousadias e provocações de Gainsbourg contra tabus e etiquetas sociais não impediram sua admiração por muitos de seus conterrâneos. Prova visível nas filas enormes que se formavam em frente a Cite de la Musique de Paris para visitar a exposição, organizada em 2008 para comemorar os 80 anos de nascimento do cantor.

Com esta programação, que tem muitos outros destaques até novembro, esperamos abrir espaço para reconciliar em nosso público dois olhares aparentemente antagônicos – o da tradição e o da vanguarda – tendo como aliados nossos parceiros franceses: experts no assunto!



Juliana Braga de Mattos, historiadora, é assistente da Gerência de Ação Cultural (Geac) do Sesc São Paulo