Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Saúde
Mulher

Orgasmo, câncer, menopausa, menstruação e outros termos comuns ao universo feminino deixaram de ser escutados apenas em conversas de toalete. Essas questões passaram a ser temas de palestras, debates e livros mostrando que a "coisa de mulher" há muito deixou o vocabulário corrente. No lugar, ficam evidências que precisam despertar nos profissionais da área médica, e nas próprias interessadas, uma consciência de que a mulher pode e deve se transformar em agente de sua própria saúde e bem-estar.

É com esse intuito que o Sesc promove há cinco anos o programa A Mulher e Sua Idade, um conjunto de painéis temáticos, desenvolvidos semestralmente, que abordam questões relativas à mulher na maturidade. A cada ano, a programação inclui novos temas de interesse da mulher, na busca da compreensão de questões da intimidade feminina. Este ano, a programação, que teve início no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e vai até maio, discute assuntos como menopausa e AIDS. Durante o evento haverá a orientação de médicos e psicólogos em debates e oficinas que visam esclarecer as dúvidas mais comuns.

A Dra. Wilza Villela, psiquiatra e assistente técnica da área de saúde da mulher, da Secretaria de Estado da Saúde, participou como orientadora do debate Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e AIDS. "Achei importante abrir a palestra a uma ampla discussão e tirar as dúvidas das mulheres em relação ao uso de preservativos", explica Dra. Wilza. Para a médica, a questão do uso da camisinha fica ainda mais delicada pelo fato das mulheres dependerem da vontade de seus parceiros. "O homem decide se usa ou não o preservativo, quase sempre é ele quem o coloca", aponta. Por esse motivo, uma discussão acerca desse tema na concepção da doutora, tem de estar mais focada em ensinar as mulheres a falar sobre o assunto com mais naturalidade. O debate apontou também que, entre as mulheres, as DSTs muitas vezes não apresentam sintomas e passam despercebidas pelos médicos e por elas próprias, o que aumenta a possibilidade de infecção pelo HIV.

Segundo dados divulgados pelo Boletim Epidemiológico de 1997, realizado pelo Programa DSTs e AIDS da Secretaria Estadual da Saúde, em 1983 para cada 24 homens infectados havia uma mulher com o vírus. Em 96, a diferença caiu: 3 homens para cada uma mulher infectada. Isso significa que para cada 38 incidências masculinas, mais de doze mulheres ficaram infectadas. Ou seja, enquanto a incidência de contaminação entre homens dobrou, no universo feminino aumentou 12 vezes.

A enorme contaminação está intimamente ligada aos meios de transmissão do vírus. A negociação com os parceiros sobre sexualidade e o uso de preservativos nas relações sexuais é difícil para todas as mulheres. "É por isso que é importante que a mulher tenha acesso a todas as informações e conheça o funcionamento do próprio corpo", finaliza Dra. Wilza.

Prevenção e Saúde

O autoconhecimento do corpo é a chave que abre a porta da prevenção e da saúde, tornando-se imprescindível no caso das mulheres. "A mulher é mais forte que o homem em todos os sentidos, emocional e biológico", analisa o ginecologista e obstetra Malcolm Montgomery. "Mas ela é criada para acreditar que não".

Dr. Malcolm lançou o polêmico livro Mulher: o Negro do Mundo, no qual pretende mostrar os principais fatores da opressão feminina. Com uma linguagem simples, o texto navega por questões e dúvidas das mulheres e é polêmico ao destruir mitos. O médico aponta aquilo que ele definiu como os dois grandes opressores da mulher nesse final de século: primeiro o homem, em relação ao poder econômico. "A mulher que não tem autonomia financeira ainda se submete ao homem", afirma. O segundo, a sociedade "que ainda coloca a mulher num terrorismo moral e estético muito grande."

Completando esse pensamento, o médico e deputado José Aristodemo Pinotti ressalta que o papel cada vez mais participativo da mulher na sociedade a torna sujeita a certas doenças que antes afetavam principalmente os homens por estarem relacionadas a atividades profissionais: "O aumento das doenças cardiovasculares junto à parcela feminina da população é um exemplo disso", analisa Dr. Pinotti.

Um Período de Mudanças

As conseqüências de todos esses fatores e do aumento das atividades femininas se evidenciam com a chegada da menopausa. Problemas que podem surgir nesse período como a osteoporose (desclassificação dos ossos que os tornam frágeis), a menstruação desregulada, que em alguns casos leva a graves hemorragias e o distanciamento da mulher de sua própria sexualidade, são discutidos à exaustão no meio médico na tentativa de encontrar soluções que amenizem esses efeitos. A Dra. Dagmar Ramos, que há anos estuda esse período da natureza feminina, defende a idéia de que a passagem inevitável da fase procriativa para a não-procriativa não representa o fim da sexualidade feminina, tampouco uma doença. "Não quer dizer que não seja uma fase onde as mulheres sentem muitas coisas", explica. A autora do livro Viva a Menopausa Naturalmente, lançado por ocasião do programa Mulher e Saúde, promovido pelo Sesc Ipiranga afirma que "esse recurso exige um acompanhamento médico, pois trata-se de um período quando o universo e o imaginário da mulher já não é tão voltado para a questão de ter filhos. É um outro momento de sua vida, uma outra mulher. Mas pode ser um momento tão feliz e tão saudável quanto outro qualquer ou até mais." Segundo a Dra. Dagmar existe, sem dúvida, uma série de cuidados com o corpo que permitem garantir uma Terceira Idade saudável. Ela afirma que mulheres a partir de 50 anos, geralmente no início da menopausa, devem evitar hábitos e alimentos que contribuam para uma maior debilidade do corpo. "Alimentos que contenham fósforo devem ser evitados, porque fósforo compete com cálcio e nos faz perder cálcio na urina; evitar a carne vermelha em excesso, que comprovadamente acelera o processo de desgaste ósseo, além de evitar o cigarro e a vida sedentária", aconselha.

Porém, há uma polêmica que começa a ser discutida com mais atenção no meio médico: o tratamento de reposição hormonal, principalmente do estrógeno e da progesterona. Esses hormônios deixam de ser produzidos durante a menopausa. A questão divide opiniões entre os profissionais.

Cautelosa, a Dra. Dagmar explica que existem outros meios de combater os sintomas decorrentes da não-produção desses hormônios e ao repô-los as conseqüências seriam complicadas, como, por exemplo, o aumento da probalidade de câncer de mama. "A reposição hormonal pode até ser um recurso que a mulher dispõe para amenizar ou se livrar dos sintomas da menopausa, só que isso tem de ser visto inserido em um contexto mais geral." Segundo a médica, existem estudos que mostram os riscos desse tratamento. Ela entende que seria preciso analisar qual a necessidade de se administrar a reposição dos hormônios, o tempo de duração do tratamento e a dosagem adequada em cada aplicação. "É necessário saber se essa mulher está preparada para recebê-lo. Se for uma mulher que hereditariamente tem uma predisposição para o câncer de mama, será que vale a pena você entrar com um tratamento desses, que comprovadamente aumenta a incidência dos casos de câncer de mama, só para combater uma simples onda de calor?", questiona.

Dr. Malcolm, por outro lado, não vê problemas na terapia de reposição hormonal e emprega o método com freqüência em suas pacientes. "Neste século, a mulher ganhou dois grandes presentes que a levaram a dar grandes passos na evolução social", explica o médico. "Primeiro foi a pílula anticoncepcional. As primeiras a serem lançadas trouxeram muitos problemas porque continham doses muito grandes de hormônio, mas as atuais só beneficiam a mulher, protegendo-a contra câncer de ovário, doenças do útero e endometriose (uma doença que causa infertilidade e dores). O outro grande passo foi a reposição hormonal, que propicia à mulher manter-se esteticamente bem e ainda melhora a motivação pessoal e a libido. Ninguém mais no mundo moderno pode ser contra isso", afirma. O médico diz que não há estudo científico que fundamente a associação do câncer de mama, ovário ou colo com tratamento de reposição hormonal.

Polêmicas à parte, os médicos são unânimes ao afirmar que a mulher tem estado mais alerta a questões que dizem respeito ao seu corpo e saúde. Como analisa Dr. Pinotti: "Ainda estamos no meio desse processo, mas a mulher já entende que a sua saúde não é menos importante do que a dos filhos e a do marido."