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Projetos ruins

Propostas governamentais de mudança desagradam a especialistas

O Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, reuniu-se no dia 13 de agosto de 2003 para analisar os aspectos políticos das reformas.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS – Vamos dar início à nossa reunião para novamente debater as reformas previdenciária e tributária. No primeiro caso, o projeto definitivo só será discutido quando o deputado Virgílio Guimarães concluir as consultas a prefeitos, governadores e deputados. No segundo, o que se nota no Congresso é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está muito preocupado, pois a pressão dos governadores é tão grande que poderia atrasar o processo, e com isso a União perderia receita. Por essa razão, ao falar em reforma fatiada e em não açodamento, o governo está deixando para o ano que vem a discussão dos temas. Pelo menos essa tem sido a tese dominante entre empresários e especialistas, que consideram o projeto do governo pior do que nenhum.

Num encontro entre empresários e governantes em Brasília, ficou a impressão de que o governo teme perder para os governadores no Congresso. Houve um acordo, mas as bancadas devem decidir com base no interesse dos estados, e cada um deles está procurando ampliar a própria receita. Quando o deputado Virgílio Guimarães diz que os estados, os municípios e a União têm o direito de pedir aumento de receita, porque vivemos numa democracia, mas que não pode ocorrer elevação da carga tributária, temos uma equação difícil de fechar. Se os contribuintes não devem pagar mais, o que vai ocorrer? Essa é uma situação absolutamente inviável.

O governo se preocupa com a possibilidade de que o projeto exija um tempo enorme de discussão até ser votado. Isso afetaria a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), fundamental para eles – se for aprovada depois de outubro, com os 90 dias para voltar a ser cobrada, haverá perda de três meses de receita. Daí a idéia de fatiar a reforma tributária ou esquecê-la, pois seria impossível ao governo priorizar suas teses, resistir aos governadores e ainda aprovar a CPMF e a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Para garantir a CPMF, a reforma tem de ser aprovada até 30 de setembro.

O deputado Mussa Demes está bastante preocupado com o viés de aumento de carga tributária contido no projeto governamental. Se for mantida a progressividade sobre o imposto de operações imobiliárias, heranças, doações e grandes fortunas, haverá elevação. Em uma reunião entre o ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e empresários, o que mais impressionou foi sua afirmação de que a herança tem de ser tributada progressivamente, pois ele não considera justo que os herdeiros fiquem com aquilo que seus pais produziram. Em sua opinião, essas heranças devem desaparecer em até cinco gerações. O ministro mencionou uma alíquota de 50%, o que significa que, quando Antonio Ermírio de Moraes morrer, sua família terá de dar metade do patrimônio ao governo. O mínimo que posso dizer é que isso é insensato.

Se prevalecer esse viés petista, estaremos num processo de desnacionalização. Na comissão da reforma tributária, os deputados Virgílio Guimarães (relator), José Mentor e Walter Feldman estão convencidos de que a progressividade será um atraso. O grande problema do governo, como diz Virgílio Guimarães, é que, se a não-progressividade for colocada, eles ficarão em má situação com o partido, o qual, como os senhores podem ver, não é tão unido. Com a reforma previdenciária foi a mesma coisa, a aprovação deveu-se aos inimigos, pois os amigos a teriam postergado.

O certo é que o Planalto teme avançar com a reforma tributária, pois ela poderá ter um efeito bumerangue, ou seja, voltar-se contra seus interesses. Além do mais, o governo depende da aprovação da CPMF e da DRU. Com a pressão de deputados e governadores, vamos ver qual será o projeto apresentado por Virgílio Guimarães. Na próxima semana, 500 empresários estarão no Congresso Nacional para entregar um manifesto em que denunciam o projeto do governo como sendo de exclusão social, pois, se aprovado, promoverá mais desemprego, desorganização da economia, invasões e desestruturação do sistema jurídico. Sou contra a progressividade tanto no imposto sobre grandes fortunas quanto sobre heranças e doações, porque haverá uma brutal desnacionalização das empresas brasileiras e fuga de capitais. Muita gente vai aplicar o dinheiro fora do país. Depois basta afirmar que o investimento foi desastroso e todo o patrimônio desapareceu.

EDUARDO JARDIM – Terá o efeito de afugentar o aporte de capitais, evidentemente. Ninguém vai querer investir aqui.

IVES GANDRA – Mas isso é óbvio. Quem é que vai querer investir num país que tem essa mentalidade? E mais do que isso, no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é melhor não mexer, porque o que os governadores estão querendo fazer é algo inaceitável. O deputado Virgílio Guimarães quer impor uma alíquota máxima de 25%, com eventual redução nas telecomunicações em alguns estados (hoje com mais de 25%). Serão cinco alíquotas, e cabe à legislação infraconstitucional defini-las. Haverá pressão para colocar quatro ou cinco produtos nas quatro alíquotas menores e tudo o mais na maior. E se a definição do regime de destino ou de origem for decidida em lei complementar, teremos um agravante, porque os estados importadores líquidos têm maioria no Congresso e podem tranqüilamente alterar o regime de origem para destino – em emenda constitucional eles precisam de 60% dos votos e na lei complementar, 50% mais um.
Estamos a caminho da desorganização exclusivamente porque os estados querem aumentar sua receita. No momento em que a União cedeu em relação à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre as operações realizadas com combustíveis, a gasolina terá – é o que se diz – um aumento de 0,54% para 0,86% de Cide por litro. Isso demonstra que o impacto dessa cessão será pago pelos contribuintes. Por isso, há hoje um grupo contra a reforma. Que se conceda a CPMF, que se conceda a DRU, mas que não se faça a reforma tributária. A única reforma de que o Brasil precisa é aquela que reduza as máquinas administrativas esclerosadas, pois o contribuinte não tem de pagar pela sua ineficiência. Apesar de ter conseguido aprovar a reforma da Previdência, o governo cometeu um erro. Ele poderia ter deixado de fora as carreiras de Estado, o que na prática não ofereceria muito problema. Mas, na minha opinião, a estratégia do Judiciário foi menos eficiente que a dos militares. Estes conseguiram um tratamento diferenciado sem alarde, sem ninguém criar problemas.

NEY PRADO – Sem tanques.

IVES GANDRA – Que, aliás, nem têm. Hoje, o exército não enche o Maracanã. Agora, todo o Poder Judiciário custa ao orçamento federal em torno de 1,5% do PIB. Apoiado nos artigos 92 a 126 da Constituição Federal, o governo poderia ter dado um tratamento adequado aos magistrados. A economia para 2004, com o funcionalismo público, será no máximo de R$ 2 bilhões, enquanto o déficit com ele neste ano é de R$ 52 bilhões. Parece que o governo demonstrou um certo amadorismo ao tratar do assunto, e a sociedade terá de pagar por isso.

FÁTIMA FERNANDES RODRIGUES DE SOUZA – Na semana passada, participei de uma reunião na Associação dos Advogados, na qual estavam também presentes José Mentor e Virgílio Guimarães. A idéia era ouvir os advogados que atuam na área tributária sobre a reforma. Os parlamentares sustentaram a tese de que o texto do projeto não contém nenhum elemento de elevação de impostos, mesmo com a progressividade contida em vários deles. Quando começarem a sair as leis ordinárias dos estados e municípios, vão dizer que são elas que estão propiciando a majoração. E o pior é que não houve debate. A meu ver, eles não queriam sugestão nenhuma, foram lá apenas para dizer que ouviram todos os setores, inclusive os tributaristas de São Paulo. Tive a sensação de que se tratava de um jogo de cena, pois eles não estavam interessados em debater e mostraram isso aos advogados, com a maior desfaçatez. Por outro lado, como todos os brasileiros, acho que a reforma da Previdência precisa ser feita, estruturando as carreiras de Estado, dando a elas um perfil estatutário, e deixando as demais na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É preciso acabar com os penduricalhos que se somam aos subsídios, acrescidos de qüinqüênios e verbas em comissão. Por aí realmente seria factível uma reforma.

MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES – Participei de um grupo de estudos da reforma tributária no Instituto dos Advogados em que analisamos diversas proposições. A grande discussão girou em torno da mudança que se pretende fazer no artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, desvinculando de qualquer órgão, no período de 2003 a 2007, 20% da arrecadação de impostos das contribuições sociais e agora também da Cide. O governo ficaria livre para utilizá-la da maneira que desejasse. Num estudo orçamentário, isso representa R$ 66,684 bilhões nas mãos do Executivo.

ANTONIO CARLOS RODRIGUES DO AMARAL – Nesta segunda-feira, um jornalista me ligou para que comentasse o encontro do ministro Antonio Palocci Filho com empresários, realizado no dia 7 de agosto. Nessa ocasião, ele teria dito que nos Estados Unidos uma fortuna passa por dez gerações e que no Brasil passa por 30. Pelos meus parcos conhecimentos antropológicos e sociológicos, uma geração teria 25 anos. Então 250 anos chega a meados do século 18, quando começa a se formar a sociedade rural norte-americana. Essa riqueza viria daí, contando dez gerações. Já as 30 gerações brasileiras ultrapassariam 750 anos. Então concluí que o ministro não teria dito isso ou seu cálculo de gerações é diferente. Na verdade, a fortuna das pessoas realmente ricas não corre risco, porque elas fazem planejamento sucessório. O ministro Palocci sabe que o tributo sobre grandes fortunas e herança é de pouco poder arrecadatório, apenas pressiona o cidadão comum, detentor de um pequeno patrimônio. E sabemos também que para melhorar o nosso sistema tributário não necessitamos mexer na Constituição. Isso é de uma evidência cristalina. Só precisamos fazer isso para aumentar a carga tributária, inserir progressividade, atribuir ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) a competência de trabalhar com nível de alíquotas, e assim por diante.

NEY PRADO – Minha abordagem é política, e não jurídica, por isso gostaria de analisar as três facetas do poder. Na primeira delas, os partidos políticos lutam para ascender ao poder. Na segunda, há que se exercê-lo. A terceira, teleológica, integra os objetivos de médio e longo prazo. Os integrantes do PT, que é um partido com mais de 20 anos de luta, estavam preocupados apenas em ascender ao poder e em exercê-lo ou possuem um objetivo bem definido? Nesse caso, estão tomando medidas coerentes. O que parece um desvio aqui e ali, capaz de ferir a ordem jurídica vigente, no fundo faz parte de uma estratégia muito bem elaborada. Esse jogo de cena, que já foi mencionado, é fundamental para dar a impressão de legitimidade no exercício do poder, atenuando medidas fundamentais, que venham a atingir a natureza do regime democrático e do sistema capitalista de economia de mercado. A questão é esta: eles têm um projeto de, no médio e no longo prazo, estabelecer um novo regime, principalmente econômico, em que o Estado precisa dos recursos tomados dos contribuintes? Se a idéia for essa, devemos adotar algum tipo de resistência para evitar o pior, ou seja, a confrontação.

IVES GANDRA – Antes de passar a palavra ao conselheiro Eduardo Jardim, quero dizer que não tenho a menor dúvida de que esse projeto ideológico está em andamento. Acredito que o presidente Lula, que foi escolhido pelo eleitorado brasileiro e não só pelo PT, gostaria de passar à história como um governante de grandes realizações. Mas os que estão com ele querem ser os implantadores de um regime marxista, socialista, no país.

EDUARDO JARDIM – Eu diria que, independentemente do aspecto jurídico ou material, qualquer governo em nosso país, no contexto de direita ou de esquerda, se ressente de um padrão ético. Basta recordar que o empréstimo compulsório do final da década de 1980 não foi devolvido, a CPMF – provisória – pode se tornar definitiva, e no campo da importação e da exportação algumas regras firmadas por lei do Congresso Nacional foram alteradas de inopino, comprometendo importadores já com câmbio fechado. Isso tudo revela a ausência de padrão ético. Concordo com o professor Antonio Carlos e também afirmo que nosso sistema tributário é de longe o mais bem elaborado do mundo contemporâneo. Ele instrumentaliza o Estado e protege o contribuinte como nenhuma outra carta constitucional. O governo, porém, seja de direita, de centro ou de esquerda, regional, federal ou estadual, não cumpre a Constituição. O Judiciário, por sua vez, revela, não raro, a inclinação por uma postura falaciosa, dizendo que cabe ao juiz ser vassalo da lei. O juiz é vassalo da Constituição e do sistema normativo, ele não pode desprender a lei da Constituição. O juiz, ao decidir, inova, sim. Mas, sendo escravo da lei, o Judiciário confunde seu próprio mister, o regime jurídico da função. Subalterno à lei é o Executivo, cuja função é cumpri-la. Cabe ao Judiciário no mesmo patamar que o Legislativo criar o direito novo, sendo subalterno apenas à Constituição. Mas como ele não cumpre a Constituição em virtude dessa falácia, ficamos todos desprotegidos enquanto destinatários de normas inconstitucionais no campo da tributação. Em relação ao ICMS, gostaria de sublinhar um equívoco a meu ver espantoso. O projeto de reforma pretendeu reproduzir um imposto europeu, próprio de Estado unitário, portanto incompatível com a federação. Daí essa bravata panfletária contra a guerra fiscal. E por que não? Ou é federação e tem guerra ou é Estado unitário e não tem. Esse ponto é incoerente e não está sendo debatido. É querer conciliar o inconciliável. Para finalizar, vamos refletir acerca da carga tributária em nosso país, de 37% do PIB, que a rigor é um dado macroeconômico correto. Só que o número verdadeiro é muito maior, porque concorre para o PIB quem não pode pagar, o inadimplente, o sonegador, a economia informal, etc. Na verdade, a tributação está perto de 50%, é só fazer a conta.

ELISABETH LIBERTUCI – Mas temos um sistema tributário nacional vigente hoje. Talvez mude sob a ótica ideológica, a vingar sua presunção de atingir fatos econômicos denotadores de riqueza. Será que ninguém percebe que no Brasil, estagnado do jeito que está, com a economia totalmente parada, se tributarem fatos denotadores de riqueza vai haver perda de arrecadação, com ou sem reforma? Na semana passada, os jornais noticiaram com destaque que o compulsório dos bancos ia cair para 48%. A conselheira Marilene falou sobre o artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que realmente me causa espécie. Ele veio na calada da noite e desloca das contribuições sociais 20% do produto arrecadado, para ser usado da maneira que o governo quiser. Esse artigo tem de sofrer alguma alteração.

IVES GANDRA – O primeiro projeto para desvinculação de receitas aconteceu em 1993 e foi feito por uma emenda constitucional do chamado Plano Social de Emergência. E agora há o artigo 76, chamado de DRU. Hoje o governo federal só se interessa por duas coisas: a prorrogação da CPMF e a aprovação da DRU.

FERNANDO PASSOS – Antes de Fernando Henrique assumir o poder, eu dizia ao doutor Ives: "O projeto de reforma tributária de Vossa Excelência é ótimo, mas nunca lhe darão ouvidos". A elevação da carga tributária veio num governo com o qual temos uma enorme identidade ideológica. Esse aumento brutal, na administração Fernando Henrique, para 37% do PIB tinha como objetivo a distribuição de riqueza. Mas nunca vimos um crescimento tão assustador da pobreza no país. A quem está servindo esse aumento da carga tributária? Parte da esquerda diz hoje que ele estaria sendo utilizado para pagamento do serviço da dívida. É preciso não elevar a carga tributária com esse propósito, mas, sim, para desenvolver o país de alguma forma.

IVES GANDRA – Quero fazer uma observação sobre essa questão. O serviço da dívida é grande porque o governo não sabe administrar. Por que se mantêm juros elevados? Porque tributamos circulação de dinheiro. Por que temos um spread tão alto? Porque não se acredita no país.

ANTÔNIO NICÁCIO – Acho que eles escolheram o pior momento para fazer a reforma tributária, os estados e os municípios estão falidos. Como é que vão manter uma carga tributária com todo mundo nessa situação? Costumo dizer que o brasileiro padece de dois vícios: a burrice e a sem-vergonhice. Às vezes a sem-vergonhice é melhor do que a burrice, que custa caro demais.

IVES GANDRA – Aliás, isso que o conselheiro Nicácio está dizendo me faz lembrar Affonso Celso Pastore. Ele tinha sido presidente do Banco Central e, quando deixou o cargo, ficou quatro meses sem dar palestras. Um dia fizemos juntos uma gravação de um programa de televisão no Rio de Janeiro. Fomos no mesmo avião conversando, e eu lhe disse: "Pastore, você não tem aparecido". Ele, então, explicou seus motivos: "Realmente, esta vai ser minha primeira aparição pública depois de quatro meses. Quando você vai para o governo, logo percebe que isso emburrece. Depois tem de passar por um processo de desintoxicação para voltar a falar inteligentemente".

AMÉRICO LACOMBE – Dizendo que a burrice é realmente um negócio sério, Rui Barbosa afirmava que, entre um juiz corrupto e um juiz burro, ele preferia o corrupto, que só erra quando lhe pagam, enquanto o burro erra sempre. Na verdade, estou preocupado com o governo, porque acho que o PT imagina que a eleição é por si só um fator de legitimação, quando é apenas um pressuposto para a assunção do cargo. Da mesma forma que um juiz não se legitima porque passou no concurso, pois isso só vai ocorrer no exercício do cargo. Além do mais, existe o instituto do impeachment, e o governo pode se deslegitimar. A eleição é um mero requisito para assumir o cargo, e o governo está se deslegitimando, como aconteceu também com o governo de Fernando Henrique. Não quero dizer com isso que este país não é sério. Qual é o país sério hoje no mundo? Um país que frauda as eleições e cuja Corte Suprema manda sustar a contagem de votos? Um país cujos auditores falsificam balanços de sociedades anônimas para elevar as ações na Bolsa pode ser considerado sério? Um país que utiliza documentos falsos para justificar uma guerra é sério? A meu ver, não.

IVES GANDRA – Estou lendo um livro, escrito pelo jornalista norte-americano Peter Scowen, O Livro Negro dos Estados Unidos. Depois de passar por aquele furor patriótico pós-queda das torres, o autor resolveu investigar. Uma das suas descobertas refere-se à destruição de um laboratório no Sudão, quando o caso Bill Clinton/Monica Lewinsky estava no auge e o presidente, ameaçado de sofrer impeachment. O governo inventou que esse laboratório fabricava armas químicas e o local foi bombardeado. A CIA nada encontrou. Na verdade, ali era produzido remédio antimalária, pois o país apresenta o maior índice da doença no mundo. Com sua destruição, morreu muito mais gente de malária naquele ano no Sudão. Isso só corrobora a tal seriedade norte-americana a que o conselheiro Lacombe faz menção.

AMÉRICO LACOMBE – Com relação à reforma tributária, digo que "não há perigo de melhorar". Todas as reformas feitas no Brasil mostram isso. Ora, realmente, nenhum governo procurou viver de acordo com a Constituição. Isso já vem desde a época de Getúlio Vargas, que rasgou todas, a não ser a de 1946 – ele não quis rasgá-la e acabou rasgado por ela. Mal foi votada a atual Constituição e já começaram a querer emendá-la. Também não vejo nenhum problema na guerra fiscal, já que toda federação do mundo a tem. O que é essa diferença de alíquotas nos Estados Unidos? Por que todo mundo sai de Nova York para fazer compras em Nova Jersey? Porque é mais barato, por um simples motivo: não há imposto. Isso é guerra fiscal e não vai acabar. Temo, sim, essa reforma tributária, que pode prejudicar direitos e garantias individuais, que são a melhor parte na nossa Constituição.

GASTÃO ALVES DE TOLEDO – Algumas coisas interessantes foram ditas aqui. Sobre a reforma tributária, não há nada a acrescentar. Aparentemente, ela não vai sair e, se sair, vamos pagar mais impostos. Analisando o que disse o professor Ney Prado, não vejo nenhuma possibilidade de o governo Lula implantar no Brasil uma outra ordem econômica. Hoje nenhum país do mundo globalizado comportaria um sistema com vezo socialista à cubana, com os naipes próprios do marxismo-leninismo. Em primeiro lugar, porque o pluralismo interno e nossa abertura política inviabilizam isso. Em segundo, porque o estamento internacional jamais aceitaria. O Brasil ficaria fora do contexto mundial, seria inviável do ponto de vista prático. O que não significa que o governo saiba disso.

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