Em ano de Jogos Olímpicos a expectativa é grande. Além das já garantidas torcidas para o vôlei masculino e feminino e para o vôlei de praia, o Brasil vai ficar de olho na ginástica de Daiane dos Santos e no atletismo de Jadel Gregório. E, já que o assunto é esporte, a seção Encontros desta edição traz um especialista: o comentarista esportivo José Trajano, que conversou com o conselho editorial da Revista E sobre as chances do Brasil em Atenas. Na ocasião, ainda, Trajano falou da qualidade da imprensa esportiva brasileira e da crescente participação das mulheres no futebol. A seguir os destaques do encontro.
O Brasil e os Jogos Olímpicos “Os dirigentes do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) gostam muito de festa. Promover e trazer os Jogos Olímpicos para o Brasil tornou-se uma atividade permanente, muita gente está começando a ganhar dinheiro com isso. O COB estruturou um grupo de empresas - incluindo agências de viagens, assessorias de imprensa, produtoras de vídeo etc. - que se mobilizam toda vez que é anunciado que o Brasil está na disputa para sediar uma Olimpíada. Gasta-se dinheiro com isso, e esse pessoal se beneficia. Quando o Brasil perdeu a disputa para ser sede em 2012, o Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, disse que já se pensava em 2016. Ou seja, alimentavam-se esperanças, o que deve beneficiar muito algumas pessoas. Além disso, as empresas envolvidas nessa expectativa também têm culpa, por se aproveitar do atleta no momento em que ele ganha destaque para depois o descartar. Como times de vôlei que passam a ter nome de empresas, mas tudo no máximo por um ano, porque depois elas mudam de objetivo e abandonam o time. Neste ano temos a Daiane. Explora-se o fenômeno até a última gota e se ela não ganhar a medalha haverá, certamente, quem diga algo como ‘sabia que iria decepcionar’. As nossas chances de medalha são a Daiane, os times masculino e feminino de vôlei, o vôlei de praia e o atletismo, com o Jadel Gregório, um menino de 19 anos que tem a segunda marca do mundo. Mas acho importante não haver expectativa de medalha, e sim de bom desempenho. Às vezes é melhor ter bons rendimentos, conseguir superar marcas e ganhar de adversários dos quais jamais ganhamos. A medalha não vai dizer se o esporte do Brasil melhorou ou piorou, é um feito isolado e individual, como sempre foi. O Adhemar Ferreira da Silva e o João do Pulo [um dos maiores ídolos do atletismo brasileiro, que deteve, de 1975 a 1985, o recorde mundial em salto triplo: 17, 44 metros] ganhavam medalhas, mas isso não significou a criação de uma política voltada para o atletismo. Ou seja, como se explica o Jadel Gregório ser o quarto triplista [atleta especializado em salto triplo] do Brasil e possível medalha? Existe uma política ou treinamento específico ou ainda verba? Não. Porém, há outras razões, como o físico, por exemplo. É importante salientar que não há nada que ligue o Jadel ao João do Pulo. Ainda dependemos do esforço isolado de alguns treinadores, de atletas e até de alguns dirigentes. Esperar um feito retumbante é complicado. Na verdade, impossível.”
Salários no futebol “As quantias no futebol são irreais. No Brasil e no exterior. O Deco saiu daqui quando não era ninguém, nacionalizou-se português e agora vai jogar na Inglaterra com o passe vendido por 35 milhões de dólares. O salário do Wanderley Luxemburgo é de 300 mil reais por mês. Como pode? Um clube não fatura para isso. Do mesmo jeito que os clubes brasileiros estão falidos, os europeus enfrentam dificuldades, com exceção de um ou outro. Ninguém sabe de onde vem tanto dinheiro, mas sabe-se que os empresários ficam com boa parte. É certo que a lei do passe acabou, mas agora os jogadores dão o passe para os empresários. Ou seja, os jogadores ganharam e perderam sua independência. O empresário do Wagner Love está ganhando 40% sem fazer nada, só porque o garoto assinou um contrato e deu uma representação para ele. O verdadeiro futebol, para mim - aquele sobre o qual gosto de falar e que eu e a equipe procuramos colocar no canal -, é algo mais romântico.”
Imprensa esportiva “Existe uma renovação nos cadernos de esportes, mas as coisas não caminharam muito, já se fez melhor. Eu até escrevo uma coluna para o jornal Lance!. Tablóide, colorido, atinge os jovens, tenta ser muito informativo, mas não se trata de um jornal de esportes que seja, digamos, tudo o que eu imaginava. O caderno de esportes do Jornal da Tarde, às segundas-feiras, também é bom. Um ano antes do JT, começaram a fazer um jornal chamado Edição de Esportes. Foi um teste, mas depois criaram o Jornal da Tarde e o Edição de Esportes acabou virando uma publicação diária. Era brilhante naquela época, com matérias de destaque. O grande problema da imprensa esportiva - da imprensa escrita em geral - é que as pessoas ‘viajam’ e investem muito pouco, muitas matérias são feitas pelo telefone ou vêm de agências de notícias. Eu gosto muito de O Globo, ainda é um jornal que faz séries, manda os repórteres viajarem, dá tempo para que eles trabalhem. A Folha de S.Paulo faz matérias boas, às vezes, só que mais na área da denúncia. O Diário de São Paulo, quando era Diário Popular tinha um bom caderno de esportes. A Gazeta Esportiva acabou. No Rio de Janeiro há o Jornal dos Esportes, só que está sempre em dificuldades. Ou seja, em geral, a área não evoluiu muito.”
Doping “O problema do doping é que o ‘efeito’ dura pouco. O sujeito até ganha a medalha na Olimpíada, mas na próxima vez ou ele é pego ou não resiste - já houve mortes de grandes atletas norte-americanos. Existe a possibilidade de melhorar a performance mesmo sem usar nada - só que sem essa de virar super-homem. Uma vez nós entrevistamos um médico maluco que achava que tinham de dopar os atletas porque é o único jeito de igualar os níveis, e dizia que muitos atletas de ponta iam ao consultório dele. Fomos investigar e realmente tem muita gente. Ele já prepara um esquema em que, mesmo que a pessoa faça o exame antidoping, ela não é pega. Estão cada vez mais sofisticados os limites do homem. Por outro lado, existe uma sofisticação também nos aparelhos e nas formas de treinamento, que estão mais científicos. O talento não vai ser superado por nenhum computador, mas, também é verdade, fazer o atleta se preparar para quebrar uma marca, hoje, é mais fácil com o auxílio desses equipamentos.”
As mulheres no futebol “A mulher ganha cada vez mais espaço como árbitro ou comentarista. A Soninha, por exemplo, tem o espaço dela. O que me irrita é pegar aquelas mulheres bonitas para ficar lendo e-mails e fazer propaganda, aquilo é mulher-objeto. Qualquer redação em que você entre hoje tem um grande número de mulheres editando e produzindo. Estou até chateado porque a Soninha vai ser candidata a vereadora e vai ter de sair do ar para a campanha. Mas, de um modo geral, as mulheres são mal aproveitadas no jornalismo esportivo. O contrário do que acontece no campo da arbitragem. As mulheres estão apitando bem, elas ocupam todas as áreas, não têm mais aquele impedimento. Já do futebol feminino eu não gosto muito. Ao menos não do jeito que é. Deveria ter regras um pouco diferentes, bola mais leve, duração do jogo um pouco menor. Diferenças essas que existem no handebol e no vôlei, no qual a rede é mais baixa para o feminino. Igualar as regras e a estrutura à versão masculina torna o jogo um pouco chato. Mas, claro, há boas jogadoras. Não gosto também de mulher narrando futebol, acho falso, o tom de voz não combina. É questão de gosto, também não gosto de alguns homens narrando futebol. Encontrar um espaço como a Soninha encontrou é difícil, porque ela conhece mesmo.”
|