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Literatura
Considerado uma das mais antigas formas de poesia, o cordel chega à era da informática buscando associar a tradição com novas linguagens
Os cordéis aportaram no Brasil com os portugueses, embora haja suspeitas de que esse tipo de literatura popular existisse bem antes da época das grandes navegações, remontando à Grécia antiga. Na linha do tempo, ele pode ser associado também aos trovadores da Idade Média, que não imprimiam suas poesias em papel, mas cantavam-nas ao som de alaúde, gaitas, violas ou flautas nas feiras, festas e castelos dos senhores feudais. “A diferença é que naquela época os poetas populares divulgavam sua poesia apenas oralmente”, explica o cordelista Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede no Rio de Janeiro. “Não existiam os libretos de hoje para reproduzi-las no povoado.”
O nome dado a essa manifestação varia de acordo com os países em que é produzida. Em Portugal e na Espanha o gênero recebeu o nome de folhas soltas, ou pliegos sueltos, como se fala em espanhol. No Brasil, onde a palavra cordel significa corda ou trança, os livretos ganharam esse nome em referência à forma como ficavam expostos para venda, pendurados em cordas nas bancas ou mercados das cidades.
O que caracteriza um cordel é o modo como a métrica, a rima e a oração são organizadas – embora os primeiros cordelistas ainda não tivessem muito compromisso com a formalização de suas composições. Hoje as estrofes mais populares são a sextilha, seis versos de sete sílabas, e a setilha, com sete versos de sete sílabas. E tudo muito bem calculado para chegar à rima perfeita. Já os temas, sempre populares, podem surgir do ambiente rural – quando abarcam o religioso, incluindo narrativas históricas, lendas e fábulas tradicionais – ou urbanos, narrando acontecimentos do cotidiano, trágicos ou cômicos. Apesar da organização em versos, não é o estilo poético que se encontra num cordel. O objetivo é sempre contar uma história com começo, meio e fim. “É uma manifestação cultural narrativa e não poética”, explica Gonçalo. “Porque num cordel se encontra a narração de muitas histórias e também dos fatos que estão no noticiário.” Ele esclarece também que, quando se trata de cordel, a sonoridade é mais importante que a própria gramática, daí as inúmeras licenças poéticas. “A gente falta com o respeito às regras gramaticais em nome da métrica”, afirma o cordelista.
Cordel hi-tech
Depois de cumprir – ou descumprir – todas as regras que o cordel exige, o músico e pesquisador Alex Lima incrementou essa milenar forma de contar histórias e deu movimento a ela, criando uma versão hi-tech do gênero. Isso mesmo, o cordel de Alex é feito no computador e veiculado pela internet. “O essencial é manter as regras de construção”, explica o músico que durante o mês de junho ministrou uma oficina da modalidade criada por ele no Sesc Santo André. “O computador é uma poderosa ferramenta, assim como a internet é uma potente divulgadora dessa informação. Mas isso nunca substituirá o poeta criador.” A nova versão não somente é animada como também pode vir acompanhada de som – música ou a voz do declamador. O programa usado na oficina possibilita ainda que a xilogravura, técnica de fazer gravuras em relevo sobre madeira passando depois para o papel – e forma mais comum de ilustrar os cordéis –, seja copiada para o computador. A única tradição perdida é a de pendurar o livreto por uma corda nas bancas e mercados das cidades. Para essa nova forma de literatura popular, é melhor checar a caixa de e-mail.
Versos do sertão - Curta-metragem sobre vida e obra de Patativa do Assaré na internet
No Brasil, o cordel tornou-se muito popular principalmente no interior do Nordeste. Os redutos mais famosos são Campina Grande, na Paraíba, Caruaru, em Pernambuco, e também em Fortaleza, no Ceará. Foi em Assaré, cidadezinha do Vale do Cariri cearense, que nasceu em 1909 Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, que ficou conhecido como um dos maiores poetas brasileiros do século 20. “Ele cantou a alma do povo nordestino como ninguém”, afirma o cordelista Gonçalo da Silva, da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. A produção de Patativa, segundo Gonçalo, é caracterizada por uma técnica refinada e a linguagem matuta. Tornou-se conhecido do grande público a partir da década de 60, quando Luiz Gonzaga gravou a música Triste Partida, com letra escrita por ele. O cordelista de Assaré foi homenageado em junho no Sesc Santo André também em versão hi-tech. Foi nos monitores dos computadores da sala de Internet Livre da unidade que o público pôde conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra desse poeta. Os computadores exibiram o curta Patativa, de 2001, dirigido por Ítalo Maia. O filme, quase todo construído com delicados objetos de massinha e traços de desenho animado, mostra o lirismo do poeta que, apesar de ter freqüentado a escola somente por seis meses, conseguiu observar as mazelas de sua terra e embebeu sua poesia com a afiada compreensão crítica do mundo. A produção retrata aspectos da vida e da obra do poeta sertanejo, que perdeu a vista direita ainda na infância e durante toda a sua existência trabalhou no campo. Também faz uma releitura bem-humorada de um dos maiores sucessos de Patativa, o poema Vaca Estrela, Boi Fubá, e ainda mistura trechos de declamações de outros poemas. Para assistir ao curta, acesse www.portacurtas.com.br.