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Entrevista
Adrian Bauman
Os estudos mais recentes da medicina apontam que o sedentarismo é o fator mais perigoso para a saúde. Pior que a obesidade e o colesterol, ficar em casa inativo aumenta o potencial do indivíduo de desenvolver doenças crônicas, como o câncer e o enfarte.
A situação se agrava quando analisamos friamente a vida moderna: é cada vez mais raro manter um dia-a-dia ativo. Nossa cultura nos impele a ficarmos sentados e os avanços tecnológicos – do controle remoto à Internet – seduzem-nos à imobilidade.
Mas Adrian Bauman, médico epidemiologista australiano, professor da University of New Walles (Austrália), nos traz uma boa notícia. "Combater o sedentarismo é simples, basta realizar atividade física moderada." Em sua mais recente passagem pelo Brasil, o coordenador do programa Active Australia, que estimula os australianos a manter a boa saúde, concedeu uma entrevista exclusiva à Revista E.
Como funciona o programa Active Australia?
Ele consiste em um conjunto de esforços em nível nacional, que visa estimular as pessoas a praticar atividade física. Para realizá-lo, várias organizações particulares e públicas australianas, que compartilham de um interesse em comum, estão envolvidas. Além disso, participam do Active Australia os departamentos de saúde, de esporte e recreação, de transporte, de educação, além dos governos municipais, do setor privado, das sociedades médicas e das fundações de combate ao câncer. O Active também dispõe de uma estrutura que visa desenvolver planos estratégicos para aumentar a atividade física da população, colocando todos esses setores para trabalhar em conjunto. Um fator positivo do projeto é que todos os envolvidos apresentam o mesmo interesse. Por exemplo, tanto as escolas como as secretarias de saúde pretendem melhorar a qualidade de vida dos estudantes. Portanto, se eles trabalharem em conjunto, poderão realizar mais. O Active Australia funciona por meio de parcerias e deseja, cada vez mais, propor essas parcerias. O projeto também presta serviços às comunidades locais. Isso é muito bom, pois o profissional que trabalha sob o nome do Active assegura credibilidade. Outro fator positivo é que o projeto vem promovendo campanhas na mídia para estimular as pessoas a realizar mais atividade física. Temos, inclusive, a preocupação de sensibilizar as populações minoritárias, ou seja, aquelas que não falam inglês. Procuramos, além disso, trabalhar junto a profissionais que militam não apenas médicos e profissionais da área de saúde, mas pessoas vinculadas ao fomento do lazer e da recreação. Nosso programa teve início em 1994, em uma pequena cidade no sul da Austrália, que conseguiu conjugar vários setores em torno da prática de atividade física. Esse trabalho chamou a atenção do estado e, posteriormente, do governo federal, que estabeleceu as bases do Active Australia.
Atualmente, como é possível prover qualidade de vida, quando no entorno há miséria, estresse e preocupação com o desemprego? A situação se agrava em uma grande cidade?
Vou dar o exemplo de Sidney que, como São Paulo, é uma cidade grande (possui 4 milhões de habitantes). Lá está acontecendo uma total interação do Active Austrália com os outros departamentos. Por exemplo, quando o Departamento de Transporte planeja uma intervenção urbana, antes de as obras começarem, há a preocupação mútua em fazer com que essa intervenção permita que a comunidade viva com mais prazer. É verdade que fica difícil realizar projetos vultosos em regiões bem desenvolvidas, todavia, onde as construções estão começando, trabalhamos, por exemplo, para incorporar calçadões para pedestres e ciclovias já na concepção dos projetos. Essas novas regiões são planejadas com a infra-estrutura necessária, permitindo que as pessoas realizem atividade física, com muito espaço verde. Outra medida que tomamos é otimizar o uso dos espaços livres. Por exemplo, nada impede que a comunidade utilize os pátios esportivos de uma escola quando eles não estão sendo utilizados. É importante manter o meio ambiente mais amigável para a prática de atividade física. No centro de Sidney, estamos trabalhando para deixar as calçadas mais planas e iluminadas para evitar que os pedestres tropecem. Outro exemplo: juntamente com o Departamento de Transporte, encorajamos as pessoas a usar o transporte coletivo. Essa medida também é incentivada pela agência que cuida do meio ambiente e da qualidade do ar. Nossos esforços renderam o projeto Clean Air 2.000.
Com o passar do tempo, o conceito de atividade física evoluiu. Antes o cooper era muito bem-visto. Hoje, parece que as opiniões mudaram...
A evolução no conceito de atividade física seguiu as evidências científicas. Quanto mais estudamos, mais descobrimos teorias que evidenciam que exercícios moderados trazem grandes benefícios à saúde. Essa noção vem sendo desenvolvida há cerca de dez anos. Agora, ao recomendarmos exercícios moderados, estaremos seguindo as mais recentes pesquisas científicas. O conceito de atividade moderada é muito bom para a população em geral, pois significa que as pessoas de mais idade ou mesmo aquelas que sempre foram sedentárias podem começar do zero. Antes, dizíamos para elas realizarem exercícios vigorosos três vezes por semana. Hoje, o que vale é a moderação.
No mesmo sentido, a cada dia surgem novas descobertas relacionadas à boa nutrição. O ovo, por exemplo, estava proibido até há alguns meses. Hoje, os especialistas afirmam que não há problemas em consumi-lo. Em quem devemos acreditar?
É verdade. Como uma comunidade sabe o que fazer hoje, se amanhã podem dizer algo diferente? A resposta é que nos focamos muito na questão da nutrição. Porém, é preciso, além de alertar sobre os perigos de uma má alimentação, estimular as pessoas a se exercitar, pois a maioria está consciente dos perigos causados pelo colesterol, tabaco e pela hipertensão, mas poucos se deram conta dos riscos do sedentarismo. Por exemplo, na Inglaterra pesquisas demonstram que o consumo total de calorias e de gordura mantém-se estável há quatro décadas. No entanto, a obesidade da população aumentou consideravelmente. A diferença está na inatividade das pessoas, principalmente entre aquelas que vivem na cidade.
Há muitas pessoas que, mesmo conscientes do benefício da atividade física, não gostam de se exercitar. O que fazer para estimulá-las?
É preciso fazer com que a atividade física se torne uma escolha fácil no cotidiano das pessoas. Se conseguirmos incluí-la no dia-a-dia normal da população, as pessoas não a enxergarão como um exercício obrigatório ou como um esporte organizado. Por exemplo, você vai a um shopping center. Neles existem as escadas normal e rolante. Todo mundo pega a rolante. Está errado. As pessoas deveriam utilizar a escada comum, pois mesmo essa atividade aparentemente simples já traz benefícios. Assim, é necessário tornar o uso das escadas comuns mais acessível, ou seja, tornar a atividade física uma escolha mais fácil. Mas, na maioria dos lugares, onde estão as escadas "fixas"? Escondidas, fechadas por portas antiincêndio, com iluminação precária etc. Mesmo caminhar até a escola ou até o mercado aparecem como boas alternativas para a prática de atividade física. Até as pessoas que não gostam de exercício organizado, se tomarem essas decisões, estarão incorporando benefícios para a saúde.
É possível quantificar o "desperdício de calorias"?
Sim, é bastante fácil medir isso. Nos Estados Unidos, há uma fundação que estimou o número de viagens realizadas em escadas rolantes no Canadá e nos Estados Unidos. Chegou-se a um total de 210 bilhões de viagens por ano. Isso representa 2 KJ (quilojoules) de energia que deixaram de ser consumidos por subida ou descida de escadas normais. Se tomarmos a população dos Estados Unidos, em um ano, 130 milhões de quilos de massa corporal deixaram de ser gastos, unicamente porque as pessoas preferiram tomar a escada rolante. Isso significa meio quilo por pessoa em um ano. Outra maneira de mensurar o desperdício calórico foi idealizada por Bill Hassle, um fisiologista de Stanford. Ele afirmou que e-mail engorda. O exemplo é o seguinte: se você mandar um e-mail para um colega dentro de sua empresa, em vez de andar alguns metros e lhe transmitir as notícias pessoalmente, você acumulará entre quatro e cinco quilos num prazo de dez anos. Como agravante, a Internet permite realizar compras em lojas virtuais. E esse é um processo que torna a vida ainda mais sedentária.
Como contra-atacar a tecnologia?
Apenas encorajando as pessoas a sair de casa. A maioria delas aprecia a interação social, ou seja, sair e encontrar amigos. Mas nossa cultura vai na direção oposta: ela faz as pessoas sentarem e não fazerem nada. Portanto, temos de encorajar a prática de atividade física a partir de um estímulo social. Para uma comunidade, a mensagem não deve ser exclusivamente sobre os benefícios que uma caminhada pode prover, pois a maioria não pensa no que pode acontecer em quinze ou vinte anos. Para a população em geral, a mensagem deve atentar para os benefícios sociais que a caminhada é capaz de trazer: é divertido e agradável estar em companhia de amigos e encontrar outras pessoas. É por essa razão que elas devem sair de casa. Por exemplo, em Sidney, todos os anos temos uma corrida tradicional de quatorze quilômetros, que sai do centro da cidade e termina na orla marítima. A cada ano, participam cerca de 40 mil corredores. Em 1998, havia a intenção de aumentar o número de atletas. Foi criado, então, um evento a pé, que acompanhou a corrida, atrás dos corredores. Foi uma grande diversão: havia música, famílias inteiras, gente fantasiada, uma atmosfera carnavalesca, enfim. Resultado: conseguimos reunir quase 100 mil pessoas.
Quais são os principais fatores de risco para a saúde?
Em primeiro lugar estão o abuso de tabaco e o sedentarismo. Depois, o colesterol e a hipertensão.
Qual a sua opinião sobre as campanhas contra o cigarro? O senhor não acha que elas são agressivas ao extremo?
Em se tratando de antitabagismo é necessário ser agressivo. Isso porque as empresas de tabaco são muito agressivas. Para se ter uma idéia, em 1993, desenvolvemos uma campanha publicitária contra o cigarro. Ela foi veiculada em Sidney, mas não em Melbourne (outra grande cidade australiana). Em Sidney, a indústria tabagista abaixou o preço dos cigarros durante o tempo da campanha.
Estamos em guerra contra o tabaco. Além disso, existe uma série de evidências científicas que provam o malefício do cigarro para o fumante passivo, ou seja, aquele que aspira indiretamente a fumaça exalada pelo cigarro e pelo fumante. Eu acredito ser adequada uma lei que obrigue o fumante a fumar do lado de fora dos edifícios. Na Austrália, é proibido fumar dentro dos edifícios, públicos ou privados. Nós temos boas evidências científicas para sermos agressivos contra o fumo.
Como é possível incentivar a prática de atividade física para uma população, como no caso de São Paulo, em que a maioria vive num estado de pobreza e luta pela sobrevivência?
É evidente que as pessoas que vivem nas favelas têm necessidades mais fundamentais. Devem receber prioritariamente saneamento básico, educação e saúde. Já para a classe média, precisamos enviar mensagens para que realizem atividade física. É necessário encorajar todos a serem ativos, mas é preciso direcionar essa mensagem para a classe média, pois a população mais pobre não tem carro e, provavelmente, não dispõe de dinheiro para transporte coletivo. Em países pobres da Ásia, o meio de transporte mais popular é o próprio pé. Assim, as pessoas que carecem de recursos são ativas, mas não têm as necessidades básicas supridas. Portanto, é necessário suprir as necessidades básicas antes de lidar com outros fatores. Existem, na verdade, dois custos quando se fala em programas de saúde. Um é aquele gasto com doenças infecciosas que acometem mais a população de baixa renda. O outro é despendido com doenças crônicas, como câncer, enfarte, diabetes etc. Esse tipo de moléstia incide mais sobre a classe média. Em alguns países asiáticos, como Tailândia, Coréia e Taiwan, devido à melhoria dos fatores econômicos e sociais, a pobreza diminuiu e um contingente maior de pessoas passou a fazer parte da classe média. Conseqüentemente, tornou-se mais suscetível a desenvolver doenças crônicas, além de se entregar com mais facilidade ao sedentarismo. Por esse motivo, é preciso que se estabeleçam estratégias específicas para cada grupo, individualizando as determinadas situações.
Atualmente, a sociedade vive sob um padrão estético que privilegia a perfeição corporal, a magreza absoluta e a juventude eterna. Para isso, muitas pessoas exageram na dose. Se, por um lado, o sedentarismo é um dos principais malefícios à saúde; por outro, o padrão estético preconizado pela mídia provoca exageros. O que fazer?
É preciso mover os dois para o equilíbrio, ou seja, temos que fazer o indivíduo sedentário começar a se mexer, mesmo que seja um pouquinho a cada dia. Já àquela pessoa que exagera, temos que lhe dizer que para manter a boa saúde não é necessário tanto.