Postado em
Cinema
O poder da síntese
Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo completa 15 anos e se consolida como a maior vitrine do formato no País
Na década de 80, a produtora Zita Carvalhosa trabalhava no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, no Departamento de Cinema. Foi ali que começou a sentir falta de público para curtas-metragens. Essa constatação estava atrelada a outra: a falta de salas de exibição, muito embora a década tenha sido extremamente efervescente para a produção do formato, segundo a produtora. “Essa sempre foi a maior frustração do curta-metragista”, diz ela, hoje diretora do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, evento que neste ano chegou à 15ª edição e, de 26 agosto a 5 de setembro, exibiu sua programação em 13 salas da cidade, dentre as quais o CineSesc, o Sesc Itaquera e o Sesc Vila Mariana. “Queríamos criar um espaço forte para mostrar o festival.” A primeira experiência de um grande evento dedicado exclusivamente aos curtas foi a mostra retrospectiva chamada 80 Curtas dos Anos 80, com os melhores da década. “Em 1986, ocorreu um fenômeno”, relembra Francisco César Filho, programador adjunto do festival desde sua primeira edição. “Naquele ano, a produção de curtas foi tão boa que na competição de Gramado houve um empate triplo entre os vencedores, pois o júri foi unânime em admitir que eles eram tão bons que seria injusto premiar um só”, conta ele.
No ano seguinte, o Conselho Nacional de Cinema (Concine) baixou uma portaria obrigando os cinemas a exibir curtas, o que gerou polêmica. Na época, o jornal Folha de S.Paulo chegou a fazer uma pesquisa com o público para saber o que as pessoas achavam da exibição de curtas antes dos longas. “Todo mundo achava que o público seria contra, mas o resultado surpreendeu”, diz César Filho. “Nada menos que 72% do público respondeu que gostaria de assistir aos curtas.” Em 1989, a premiação do curta brasileiro Ilha das Flores, do cineasta Jorge Furtado, no Festival de Cinema de Berlim – ocasião em que recebeu o Urso de Prata – fez soprar novos ventos no cenário da produção nacional. “Muita gente lá fora se surpreendeu ao saber que existia um realizador da qualidade de Jorge Furtado no Brasil”, afirma Zita. Essa visão da excelência e da criatividade dos filmes brasileiros é compartilhada por César Filho. “O curta brasileiro tem um frescor, uma energia difícil de encontrar em outro lugar. Aqui muitas regras são quebradas, não ficamos somente na narrativa 'começo, meio e fim’.”
Via de mão dupla
Em 1990, mal havia assumido o governo, o presidente Fernando Collor de Mello fechou a Embrafilme, órgão federal que tratava de viabilizar a produção e a distribuição de boa parte dos filmes. “Foi o peteleco que faltava para a cinematografia brasileira praticamente sumir das telas. Parecia o fim”, declara o crítico Inácio Araújo, do jornal Folha de S.Paulo. Curiosamente, no entanto, foi nesse clima de velório para a sétima arte no Brasil que nasceu o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo. A mostra acabou incentivando a continuidade do cinema nacional ao reforçar a produção de um formato mais barato. A segunda edição mostrou toda a força desse tipo de narrativa ao realizar uma retrospectiva dos principais curtas brasileiros produzidos na década anterior, entre eles A Garota das Telas (1988), de Cao Hamburger, A Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal (1986), de Carla Camuratti, Dovè Meneghetti? (1989), de Beto Brant, Mato Eles? (1983), de Sérgio Bianchi, além do já citado Ilha das Flores, de Jorge Furtado, e Meow (1981), de Marcos Magalhães. Entre os inéditos daquele ano estava Viver a Vida (1991), de Tata Amaral. Mas foi a partir do terceiro ano que os organizadores sentiram realmente o alcance do festival. “Até então éramos muito voltados para quem faz cinema”, relembra Zita Carvalhosa.
Novidades daqui para a frente
Mais de uma década depois, o festival ganhou novo fôlego ao incorporar debates com realizadores em todas as sessões exibidas. Além disso, em 2004, o evento integrou-se ao ano de celebrações dos 450 anos da cidade de São Paulo e dedicou uma parte de sua programação à data, por meio do painel Foco: Megacidades, um ciclo que retratou peculiaridades da rotina de megalópoles como Nova York, Tóquio, Cidade do México, Bombaim, Seul, Jacarta, Cingapura, Los Angeles e, claro, São Paulo. Além dessa programação paralela, o 15º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo trouxe também as tradicionais seções que compõem a Mostra Internacional, destacando a mais recente safra mundial. Já o Cinema em Curso exibiu realizações de alunos de cursos regulares de cinema e o Mix Brasil reuniu curtas temáticos de todo o mundo sobre a diversidade sexual. Neste ano também uma nova seção passou a fazer parte do evento: Curta o Formato Brasil. Nela, foi possível ver trabalhos nacionais recentes que se destacaram pelo resultado obtido na exploração das potencialidades do formato, independentemente do suporte final – se película, neste caso em 35 mm ou 16 mm, ou vídeo. Somadas todas as programações, foram exibidos 157 filmes nacionais recentes, número que garante ao festival paulista a posição de maior vitrine anual dedicada ao filme curto no País.
Incentivo à produção - Festival de vídeo do Sesc São Carlos reúne trabalhos vindos de todo o Brasil, com direito a premiação especial para audiovisual produzido na região
O Festival de Vídeo de São Carlos começou em 2002, com 260 inscrições e 40 trabalhos selecionados. O objetivo foi incentivar a produção audiovisual brasileira, compromisso que volta agora com a segunda edição do evento, a ser realizada de 15 de outubro a 27 de novembro, e que vai premiar quatro categorias: Videodocumentário, com 30 minutos de duração; Videoficção e Videoanimação, ambos com 20 minutos; e Videoclipe, com 5 minutos de duração. Os trabalhos selecionados para exibição – ao todo 20, cinco por categoria – integrarão o acervo da videoteca do Sesc. “A influência do prêmio é o estímulo para fazer mais. Depois de Raízes do Fole produzi ou dirigi 13 documentários sobre cultura popular”, conta Rafael Coelho, diretor do documentário Raízes do Fole, premiado em 2002. Além da premiação nacional, também receberão prêmio os inscritos da região de São Carlos, Piracicaba, Araraquara, Araras, Americana, Limeira, Rio Claro e Santa Bárbara D’Oeste. O destaque visa incentivar a produção audiovisual local, além de fomentar o que a organização do evento chama de corredor intermunicipal de cultura. Público certamente não faltará, devido à forte concentração de universitários na cidade, estudantes da Faculdade Federal de São Carlos (UFSCar) e do campus da USP. As inscrições vão até o dia 10 de outubro e os vencedores em cada categoria, escolhidos por um júri popular, serão conhecidos na última noite de festival.
Usina de idéias - Cineastas e produtores explicam por que o curta-metragem não deve ser visto apenas como um ensaio
Quando ocorre a inevitável comparação com os “primos” longas, o curta-metragem, devido a sua pequena extensão, é muitas vezes equivocadamente associado à falta de experiência – ou mesmo de competência – de seus realizadores. Trata-se de uma forma de pensar que um filme curto tem menos valor que um longa. E pior: que o primeiro serviria de “escola” para o segundo. Por vezes a lógica é essa, mas em muitos casos, não. Os primeiros a rebater essa idéia são os próprios realizadores do festival. Segundo Zita Carvalhosa, tomar o formato menor como uma ponte para o longa revela uma visão reducionista. “O curta não é só isso. É verdade que ele permite testar as possibilidades, errar e acertar. Isso ajuda a se chegar ao longa mais bem capacitado, mas o caminho inverso também é verdadeiro. Muitos diretores experientes costumam “voltar” ao curta. Glauber Rocha, por exemplo, fez o curta Di Cavalcanti [em 1977, que mostra o velório do pintor brasileiro] depois de consagrado. E Carlos Reichenbach [cujo recente longa, Garotas do ABC, encontra-se em cartaz] há pouco realizou Equilíbrio e Graça.” César Filho cita um caso curioso em que o pequeno formato levou ao grande. Foi como procedeu o cineasta Fernando Meirelles, que fez Palace II, curta de 2001, como estratégia para a produção de Cidade de Deus (2002). Mas o que poderia indicar Palace II como uma mesa de projetos, revela um dos méritos do formato menor: um laboratório para experiências menos convencionais. “Não é à toa que se trata de uma salada de formatos, luzes e enquadramentos”, conta César Filho. “Ele [Fernando Meirelles] testou tudo no curta e partiu para o longa com uma série de certezas. O Fernando já era um diretor experiente nessa época, já havia feito outros longas, mas no curta ele ousou fazer coisas que não havia feito antes.”
O cineasta Kiko Goifman, que recentemente lançou o longa 33 (2003) e que participou do festival com o curta Território Vermelho, também se levanta em defesa do curta: “Acredito realmente que a visão do curta-metragem como um simples cartão de visita para um futuro longa-metragem seja um equívoco. Acho, até mesmo, que essa percepção está próxima de seu fim. Uma carreira no audiovisual – entendido em um sentido mais amplo –, principalmente no Brasil, não pode ser pensada de forma linear”, ressalta. “Eu mesmo já fiz longa-metragem, média-metragem, curtas, vídeos, instalações e sites. Acredito realmente na possibilidade de uma idéia se adequar a um curta, enquanto outra funciona em um site e uma terceira em um longa. O curta para mim é uma questão de duração particular e não um trabalho feito por alguém que não conseguiu fazer um longa”, conclui.
O escritor e roteirista José Roberto Torero, que tem alguns curtas em seu currículo, como Morte (2002) e O Bolo (1995) – e acaba de dirigir o longa Como Fazer um Filme de Amor –, conclui a defesa: “Além de ser uma boa graduação, o curta pode ser também o mestrado e até o doutorado”.