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Catástrofes criam refugiados sem asilo
Mudanças naturais ou provocadas pelo homem fazem crescer número de desabrigados
ANDRÉ CAMPOS
Cidade inundada pela barragem de Acauã (PB)
Foto: Arquivo MAB
Em dezembro de 2004, um tsunami varreu a costa de diversos países asiáticos e africanos, deixando aproximadamente 300 mil mortos e milhões de desabrigados. Vilas inteiras foram destruídas e os sobreviventes caminharam dias até abrigos temporários, onde muitos vivem ainda hoje. Oito meses depois, foi a vez do furacão Katrina deixar 1 milhão de norte-americanos ao desabrigo. Nem seis semanas haviam se passado e um terremoto atingiu o sul da Ásia, tragédia que gerou inclusive acordos diplomáticos entre Índia e Paquistão – inimigos há décadas – para que a abertura da fronteira entre os dois países permitisse o fluxo de sobreviventes.
Está cada vez mais claro que situações como essas são apenas a ponta de um grande iceberg. Segundo estimativa da Universidade das Nações Unidas (UNU), até 2010 o mundo terá 50 milhões de pessoas obrigadas a deixar seus lares, temporária ou definitivamente, devido a problemas relacionados ao meio ambiente. Uma conta que inclui não somente as vítimas de grandes desastres, mas também comunidades inteiras que estão sendo silenciosamente impelidas a migrar devido a problemas como a degradação de solos e águas. Freqüentemente, para nunca mais voltar.
"Essa nova categoria de refugiado precisa encontrar seu lugar nos acordos internacionais", afirma Janos Bogardi, diretor do Instituto para Meio Ambiente e Segurança Humana da UNU. Segundo a instituição, os "refugiados ambientais" podem, em breve, ultrapassar o número oficial de pessoas em situação de risco contabilizado pelo Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) – que inclui os refugiados políticos e as pessoas em busca de asilo devido a perseguição de vários tipos. Estimativas da Cruz Vermelha, por sua vez, mostram que há hoje mais pessoas deslocadas por desastres ambientais do que por guerras.
Como dar assistência a essas pessoas? Quais devem ser as obrigações dos países em relação a elas? E quem realmente pode ser considerado um refugiado ambiental? Para Bogardi, essas são apenas algumas das questões que permanecem em aberto (ver texto abaixo). E a realidade brasileira, ao contrário do que muitos possam imaginar, não é alheia a esse debate.
No passado e no presente, são diversas as regiões e circunstâncias em que uma grande quantidade de brasileiros pode se encaixar nessa definição. Há situações bastante conhecidas, como a dos flagelados da seca que, desde o século 19, têm suas andanças retratadas em obras hoje clássicas de nossa literatura. Outras, no entanto, permanecem ignoradas pela opinião pública e, não raro, sem nenhum amparo de políticas capazes de atender os afetados.
Terras submersas
Alguns dados mostram que a ligação entre problemas ambientais e processos migratórios no Brasil pode ser muito mais generalizada do que se pensa. Em 2002, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ouviu todas as prefeituras brasileiras para traçar um perfil do meio ambiente nos municípios do país. E dos 50 que mais perderam população entre os Censos de 1991 e 2000 – todos com até 20 mil habitantes – 50% declararam enfrentar alterações ambientais relevantes que afetaram a vida da população. Um número 15% maior do que a média brasileira para os municípios desse tamanho.
O assoreamento dos corpos de água, presente em 53% dos municípios brasileiros segundo a mesma pesquisa, é um dos exemplos de como alterações ambientais podem levar ao deslocamento de comunidades inteiras. No rio Taquari, esse é o pivô daquilo que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) considera atualmente o mais grave problema ambiental e socioeconômico do Pantanal. Historicamente, as terras marginais ao rio recebem pulsos de inundação que alagam a área durante alguns meses do ano. Com a expansão desordenada da agropecuária, porém, a partir da década de 1970 isso deixou de acontecer, e uma área de 500 mil hectares encontra-se hoje permanentemente submersa e improdutiva. É o equivalente a quase 60% do total de terras desapropriadas para reforma agrária em 2004.
Os prejuízos para os pescadores são imensos, e muitos pecuaristas abandonaram a região. Pior ainda é a situação de cinco colônias de pequenos produtores localizadas na parte baixa do curso do Taquari, no município de Corumbá (MS). Naquela região, o "entupimento" do rio, afetado pela deposição de sedimentos, levou ao rompimento de suas margens – uma situação que literalmente afundou a agricultura desenvolvida nessas comunidades, onde já chegaram a morar 550 famílias. "Hoje não deve haver mais que 20 delas por lá", afirma Emiko Resende, pesquisadora da Embrapa Pantanal. "Muitos dos atingidos estão vivendo sob lonas na periferia de cidades como Corumbá e Ladário (MS), e alguns entraram em programas de assentamento de sem-terra em outros lugares."
Além da agropecuária, a mineração é outra atividade freqüentemente associada ao assoreamento de corpos de água no Brasil. Trata-se de uma prática também responsável por muitos outros problemas ambientais, como a erosão e a contaminação do meio ambiente por produtos químicos. Desde a época colonial, a descoberta de minérios resulta em intensos fluxos migratórios para regiões do interior do país. No entanto, passada a bonança inicial, não raro resta apenas uma grande área degradada, onde há enormes dificuldades para o desenvolvimento de alternativas econômicas. O resultado é uma debandada geral.
O município de Alto Paraguai, na região central do Mato Grosso, é um típico exemplo. Ali fica a cabeceira do rio Paraguai, onde o garimpo de ouro e diamante feito diretamente no leito do rio durante décadas constituiu a base da economia local. Criado em 1953, junto com a ascensão da atividade, o município hoje definha abraçado com a mineração. Principalmente a partir da década de 1990, intensificou-se o declínio da exploração de minérios, e a falta de trabalho levou ao êxodo dos garimpeiros. Ficaram os impactos ambientais – como o assoreamento do rio e os prejuízos à pesca – e o município, que tinha 13,8 mil habitantes em 1991, possui hoje população estimada de 6,1 mil moradores. Atualmente, órgãos governamentais e organizações da sociedade civil discutem meios de criar alternativas socioeconômicas na região.
No âmbito da agricultura, uma ameaça ainda pouco conhecida e que só agora começa a entrar na agenda das políticas públicas do país vem causando sérios problemas. Trata-se das espécies invasoras, organismos levados, acidental ou intencionalmente, para áreas fora do seu habitat natural. E que, no local onde se instalam, provocam alterações profundas no ecossistema – acompanhadas, muitas vezes, de grandes prejuízos econômicos e sociais. "Elas são extremamente agressivas nos ambientes onde são introduzidas porque não encontram neles os seus predadores naturais", explica Lídio Coradin, coordenador do Programa de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente (MMA). No Brasil, os estragos causados por essas espécies a diversas lavouras já colaboraram para deslocamentos humanos significativos.
É o caso da vassoura-de-bruxa, um fungo que saiu da Amazônia – em circunstâncias até hoje nebulosas – para atirar a lavoura cacaueira do sul da Bahia em uma crise sem precedentes. Principal produto da economia regional, o cacau apresentou uma queda exponencial de produtividade a partir de 1989, quando surgiu o primeiro foco da praga. Cerca de 150 mil pessoas foram diretamente afetadas pelo desemprego nas lavouras e dos 41 municípios da microrregião de Ilhéus-Itabuna – onde se concentra a atividade cacaueira – 30 tiveram crescimento populacional negativo na década de 1990, revertendo a tendência positiva registrada nos dez anos anteriores. "Estudos pontuais confirmam a hipótese de que a crise provocou um processo migratório para áreas periféricas da região, ou mesmo para outras localidades", revela Salvador Trevizan, pesquisador da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc).
A crise do cacau não é uma situação isolada do gênero. Em 1983, na região de Campinas (SP), um besouro típico da América Central foi encontrado pela primeira vez em território brasileiro. Logo ganhou o nome de bicudo-do-algodoeiro e passou a ser reconhecido como uma das mais devastadoras pragas na história da agricultura brasileira. Dois anos depois, o inseto estava disseminado pelo nordeste, onde até então a lavoura de algodão representava aproximadamente 25% da área plantada. Os 2,9 milhões de hectares com algodoeiros na região em 1980 reduziram-se a cerca de 180 mil na safra 1997/98. "Quase metade da população nordestina, direta e indiretamente, vivia do algodão e de seus subprodutos", afirma Napoleão Beltrão, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Algodão.
Na Paraíba, um dos estados brasileiros mais afetados pela praga, nota-se uma intensificação do êxodo rural entre o Censo de 1991 e a Contagem da População promovida pelo IBGE em 1996. A crise do algodão, de acordo com estudo feito por Ivan Targino e Emília Moreira, pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é uma das principais razões dessa situação. "A quase completa extinção da cotonicultura contribuiu para o declínio da parceria e do arrendamento, relações de trabalho que, bem ou mal, mantinham um número significativo de unidades de produção familiar."
Recentemente, o MMA catalogou a existência de 543 espécies invasoras no país. O problema causa tamanha preocupação que o ministério pretende apresentar, ainda este ano, um plano nacional para o controle dessas espécies. Calcula-se que, em nível mundial, esses organismos causem prejuízos anuais de 1,4 trilhão de dólares.
Barragens e secas
A construção de barragens para geração de energia hidrelétrica, uma prática hoje disseminada por todas as regiões do país, é outra situação em que migração e alterações ambientais estão em íntima ligação no Brasil. Principalmente a partir da década de 1960, diversas populações rurais vêm sendo compulsoriamente deslocadas devido a projetos desse gênero. Obras que, ao criar enormes lagos artificiais, transformam radicalmente o meio ambiente local e muitas vezes colocam comunidades inteiras embaixo da água. Uma revolução na vida não só daqueles que têm suas casas e terras inundadas, mas de todos os que vivem no entorno da área atingida.
Não há estimativas oficiais quanto ao total de pessoas cuja vida foi afetada pela construção de barragens no Brasil. Mas, de acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), hoje presente em 15 estados brasileiros, esse número chega a 1 milhão de indivíduos, dos quais cerca de 70% nunca receberam nenhum tipo de compensação – seja em forma de reassentamento ou indenização financeira. Para Ricardo Montagner, membro da coordenação nacional do MAB, o número de afetados pode crescer consideravelmente em pouco tempo, levando-se em conta os novos projetos hidrelétricos do governo federal. "Calculamos que cerca de 100 mil famílias devem ser atingidas nos próximos três ou quatro anos", revela.
No mundo todo, o Banco Mundial (Bird) afirma haver entre 40 milhões e 80 milhões de pessoas já deslocadas por conta de empreendimentos hidrelétricos. Segundo Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur-UFRJ), o Brasil ocupa uma posição expressiva nesse cenário. "Isso está ligado, em grande medida, à migração das atividades de forte impacto ambiental e alto consumo de energia para os países periféricos", explica. "Os mais afetados são as populações indígenas e as comunidades tradicionais."
Em terras brasileiras, a migração em circunstâncias relacionadas à seca é um problema ainda mais abrangente que o dos atingidos por barragens. No semi-árido nordestino, mineiro e capixaba – que forma a região seca mais populosa do mundo – vivem aproximadamente 30 milhões de pessoas. Enquanto isso, do sudeste à Amazônia, outros milhões têm sua história de vida marcada pelas estiagens do sertão. Somente na Grande São Paulo, segundo o Ministério da Integração Nacional, um terço da população é composto por nordestinos ou descendentes de retirantes da região. E a seca é, sem dúvida, um dos principais fatores na complexa equação dessa diáspora.
O regime hídrico do semi-árido não favorece a ocupação humana. A irregularidade das chuvas dificulta o desenvolvimento das atividades agropecuárias, e a escassez de sistemas eficientes para o armazenamento de água – quase sempre concentrados nas mãos de poucos – intensifica ainda mais os efeitos sociais dessa realidade. Para piorar, ciclos de fortes estiagens costumam atingir a região em intervalos que variam de poucos anos a até mesmo décadas e colaboram para desarticular de vez as já frágeis condições de vida dos mais pobres, deflagrando, muitas vezes, a decisão de abandonar a área.
A última grande estiagem do gênero ocorreu entre 1998 e 1999, período em que a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) realizou uma pesquisa que envolveu 15 municípios de cinco estados afetados. Os resultados mostraram uma queda de 72% na produção de feijão, milho, arroz, algodão e mandioca durante a estiagem – algo que Renato Duarte, o autor da pesquisa, define como um "tipo singular de desemprego maciço". Na maior parte dos casos, a produção era destinada à subsistência.
Se as causas e conseqüências da seca no semi-árido são bastante claras, o mesmo não é possível dizer das melhores formas de lidar com essa realidade. Desde o século 19 – quando o imperador dom Pedro II chegou a importar camelos da África para o transporte de água às regiões mais atingidas – projetos de diversos tipos são anunciados, discutidos, engavetados, retomados e, por fim, engavetados novamente. O mais recente capítulo dessa novela é a transposição do rio São Francisco, ambiciosa obra de infra-estrutura do atual governo. O objetivo é levar água, através de um sistema de canais, para cursos de água intermitentes do semi-árido nordestino. No entanto, são vários os especialistas e as entidades contrários ao projeto. Entre os principais argumentos, afirma-se que o São Francisco sairia prejudicado e que existem alternativas mais baratas e eficientes para lidar com a seca, como o investimento em cisternas.
Desafios futuros
Enquanto são discutidas saídas para a seca, um outro problema – a desertificação de terras – se agrava no semi-árido e pode converter-se, em breve, num obstáculo ainda mais severo para a fixação do homem na região. Segundo dados do MMA, 18% dos solos locais já são afetados, de forma grave ou muito grave, pelo problema, que em situações extremas pode levar à perda total de fertilidade das terras. Mesmo com chuva à vontade, nada mais brota nesses locais.
"O manejo inadequado de solos é um dos principais fatores para o avanço de desertos no Brasil", afirma Gertjan Beekman, coordenador do Programa de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca na América do Sul, iniciativa capitaneada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). As conseqüências sociais da desertificação são bem conhecidas desde a década de 1930, quando a introdução da agricultura extensiva afetou uma grande superfície no sudoeste dos EUA. Degradação de terras, erosão, ventos e a ocorrência de uma grande seca geraram uma combinação explosiva. "Tempestades de areia soterraram cidades e aldeias inteiras", conta Beekman. Somente para o estado da Califórnia, calcula-se, migraram, em dez anos, entre 300 mil e 400 mil pessoas vindas dos estados afetados.
A desertificação não é a única circunstância preocupante que surge no horizonte brasileiro. Estudos da UNU indicam um crescimento considerável do número de pessoas que tentarão fugir de condições ambientais desfavoráveis, nas próximas décadas, devido aos efeitos das mudanças climáticas. E o Brasil, ao que tudo indica, não será exceção. "Com o planeta mais quente, projeções mostram que o clima fica mais variável", revela Carlos Nobre, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC). "As enchentes e as secas podem acontecer com mais freqüência."
Má notícia para um país em que a ocupação humana é fortemente atrelada ao curso dos rios, e onde o crescimento urbano desordenado atinge diversas áreas de mananciais – só na região metropolitana de São Paulo são 1,5 milhão de pessoas vivendo nesse tipo de local. Segundo dados da UNU, num ranking de 93 países, o Brasil tem a sétima maior média anual de pessoas atingidas por enchentes – somente de 2000 a 2005, foram 280 mil os brasileiros desabrigados devido ao fenômeno.
Em 2005, a mais severa seca que atingiu a Amazônia em 40 anos deu mostras de como a intensificação de eventos dessa natureza pode afetar os indígenas e ribeirinhos da região. Num lugar onde os rios são as principais estradas, foi a falta de água que deixou milhares de pessoas ilhadas. Segundo a Federação dos Pescadores do Estado do Amazonas (Fepesca), 25 mil trabalhadores da pesca no estado estavam parados em outubro daquele ano por causa da vazante dos rios. "Vamos supor que ocorram secas como essa por três anos seguidos", diz Marcos Pindá, presidente da Fepesca. "Comunidades inteiras podem ter de ir embora para outros locais, até mesmo atrás de água para beber."
Quanto dessa estiagem se deve às mudanças climáticas permanece uma questão nebulosa. São fortes, no entanto, os indícios de que a própria dinâmica de exploração estabelecida em terras amazônicas pode, no futuro, provocar um impacto significativo no clima local. Simulações brasileiras e de outros países mostram que, com a Amazônia amplamente desmatada, há realmente uma tendência de diminuição das chuvas na região.
E se ainda há mistérios em relação à seca da Amazônia, o que dizer a respeito do furacão Catarina? O inesperado visitante tornou-se o primeiro fenômeno do gênero já registrado em águas do Atlântico Sul – e também o primeiro a avançar sobre a costa brasileira. Somente em Santa Catarina, o estado mais atingido, foram 2,1 mil edificações destruídas, 2,2 mil pessoas desabrigadas e 1,1 mil indivíduos obrigados a se deslocar. Passados quase três anos, permanece a dúvida: esse foi um evento isolado ou o Brasil pode vir a integrar um dia a chamada "rota dos furacões"?
"Ainda não existem evidências científicas suficientes para relacionar o furacão Catarina com as mudanças climáticas", afirma Emerson Marcelino, doutorando do Instituto de Geografia da Unicamp (IG-Unicamp) e um dos pesquisadores que estiveram no olho do furacão. Mas, como ele mesmo ressalta, há um estudo do Met Office – o centro de meteorologia da Grã-Bretanha – que mostra que o fenômeno ocorreu justamente em uma área onde é esperado um aumento significativo de ciclones extra-tropicais – o Catarina originou-se de um desses ciclones – ainda neste século.
Furacões são uma das principais causas de deslocamento maciço de pessoas no mundo. E, muitas vezes, esse pode ser um caminho sem volta. Pesquisas financiadas pela ONG norte-americana Earth Policy Institute mostram que, um ano após a passagem do Katrina pelos EUA, 375 mil dos cerca de 1 milhão de evacuados ainda não haviam retornado às suas cidades. E, na avaliação de Lester Brown, o presidente do instituto, cerca de 250 mil não devem realmente voltar. As causas, segundo ele, vão desde os traumas psicológicos até o alto preço da reconstrução dos imóveis atingidos.
O aumento do nível dos mares – a mais clara conseqüência do aquecimento do planeta – é outra realidade preocupante para populações do litoral brasileiro. Cenários extremos previstos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) indicam que os oceanos poderão estar até 88 centímetros mais elevados em 2100. "Em cidades litorâneas muito baixas, como o Recife, isso pode significar um avanço do mar em centenas de metros", diz Carlos Nobre, do CPTEC. "Se o aquecimento global continuar, certamente a costa do Brasil precisará de obras de engenharia. E essa ainda é uma questão muito distante da agenda política do país."
Segundo Nobre, outra perspectiva ainda não devidamente digerida é o potencial danoso do aquecimento global sobre a vida dos agricultores brasileiros. Pesquisas capitaneadas pela Embrapa mostram que um aumento de 5,8 ºC na temperatura do planeta – cenário extremo previsto pelo IPCC para 2100 – deve diminuir em 38% a área cultivada de arroz no país. No caso da soja, essa redução seria de 60%, e outras culturas, como o feijão e o milho, também sofreriam perdas. "A preocupação com essas questões ainda está confinada à comunidade científica", diz ele. "O debate sobre quais seriam as respostas políticas adequadas continua muito tênue."
À espera de leis internacionais
O aumento das catástrofes naturais e do ritmo de degradação das terras faz dos refugiados ambientais membros de uma categoria em expansão no mundo – mas que, apesar disso, permanece não existindo oficialmente. O conceito de refugiado como ele é conhecido hoje surgiu ao fim da 2ª Guerra Mundial, quando a quantidade de pessoas deslocadas por conflitos bélicos no planeta atingiu proporções jamais vistas. Sua definição abrange os perseguidos por opinião política, questões raciais, opção religiosa, nacionalidade e associação a determinado grupo social.
Janos Bogardi, da Universidade das Nações Unidas (UNU), defende que os refugiados ambientais recebam status legal e programas de assistência similares aos dessas pessoas. Além do direito de asilo, os refugiados também têm freqüentemente acesso a auxílio financeiro e iniciativas de reassentamento, e podem gozar dos mesmos serviços públicos que os cidadãos dos países para onde vão. Na opinião de Stuart Leiderman, pesquisador da Universidade de New Hampshire, outra necessidade nesse novo contexto é rever a idéia de que só é um refugiado aquela pessoa que cruza fronteiras nacionais. "Principalmente em grandes países, refugiados ambientais também são os que se dirigem a outras regiões dentro do próprio território", diz o especialista.
Leiderman é um dos criadores da Fundação LiSER, ONG de atuação internacional que luta para inserir na agenda das organizações humanitárias a realidade das pessoas que foram obrigadas a se deslocar devido a alterações do meio ambiente. Segundo ele, a presença do Brasil nas discussões políticas sobre o tema pode abrir caminho para a criação de leis internacionais. De acordo com a própria ONU, o Brasil é um dos países que demonstram maior grau de compromisso com a temática dos refugiados, e tem um papel de liderança desde que se buscou formar um marco internacional para a proteção dessas pessoas.
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