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Considerações esparsas sobre manifestações de arte nas ruas

Elisa Maria Americano Saintive

O assunto é vasto, e, quando muito, só podemos levantar algumas observações num mosaico provisório e precário.

Em primeiro lugar, o mais óbvio e elementar: um evento de rua não pode ser visto, em princípio, apenas como um espetáculo gratuito e isolado. Deve estar – usando um termo da moda – contextualizado. Ou seja, este evento deve estar ligado a uma política cultural específica de uma instituição pública o privada. E, mesmo que seja um único "espetáculo", o planejamento deve visar às consequências menos efêmeras, ainda que não visíveis de modo imediato. Um desses efeitos, por exemplo, pode ser despertar a auto-estima dos habitantes de uma área que sofre um processo de deterioração econômica ou social. E esse mecanismo (o evento) já provou ser bem eficaz na conquista de uma comunidade para o "sentir" artístico...

Um outro aspecto a salientar numa manifestação de rua é a importância do olhar do espectador. Como já disse Marilena Chauí "Olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si". Mesmo sendo musical ou teatral, por exemplo, todo espetáculo de rua é, essencialmente, visual: ou é o palco montado, ou são os aparelhos de som, ou o cenário, ou os cartazes, ou a visão direta dos artistas etc. etc. E "a paisagem" do local (praça, rua, praia) deve ser incorporada de modo positivo à visão dos que "assistem". Ao levar para "dentro do espectador" a rua, a praia, a praça, ou, resumindo, a paisagem, cria-se um processo de valorização do hábitat do espectador e de sua comunidade.

Um exemplo concreto do eventual "enriquecimento" do público que participa de um "espetáculo de rua" é a apresentação da peça Romeu e Julieta em Santos, encenada pelo grupo Galpão de Minas Gerais, sob a direção de Gabriel Villela, na praia. Um caminhão era, ao mesmo tempo, palco e cenário, mas a fulgurante paisagem da praia (areia, céu e mar) tornava a beleza do espetáculo ainda mais profunda. E colocando-a ,"dentro de si", o espectador certamente participava do espetáculo, e até seu ritmo de vida poderia ser afetado... arrisco-me a dizer que mais afetado ainda se o espectador estivesse vivendo, naquele momento, uma forte paixão proibida) Uma outra manifestação de rua de consequências frutíferas foi o espetáculo Lorca na Rua, realizado pelo Sesc/SP. Correu várias cidades, sempre atingindo visivelmente seus objetivos. Em Praia Grande, por exemplo, a participação foi tão espontânea que mendigos que estavam próximos acabaram por se incorporar ao grupo. E até um cachorro chegou a contracenar com os artistas...

Embora os espetáculos de rua possam, por vezes, trazer alguns problemas à vizinhança, (trânsito, barulho etc.) seus aspectos positivos são tantos que não podem ser desprezados ao mobilizar as comunidades. E o Sesc é uma das instituições mais claramente vocacionadas para tal tarefa: despertar para a arte, no seu sentido mais amplo, os viventes mais carentes da cidade.

 

Elisa Maria Americano Saintive é formada em Educação Artística e gerente do Sesc Belenzinho