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Revolução digital cria ilhas tecnológicas

Computador e internet mudam o paradigma de negócios e o relacionamento entre empresas e pessoas

OSWALDO RIBAS


Foto: Henrique Pita

Duas extraordinárias invenções interligadas, a do microcomputador e de sua rede global, a internet, já mudaram de tal forma o mundo que, hoje, esses dois ícones da modernidade integram o seletíssimo grupo dos grandes eventos da história que alteraram para sempre o rumo da humanidade, a exemplo das viagens espaciais e da aplicação da energia nuclear. No curto período de 25 anos transcorrido desde a chegada ao mercado, em 1981, do primeiro computador pessoal, as nações experimentaram uma revolução sem precedentes não só nas comunicações, mas também na economia, na política e no comportamento dos agentes sociais, em especial a partir de 1991, quando começou a difusão comercial da world wide web (www). Todas essas mudanças, segundo os especialistas, apesar dos paradoxos e contradições, estão desembocando numa nova visão de mundo e consolidando o processo em direção a uma genuína sociedade da informação em escala planetária.

Espécie de extensão universal dos milhões de micros espalhados pelo mundo afora, a internet evolui rapidamente para se tornar o atual instrumento dominante de pesquisa, difusão de idéias e troca de dados. Em cerca de uma década alterou radicalmente a maneira como as pessoas se comunicam, trabalham, fazem negócios, estudam e até namoram. Está agora derrubando antigos conceitos territoriais geopolíticos, eliminando fronteiras e indicando novos paradigmas de nação, política, família e sociedade. "O binômio computador mais internet representa uma mudança tão colossal que ainda não temos como avaliar exatamente o grau de sua repercussão", afirma Rubens S. Meyer, diretor da empresa de consultoria S2 Comunicação Integrada. "Isso fica mais evidente quando vemos que essa união não pára de evoluir, com o surgimento de valores agregados como o da banda larga (acesso em alta velocidade) e o das tecnologias sem fio, definitivamente o nome do jogo nessa nova etapa das telecomunicações no século 21", acrescenta ele.

Para se ter uma idéia do que representa a demanda do mercado consumidor por equipamentos mais possantes, estimulada pelo uso da internet e dos programas multimídia, basta lembrar que aquele primeiro computador pessoal de 1981, fabricado de forma pioneira pela International Business Machines (IBM), possuía uma memória RAM, ou capacidade de memória, de 256 kbytes. Hoje, um Style Premium, da Preview, disponível no Brasil, é equipado com memória RAM de 2 gigabytes, 8 mil vezes maior que a daquele da IBM. O processador é 670 vezes mais veloz, e o preço é, comparativamente, R$ 1 mil menor. De quebra, a máquina contemporânea vem com um disco rígido de 300 gigabytes, onde cabem até 60 mil músicas ou 300 horas de vídeo de alta definição. No PC IBM de 25 anos atrás, o espaço do disco rígido era de 160 kbytes, o que equivaleria a armazenar, no máximo, três textos em Word.

Um diferencial importante entre esses dois modelos está em suas funções. Enquanto o pioneiro da IBM era utilizado exclusivamente como ferramenta de trabalho e encontrado apenas nos escritórios (os PCs iriam invadir os domicílios alguns anos depois, aquecidos exatamente com o advento da internet), o aparelho da Preview é fundamentalmente uma ferramenta de comunicação e de lazer. Seu usuário, além dos arquivos e planilhas de trabalho, poderá organizar suas coleções de música digitalizada, fotos, vídeos, os contatos de e-mail, telefones e jogos interativos, além de contar com webcams para videoconferências ou mesmo recepção de TV a cabo ou aberta. Possuir um equipamento assim facilita ainda as atividades de teletrabalho, ou o trabalho à distância, que também vêm revolucionando as relações entre empregados e empregadores e contribuindo para aumentar a produtividade geral da sociedade.

Essas configurações cada vez mais possantes dos micros, bem como o surgimento de redes capazes de transmitir de forma superveloz imagens, voz e dados, estão transformando forma e conteúdo do conhecimento humano. Dados da E-Consulting, empresa especializada do mercado tecnológico, revelam que desde o advento dos PCs o volume e a velocidade da informação despejada pelas mídias assumiram tal magnitude que, estima-se, a massa de conhecimento humano esteja crescendo 100% a cada cinco anos. Seguindo tal progressão, daqui a 15 anos essa duplicação ocorrerá a cada 90 dias. Ou seja, a humanidade, acostumada ainda a padrões lentos de mudança, terá de se adaptar a uma revolução constante, quase cotidiana, na maneira como se inter-relaciona e vê o mundo.

Segundo informações recentes divulgadas pela Wikipedia, a principal enciclopédia livre da internet, os mecanismos de buscas da web, como Google, Yahoo! e AltaVista, contêm cerca de 40 bilhões de páginas indexadas. Mas, com a proliferação dos blogs (espécie de diários pessoais), criados aos milhões, o número de páginas disponíveis pode já estar se avizinhando de 16 trilhões. Só o Google, o site mais visitado, realiza aproximadamente 1 bilhão de pesquisas diariamente para seus usuários em todas as partes do mundo, inclusive a China. Outros sites de sucesso, como o YouTube, local de acesso e compartilhamento de vídeos caseiros e clipes, chegam a registrar 100 milhões de visitas diárias. No Brasil, o principal site e provedor de acesso à internet, o UOL, que completou dez anos de existência em abril, administra 1 bilhão de páginas visitadas mensalmente e tem cerca de 1,4 milhão de assinantes.

Tamanho gigantismo, em um ambiente globalizado e centralizado pelas relações capitalistas, certamente provocou e está provocando um estimulante cenário de oportunidades de negócios e rápido enriquecimento para os pioneiros. Não são poucos os casos de jovens empresários que, em menos de uma década de atividades na web, acabaram se tornando bilionários. Talvez o exemplo mais conhecido seja o da dupla Larry Page e Sergey Brin, os sócios do Google, cujo valor de mercado supera atualmente os US$ 80 bilhões, maior até que o do conglomerado de entretenimento e mídia Time Warner.

Antes deles, contudo, a figura mais famosa da tecnologia da informação é Bill Gates, que, junto com Paul Allen, fundou a Microsoft, a maior e mais famosa empresa de software do mundo. Gates, não por acaso, tornou-se o maior bilionário de todos os tempos.

Greg Johnson, vice-presidente executivo e diretor global de Inovação Digital da MRM Worldwide, acha que as oportunidades de criação de novos serviços pela internet, incluindo a transformação da rede como vibrante ferramenta de marketing, são inúmeras. Em recente passagem por São Paulo, onde participou do seminário Comunicação, Entretenimento e o Marketing no Mundo Digital, realizado pela gravadora Trama na Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), Greg lançou a idéia de um mundo futuro totalmente conectado. "Estaremos em conexão com a internet também em nossos veículos, públicos ou particulares, quando transitarmos de casa para o escritório, em lojas, supermercados ou locais de diversão", disse ele. "Isso certamente promoverá grandes oportunidades de criação de serviços. Empresas com visão estratégica estão, neste momento, investindo em modelos para tornar viável a distribuição em massa de informação online de trânsito, com mapas de percursos em tempo real, procedimentos para casos de colisão e necessidades de auxílio mecânico. São muitas as possibilidades, e os que forem pioneiros terão grandes chances de dominar novos e bilionários mercados."

O micro diz alô

Foi dentro desse espírito empreendedor citado por Greg Johnson que dois jovens empresários europeus, o sueco Niklas Zennström e o dinamarquês Janus Friis, conseguiram, por exemplo, dar um salto de qualidade nos serviços prestados pela internet e, ainda por cima, imprimir uma nova realidade à concorrência global. Ao fundar a Skype, a empresa que desenvolveu comercialmente o software que permite ligações telefônicas pela web, conhecido como Voz sobre Protocolo da Internet (VoIP), os dois empresários europeus romperam uma barreira importantíssima: a que separava as companhias de telecomunicações das empresas prestadoras de serviços pela internet.

Mais precisamente, o Skype (e as centenas de empresas similares que seguiram seu rastro) passou a concorrer de forma avassaladora com os grandes grupos de telecomunicações internacionais, como a norte-americana Verizon, a inglesa Vodafone, a espanhola Telefónica, a Deutsche Telekom e a France Telecom, acelerando o ritmo dos acontecimentos rumo à aldeia global e mudando um paradigma da indústria.

"As empresas de telefonia fixa estão, agora, se movimentando para ganhar espaço também nesse mercado de convergência, onde a tendência vai no sentido de grandes fusões e aquisições ou das parcerias; mas elas sabem que a telefonia fixa como existe hoje realmente vai desaparecer e que demoraram muito para perceber isso. O custo de oportunidade é agora maior", afirma Gilberto Galan, representante no Brasil da Associação da Indústria de Tecnologia de Computação (CompTIA), organização com sede nos EUA composta por mais de 8 mil empresas que têm como principal objetivo criar certificações para os profissionais da indústria.

Sentindo-se ameaçadas e com sua principal atividade, a telefonia fixa, em decadência, as grandes teles mundiais passaram ao ataque e, num movimento ainda longe de estar concluído, estão redefinindo a forma como bilhões de pessoas se comunicam em todo o mundo. Diante do avanço das empresas virtuais, elas decidiram iniciar um processo de fusões e aquisições com empresas do setor de internet, como provedores de banda larga (o acesso em alta velocidade à web), cuja meta é oferecer ao cliente serviços unificados de telefonia, internet e televisão, o chamado triple play e até o four play, com as ligações celulares pela internet.

"Resta saber como vai se encaminhar a guerra também entre as operadoras de telefonia, as redes de TV abertas e as de assinatura, que estão disputando o futuro do setor sob essa convergência de mídias e tecnologia. O marco regulatório e os mecanismos atuais de proteção ao consumidor, relativos a privacidade e segurança, são insuficientes e não mais adequados ao cenário que se desenha, excitante, porém bem mais complexo", acrescenta Galan.

Mais do que isso, a gigantesca concorrência em escala global começou a desatar nós de pesquisa e investimentos e a desencadear o surgimento de novas tecnologias e maravilhas digitais que estão se transformando no maior fenômeno cultural de nosso tempo. Os aparelhos celulares, por exemplo, deixaram de ser apenas telefones e passaram a ser um símbolo da convergência entre tecnologia e entretenimento. Além de permitir as chamadas de voz, o celular passou a ser multimídia e a "conversar", por meio do cabo USB, com computadores e TVs. Tem funções de câmera digital, vídeo, toca MP3 – o sistema digital de armazenamento de músicas –, acessa jogos de terceira geração e, conectado aos PCs, pode enviar imagens e mensagens de texto à rede mundial. A Linksys, uma divisão da Cisco Systems, foi ainda mais longe. Criou um celular para falar pela internet pelo Skype ou qualquer outro sistema de voz sobre IP. Outra revolução.

"Vemos a internet ocupando uma posição cada vez maior no processo acelerado de convergência digital, dirigindo-se para uns poucos meios, na maioria portáteis, como palmtops (PDAs) e celulares, embora a televisão, como centro de entretenimento familiar e, portanto, com dimensões maiores, vá também se constituir numa mídia ainda mais importante, interativa, sem fios e de qualidade superior, com imagem em alta definição. Os notebooks, também cada vez mais baratos, já incorporam, dentro de um porte médio, grandes avanços e vão ganhar mercado. Uma parcela crescente das compras já se faz online com essas facilidades. Com isso, o perfil do consumidor muda significativamente", prevê Galan.

Na busca do domínio dos aparelhos sem fio, os palms, como também são chamados os palmtops, passaram a ser uma das grandes coqueluches. O Blackberry 8700, distribuído no Brasil pela TIM, tem funções de celular e teclado alfanumérico que permite navegar na internet, além de checar e enviar e-mails. O Palm Zire, concorrente, tem um pouco de tudo. Roda arquivos de Word, Excel e PowerPoint, tem uma câmera digital embutida e tocador de música MP3. Como se comunica com celular por rede sem fio, pode ainda ser utilizado para acessar a internet.

Os palms, bem como os notebooks ou laptops – os microcomputadores portáteis –, tendem a adquirir uma projeção ainda mais significativa no bilionário mercado da tecnologia da informação com a chegada dos ambientes sem fio em grande escala. Até agora limitados ao Wi-Fi (wireless fidelity), um adaptador de acesso à web sem fio em ambientes fechados, como um escritório, uma loja ou restaurante, os palms e os laptops tendem a ter uso praticamente ilimitado com a chegada da nova tecnologia WiMAX (worldwide interoperability for microwave access/interoperabilidade mundial para acesso de microondas), um sistema que dotará grandes espaços territoriais, cobrindo bairros inteiros por exemplo, com acesso sem fio à banda larga.

Ed Zander, o presidente da Motorola, que esteve recentemente no Brasil para as comemorações do décimo aniversário da produção de telefones celulares no país, declarou que a empresa norte-americana, uma das líderes do setor, está apostando suas cartas nas tecnologias sem fio. O principal foco da empresa está numa novidade: o WiMAX móvel, que permite a conexão em alta velocidade nas redes mesh, uma outra forma de transmissão de dados e voz além das redes a cabo ou wireless. Redes do tipo mesh apresentam a vantagem de ter baixo custo, ser de fácil implantação e tolerantes a falhas. Nessas redes, roteadores sem fio são instalados no topo de edifícios e comunicam-se entre si, criando amplos ambientes de acesso à internet rápida a quem possua um laptop ou palmtop, ou mesmo micro de mesa.

Tsunami tecnológico

No Brasil, atualmente, 32 milhões de pessoas estão conectadas à web. Desse total, cerca de 4 milhões têm acesso à rede de alta velocidade. Em 2005, os brasileiros bateram, pela primeira vez, os internautas norte-americanos na duração de suas conexões à internet tanto em banda larga como em conexões discadas. Pesquisa Ibope/NetRatings concluiu que cada usuário domiciliar de internet no Brasil navegou no ano passado, em média, 13 horas e 43 minutos por mês, o que significa 22 minutos a mais do que os norte-americanos. Dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos estimam que, em 2005, foram baixados mais de 1 bilhão de arquivos de música no Brasil, também um dos maiores totais em todo o mundo. Será que isso quer dizer que o Brasil entrou definitivamente na era da informação?

"Não se pode falar em sociedade da informação quando grande parte da população brasileira permanece excluída do processo mais rápido de acesso a ela, a internet", declara Cecília Leite, coordenadora-geral de produção e gestão de informação do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Citando dados do ministério, ela revela que menos de 20% dos brasileiros têm possibilidade de conexão e o fator de impedimento é, fundamentalmente, o poder aquisitivo. "Apesar da diminuição de preço dos PCs – o que é um fato positivo –, uma parcela enorme da população não possui o nível de educação e de compreensão para extrair o máximo da rede, mesmo utilizando os telecentros", comenta ela. A seu ver, o movimento da sociedade da informação chegou ao Brasil "como um tsunami", uma onda tecnológica de grande envergadura, mas que deixou apenas "ilhas informatizadas nas regiões tradicionalmente mais desenvolvidas do país".

Cecília considera acertado o projeto de realizar a inclusão em massa das escolas por intermédio da internet pública e da distribuição de 1 milhão de laptops populares. "Certamente é por meio da educação e de escolas incluídas digitalmente que o Brasil poderá romper o círculo vicioso do atraso em vastas e populosas regiões do país." Ela teme, contudo, que devido à falta de coordenação e melhor estratégia dessas políticas públicas os micros e laptops distribuídos à rede de ensino venham a ser utilizados mais como "máquinas de escrever" e menos como instrumentos extraordinários de pesquisa e fontes de conhecimento.

Na opinião de Cecília e de outros especialistas do setor, um fator de extrema importância seria os governos – nas esferas municipal, estadual e federal – também acompanharem essa evolução tecnológica para, assim, melhor servir à população. "O que tem acontecido, de fato, é o Estado brasileiro ter permanecido muitos passos atrás do restante da sociedade." 

 

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