OUTRAS FAMÍLIAS
por Elizabeth Brasileiro

Ilustrações: www.marcosgaruti.com
Terminei a 4ª série do primário - era assim que se chamava - no final dos anos 60. Aprendia-se que família era a célula-mãe da sociedade e a normal deveria ser composta por pai, mãe e filhos. Essa era a composição esperada, sendo aceitas variações no caso de alguma fatalidade ter levado um dos responsáveis antes do tempo. Outras possibilidades - como separação do casal - não faziam parte das expectativas ou, por uma questão moral, não se abordava essa situação incômoda nas salas de aula. Foi também no final dos anos 60 que muita coisa começou a mudar no comportamento das pessoas, principalmente dos jovens. Mas a escola levou um longo tempo para lidar com essas mudanças e permaneceu, por muitos anos, tentando fazer os alunos acreditarem que somente o formato-padrão de família era algo a ser almejado para o futuro. Porém, as mudanças foram invadindo os lares de diferentes orientações religiosas, de todas as classes sociais, em ritmos distintos, com algumas resistências, mas sem volta.
Meu núcleo familiar era um tanto quanto distinto, não no formato, mas na relação etária. Meu pai casara-se com minha mãe aos 67 anos. Era seu segundo casamento. Não tivera filhos no primeiro. Minha mãe, por sua vez, tinha 38 ao se casar. Fui a única filha desse casal, mas é fácil imaginar a diferença de momentos históricos que cada um carregava, a diversidade de padrões morais e comportamentais adquiridos que havia em minha casa. Éramos, portanto, três gerações com uma grande diferença de idade entre cada uma delas e um mundo fervendo a nossa volta - política e culturalmente falando. O que mais aprendi com eles: a prática da argumentação e o exercício de acompanhar o tempo em que se vive.
Além da formação convencional, novos arranjos familiares foram contemplados nas últimas décadas e fazem parte da organização da sociedade contemporânea: pais, filhos, enteados, meios-irmãos, avós que criam os netos, casais homossexuais com filhos adotados convivem, se entendem e se desentendem, numa complexa rede de relações.
No Sesc aprendi, no contato direto com o público por 19 anos, a estar muito atenta para os novos diálogos da sociedade e, principalmente, a avaliar, com muito cuidado, quais as demandas e carências da clientela à qual se destinavam minhas ações. Todos os possíveis modelos de família formam o público das unidades e nelas se relacionam inter e entre gerações, com diferentes intensidades nesse envolvimento.
No projeto Curumim, eu lidei com as crianças e toda a sua rede familiar, nos modelos aqui citados e outros tantos não descritos. Trabalhar com os idosos foi um desafio, um aprendizado sobre o que queremos e o que não queremos para nós daqui a alguns anos. Eles nos ensinam que sempre é tempo de ser protagonistas de um novo comportamento social.
No espaço da Biblioteca e depois com a programação cultural mais ampla, trabalhei com público de todas as idades. Lidar com inúmeras linguagens artísticas permite criar momentos de prazer, encantamento e provocar novos saberes, na medida em que a instituição se preocupa não só em oferecer espetáculos de qualidade, mas também estimular potencialidades. Complementarmente, todas essas ações me permitiram o contato amplo e permanente com colegas de todas as áreas de atuação do Sesc.
É com essa diversidade que trabalhamos - de público e de ações. São muitas as possibilidades e comportamentos que norteiam e instigam a atuação do técnico do Sesc. Diferentes questionamentos se estabelecem e é fundamental estarmos sempre abertos para encontrar novas respostas, ou, quem sabe, novas dúvidas, e assim alimentar o ciclo da criatividade, de quem faz a programação e de quem a vivencia.
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ELIZABETH BRASILEIRO, FORMADA EM SOCIOLOGIA E BIBLIOTECONOMIA,
É TÉCNICA DA GERÊNCIA DE ESTUDOS E PROGRAMAS DA TERCEIRA IDADE (GETI)
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