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REVISTA E - PORTAL SESCSP

 

MUNDO SEM FIO

 


ilustrações: www.marcosgaruti.com

 

Os avanços da tecnologia têm levado o homem a um grau de interatividade que, há poucas décadas, parecia possível apenas na ficção. Entre os exemplos, o telefone celular e o computador, que são os responsáveis por grande parte do espanto. O primeiro trouxe a capacidade de comunicação em tempo integral e, hoje, agrega as funções de máquina fotográfica, walkman e câmera de vídeo. Já os PCs vêm se transformando em pequenos e discretos pontos independentes de acesso à rede. Em artigos exclusivos, essas novidades do mundo moderno em constante evolução - as chamadas mídias móveis - são analisadas pelo professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) Rogério da Costa e pelo professor da área de vídeo e produção audiovisual da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Rodrigo Minelli Figueira.

 


Mídias móveis: a nuvem dos "sem fio"

 

por Rogério da Costa

 

O mundo da mídia em mobilidade se expande. Fotografar, filmar, enviar mensagens gravadas, mensagens de texto. Receber filmes, fotos, clips, notícias, avisos. Parece que o início do século 21 está preparando outra mutação na maneira como as pessoas se comunicam. A primeira grande mutação se deu com o advento dos desktops [computadores pessoais ou PCs] e da internet. Foi com eles que aprendemos a digitalizar toda espécie de conteúdo que estava em suportes variados (como livros, revistas, jornais, relatórios, fitas de vídeo VHS, fotos, gravações em fitas K7 etc.) e enviá-los por e-mail aos parceiros de trabalho e amigos. Atualmente, se olharmos para a direção certa, já é possível detectar os sinais de uma atividade frenética de produção de conteúdos digitais distanciada dos desktops e circulando não apenas através da internet, mas também por outros meios. É a chegada dos portáteis ou dos aparelhos "sem fio". Wireless, como dizem em inglês. Com a proliferação das câmaras de fotografia e vídeo acopladas aos celulares e palmtops [computadores portáteis usados comumente como uma espécie de agenda eletrônica], as pessoas passaram a produzir, elas mesmas, uma quantidade cada vez maior de conteúdo audiovisual digital. Conectando-se agora através desses portáteis, elas estão fazendo esses conteúdos circularem de um modo variado, que combina publicação na web ["rede" em inglês, como também é chamada a internet] e transferência direta entre aparelhos. Para isso, ao tão conhecido meio de conexão chamado internet, juntou-se o CDMA, GPS, GPRS e EDGE [tecnologias utilizadas para transmissão de dados], apenas para citar os mais divulgados. Todos eles permitem a interoperação entre portáteis e também com a internet.
A essência dessa nova mutação tem um nome: mobilidade. O essencial agora é poder estar "sempre ligado" em qualquer lugar. Com isso, o que se pode observar é que a revolução real na computação sem fio não é apenas comercial ou tecnológica, mas também social. Conectadas a todo momento, e em qualquer lugar, as pessoas podem se comunicar e cooperar de novas maneiras. Hoje, em todo canto do mundo, os serviços de dados para dispositivos móveis tornaram-se uma plataforma importante não apenas para receber ou enviar conteúdos em áudio e vídeo, mas sobretudo para a interação de grupos. À comunicação por voz e texto, que já nos era familiar no início dos anos 2000, vem se juntar o envio de imagens e vídeos como parte habitual das trocas de mensagens entre indivíduos e grupos de usuários de aparelhos portáteis. E não podemos esquecer dos jogos para multiusuários via celulares, algo que também vem se notabilizando entre usuários no Brasil.
Em relação à produção de imagens e áudio, essa mutação comunicacional terá efeitos significativos no poder estabelecido da indústria de mídia. Algo que era exclusividade de poucos, agora, com os avanços da tecnologia de captação de imagem e som, está ao alcance de qualquer um que queira produzir um filme, um CD de música ou um ensaio fotográfico. Prova disso é o imenso sucesso do YouTube (site de vídeos "amadores"), do MySpace (site que reúne novos grupos musicais) e os diversos blogs com material fotográfico na web.
Mas uma das manifestações que mais chama a atenção atualmente é a emergência de comunidades móveis que se apóiam no uso dos portáteis para se articular. Parece difícil pensar numa comunidade virtual móvel de forma similar à dos grupos que se formam na internet. Como será que elas funcionam, através de aparelhos como os celulares e palms, por exemplo? Será que nossas definições de comunidade ainda se aplicam a esse caso?
As comunidades virtuais que se formam em torno de celulares, palmtops e outros dispositivos sem fio têm funcionado, cada vez mais, como apoio a ações coordenadas de grupos num espaço geográfico. Por isso a afirmação de que a essência dessas comunidades é o movimento, a reunião dos grupos em espaços físicos. É conhecido o exemplo em que grupos de jovens adolescentes na cidade de Helsinque, Finlândia, conectados em seus celulares por todo o canto, combinam numa fração de segundos um encontro num shopping. Eles chegam como enxames! Outro exemplo são os chamados flashmobs, em que grupos se reúnem para um ato político instantâneo e se dispersam em questão de minutos. Mas o exemplo mais famoso ainda é o da deposição do presidente das Filipinas, Joseph Estrada, que ocorreu depois que milhares de manifestantes se reuniram em frente ao palácio do governo para protestar. Eles se mobilizaram via mensagens de texto por celular em menos de uma hora! Sem nenhuma coordenação central. Howard Rheingold [escritor e pensador que atua na área das implicações políticas, sociais e culturais das novas mídias] nomeou esse fenômeno de smartmobs - grupos espertos.
O fato é que essas comunidades servem, literalmente, para muitas pessoas se acharem umas às outras, e se conhecer em grupo. Isso é experimentado em raras ocasiões, quando se trata de comunidades que evoluem na internet. Mas aqui, entre os sem fio, encontrar-se presencialmente parece ser o que há de mais interessante. Rheingold nos fala de ativistas que se mobilizam nas ruas e de jovens que se encontram em clubes. Há até mesmo sites no Japão que oferecem um serviço original: inscrevendo-se com seu perfil e indicando um perfil de afinidade, o usuário pode receber um chamado em seu celular no momento em que uma outra pessoa com o perfil escolhido esteja dentro de um raio de 50 metros. O telefone dos dois toca ao mesmo tempo indicando: há alguém com seu perfil nas proximidades. Aqui, parece que um potencial de revolução permanente se encontra entre as mãos dos jovens.
Outro exemplo surpreendente é a proposta do "ativista ciborgue" Steve Mann, que propõe o uso dos portáteis como instrumento de contravigilância nos espaços públicos (veja http://genesis.eecg.toronto.edu/). Qualquer pessoa já pôde perceber que os espaços públicos foram literalmente invadidos por câmeras de vídeo que gravam nossas imagens ininterruptamente. Steve iniciou um experimento no qual ele trazia no peito, sobre sua camisa, um domo (como esses que escondem câmeras nos elevadores), com uma webcam ativada e conectada à internet através de um portátil. Na camisa, os dizeres "Sorria, você está sendo filmado". Ele fez diversas experiências em lojas, onde no momento da compra os usuários estão sendo filmados. Nesse caso, Steve também estava filmando o vendedor. No mesmo instante, as imagens estavam sendo compartilhadas com uma comunidade virtual móvel, que dessa forma funcionava como contravigilância do sistema da loja. Esse exemplo ilustra quanto o ativismo político pode ser inventivo dispondo dos meios portáteis de comunicação.
Em Nova York, um exemplo também já conhecido é o das magic bikes, bicicletas que carregam hotspots para conexão Wi-Fi [pontos para conexão sem fio à rede], oferecendo acesso aberto à internet por onde ela passar (veja http://www.magicbike.net/). Essa iniciativa explora uma nova estratégia de oferta de internet no espaço urbano. As bicicletas wireless conseguem levar conexão com a internet para espaços e comunidades de excluídos. Os protagonistas do projeto afirmam que se trata de um misto de arte pública com tecnoativismo, servindo como ponto de rede ad hoc [em latim, significa destinado a esse fim; o termo é utilizado para designar pontos móveis de acesso à internet] nos lugares e momentos onde ocorre uma performance artística, eventos culturais, manifestações públicas ou simplesmente para colocar em rede comunidades vítimas da exclusão digital.
Essas experiências parecem nos mostrar que já está em curso mais uma revolução de hábitos e costumes, que se forja numa geração de jovens e adolescentes que estão bem longe dos desktops. A própria metáfora da rede parece desatualizada aqui. O que estamos vendo emergir é uma geração que viverá imersa na nuvem dos "sem fio". Em qualquer lugar e a qualquer momento, o que conta é se você está ou não na nuvem.

 


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ROGÉRIO DA COSTA É DOUTOR EM FILOSOFIA, ENGENHEIRO
DE SISTEMAS, PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC/SP) E AUTOR DO LIVRO
A CULTURA DIGITAL (PUBLIFOLHA, 2002)


 


 

Panorama em mutação - vislumbrando o futuro em movimento


por Rodrigo Minelli Figueira

 

Quando, em alguns anos, olharmos para as produções audiovisuais do século passado e do início do século 21, talvez não reconheçamos nenhuma semelhança com o que estaremos a experimentar em termos de produção e fruição de obras dessa natureza. Provavelmente os formatos e gêneros hoje conhecidos, assim como os meios e mídias hoje utilizados para distribuição, serão peças de interesse histórico e cultural e "coisas do passado".
O cinema e suas grandes salas, com filmes feitos para agradar a grandes massas de pessoas em qualquer lugar do mundo e faturar milhões de dólares em um único fim de semana; a televisão como a conhecemos, unidirecional, com uma grade de programação preestabelecida pela direção das emissoras; as locadoras de vídeo e suas prateleiras lotadas de fitas e DVDs sofreram radicais mudanças.
A tendência que podemos observar é a de uma segmentação cada vez maior no tocante às temáticas e aos conteúdos produzidos, bem como uma apropriação, por camadas cada vez mais amplas da sociedade, das tecnologias que possibilitam a produção audiovisual.
Futurologia? Adivinhação? Não. Trata-se apenas de tentar compreender um processo que vem acontecendo há bastante tempo, com inúmeras mudanças sociais, culturais e tecnológicas que nos possibilitam fazer tais afirmações.
Acontece que em um prazo de poucos anos vimos as tecnologias de produção, distribuição e exibição audiovisual se tornarem cada vez mais próximas de nosso dia-a-dia. O cinema, antes tão distante, no que se refere aos meios de produção, popularizou-se através das câmeras de 8 mm e super 8 nas décadas de 60 e 70, e sua linguagem e formas de exibição se multiplicaram com a chegada dos equipamentos domésticos de vídeo, nos anos 80 e 90. A crescente disseminação dos recursos digitais de produção e de distribuição de conteúdos digitais nos últimos anos fez com que a "aldeia global", vislumbrada pelo pensador canadense Marshall McLuhan ainda nos anos 60, se tornasse uma verdade quase banal.
Conectados pela internet e seus inúmeros recursos de distribuição, dos quais o recente fenômeno do site You Tube é apenas um exemplo, pessoas ao redor do mundo compartilham seus momentos e lembranças mais pessoais, programas adorados e as mais inusitadas produções que antes ficariam restritas apenas a seus familiares e aos círculos de amigos mais próximos e dos colegas de escola.
No caso da produção, o fato de podermos gerar imagens em movimento a partir de um aparelho que está em nosso bolso o tempo todo - mesmo que ainda com uma baixa definição -, aparelho esse que cada dia mais é um monte de coisas além de telefone, nos faz crer que muita coisa pode vir a mudar em pouco tempo.
Ao registrar seu cotidiano, documentar sua intimidade e os fatos que acontecem com você, ou que acontecem com as pessoas ao seu redor, em qualquer lugar e a toda hora, isso é algo que pode mudar a forma com que até então estávamos acostumados a pensar o audiovisual, a idéia que temos do que é importante e mesmo a forma como nos comunicamos.
É a cada dia mais comum as pessoas trocarem informações, seja sobre si mesmas, seja sobre os lugares que freqüentam ou sobre o que gostam, através de imagens. É sobre as imagens que se assenta grande parte da comunicação nos dias atuais.
Nos últimos anos são diversos os exemplos que poderíamos citar para exemplificar como as imagens são capazes de ter a força necessária para iniciar ou catalisar um processo de transformação da realidade. Casos como o da violência da polícia contra Rodney King [negro americano que, em 1991, foi espancado por policiais; no ano seguinte, levados a julgamento por violação dos direitos civis, foram absolvidos, o que causou uma série de distúrbios raciais pelo país; reaberto o processo, King teve ganho de causa, em 1994], que fez as pessoas se revoltarem em Los Angeles e em todos os Estados Unidos contra o preconceito racial, ou as cenas do massacre dos estudantes na Praça da Paz Celestial, na China [em maio de 1989, estudantes que faziam reivindicações contra a corrupção reuniram-se no local, tiveram grande apoio da população e a manifestação, ampliada para a exigência de uma democracia liberal, foi duramente reprimida pelo Exército chinês], são provas recentes de como as imagens podem fazer com que as pessoas acreditem que há formas diferentes de pensar e de fazer as coisas.
Já temos visto o jornalismo, tanto na televisão quanto nos jornais, usar tais imagens - o caso dos atentados nos metrôs de Madri e de Londres ou o acidente com um avião na Sibéria são um exemplo claro disso que estou falando. Quem está lá na hora em que os fatos estão acontecendo nem sempre é a imprensa institucionalizada e suas agências. As imagens que atualmente circulam pelos meios de comunicação muitas vezes são feitas por pessoas que estão ali participando, vendo as coisas acontecerem. E isso muda até mesmo a noção do que é importante ou não. Pois antes era relevante aquilo que a imprensa conseguia mostrar: o discurso de um político, pessoas com suas casas na enchente ou em morros desbarrancando. Tudo muito previsível, coisas que já tinham acontecido, mas nada registrado ali, na hora.
Como disse antes, até a forma de pensar o audiovisual como um todo tende a mudar. Aquela história de gastar milhões para contar uma história muitas vezes inverossímil e sem nenhuma conexão com a vida das pessoas, repetindo modelos de narrativa inventados há mais de um século, tende a acabar. O modelo do cinema comercial imposto por Hollywood, com sua duração média de quase duas horas, seus estereótipos maniqueístas que dividem o mundo entre heróis e vilões, bons e maus, com seus efeitos especiais e realidades sintéticas, deverá ser revisto, pois, com raras exceções, vemos alguém fazendo alguma coisa realmente diferente, que renove a linguagem, que ouse ir além do plano e contraplano inventados no início do século passado e que até hoje decupam a maior parte das produções - algo que não é apenas do cinema, é do audiovisual, da arte das imagens em movimento.
Por outro lado, munidos de câmeras de baixo custo, em seus telefones e palms [palmtops, computadores portáteis usados comumente como uma espécie de agenda eletrônica] e outros gadgets [equipamentos eletrônicos, em inglês] digitais, em todo o mundo, as pessoas estão fazendo coisas muito diferentes - sem muito dinheiro e que têm muito mais a ver com nosso dia-a-dia, com a nossa realidade, muito mais divertida às vezes, ou muito mais chocante -, no sentido de menos acomodadas, menos em cima de valores estabelecidos há mais de 100 anos, como grande parte da cinematografia atual.
Mas, se se tornou lugar-comum afirmar que temos acompanhado um processo de transformação tecnológica sem precedentes na história humana, é preciso estar atento a todo tipo de conseqüência que tal transformação pode trazer.
Se, por um lado, as tecnologias possibilitaram ao homem formas inauditas de comunicação e expressão, por outro, as questões referentes à convivência com o outro, ao respeito às diferenças culturais, religiosas, sexuais etc., aos procedimentos éticos e morais e suas conseqüências, à preocupação e necessidade de se encontrar formas para diminuir as injustas diferenças econômicas e sociais ao redor do mundo, e questões ligadas a como utilizar toda essa tecnologia para tornar a vida das pessoas melhor - de todas as pessoas e não apenas de uma pequena e privilegiada porção ou nação - se tornaram questões urgentes e indissociáveis de toda esta discussão.
Como tudo mais hoje em dia, as tecnologias estão chegando a todos os lugares do mundo ao mesmo tempo. E aqui, como no resto do mundo, tudo isso é muito novo para todos. Uma das coisas mais interessantes disso é que, como as coisas ainda não estão muito estabelecidas e formatadas, cada vez que uma pessoa realiza um novo trabalho audiovisual ela pode estar inventando algo absolutamente novo, que ninguém nunca tinha pensado antes, ou pode fazer algo que já foi experimentado, mas de uma forma totalmente diferente.
Assim, o que não mudará nunca e sempre irá continuar a valer é, com certeza, a criatividade e a invenção humanas, mas que não alteram o fato de que nada muda se a cabeça das pessoas não muda, se elas usam as mais novas tecnologias com seus mais antigos conceitos e preconceitos…

 

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RODRIGO MINELLI FIGUEIRA É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃOSOCIAL DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG) NA ÁREA DE VÍDEO E PRODUÇÃO AUDIOVISUAL, MESTRE
EM SOCIOLOGIA DA CULTURA PELA MESMA UNIVERSIDADE, E ATUALMENTE É UM DOS COORDENADORES
DAS ATIVIDADES DO ARTE.MOV- FESTIVAL INTERNACIONAL EM MÍDIAS MÓVEIS


 

 

 

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