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Artistas principiantes

Falar em produção cultural é, de certa forma, falar de cultura como um bem a ser comercializado. Inspiração e talento são as expressões mais comuns nesse universo, mas é preciso que os pés caminhem bem rentes ao solo na hora de divulgar um trabalho. A música, as artes plásticas e a literatura são três das mais conhecidas formas de manifestação artística e por trás delas estão centenas de nomes tentando chegar onde poucos conseguem: o reconhecimento do grande público.

Na música há uma competição cruel. Onde reina axé, samba e música sertaneja, qualquer outro estilo menos popular se vê ofuscado pela preferência da maioria que aponta para o lado das grandes emissoras de tevê. E mesmo entre os ritmos mais populares a disputa é feroz.

Com as artes plásticas, a concorrência é menor, mas existe. Salões de arte, considerados o primeiro grande passo a ser dado, chegam a receber mais de cem propostas a cada concurso. Por fim, a literatura enfrenta obstáculos ainda maiores em um país onde faltam leitores, o que torna mais árduo o ingresso de autores principiantes no mercado literário. Mesmo com todos esses fatores dificultando a ultrapassagem da barreira que divide o anonimato da divulgação, esses jovens artistas continuam batalhando para mostrar o seu trabalho, seja qual for o público, seja qual for o motivo.

Pintura Anônima

"Meu filho faz melhor que isso". Já ouviu essa frase? Provavelmente até já a pronunciou diante de uma "coisa" de forma e origem indefinidas e que, por acaso, estava exposta sob o cunho de arte. A linha que divide a genialidade da picaretagem nas artes plásticas é muito fina, e isso é mais um complicador para jovens artistas que querem abrir um espaço ao sol para expor seu trabalho.

Karen Harai decidiu colocar a arte a serviço da decoração, ignorou espaços de exposições como as galerias, mas teve de batalhar para convencer donos de loja a vender sua obra. "Mandei peças para várias lojas", conta Karen. "Foi aquela coisa: 'obrigado, mas não tem nada a ver', ou 'é legal, mas aqui não vendeu'. Hoje eu trabalho com uma loja que se identifica com o meu trabalho e eu vendo bem."

Em se tratando de arte convencional, aquela exibida em galerias e nas paredes e prateleiras das casas, o talento e a inspiração vêm acompanhados da persistência. Os postulantes a um lugar ao sol não têm muitas opções para expor as obras, pois as galerias preferem se comprometer com nomes de destaque. Por esse motivo, um caminho muito trilhado por jovens artistas, ou por nomes com uma certa experiência mas ainda não consagrados, é o de enviar trabalhos para salões de arte. A União Cultural Brasil-Estados Unidos, por exemplo, é uma instituição preocupada em abrir suas portas para novos talentos. "Nós criamos um processo de seleção há três anos. Anualmente, abrimos inscrições e convidamos artistas emergentes de arte contemporânea a nos enviar seus trabalhos", explica Wanda Magalhães, coordenadora cultural do salão. A concorrência é grande: de quase cem trabalhos recebidos, apenas oito são selecionados e expostos no salão da instituição ao longo do ano, mas a coordenadora faz questão de salientar que os não selecionados devem insistir. "O primeiro passo já foi dado", analisa.

Para Paula Caetano, curadora do Salão de Arte Contemporânea de Santo André, promovido pela prefeitura, "os salões são importantes na vida dos jovens artistas pois, se verificarmos a história dos principais salões do país, veremos que grandes nomes um dia passaram por eles, como Geraldo de Barros e Antônio Henrique do Amaral", define.

Na sua 26a edição, o salão recebe trabalhos de todo o país e os selecionados ficam expostos por dois meses na galeria do Departamento de Cultura. Os ganhadores recebem um prêmio aquisição, sistema pelo qual os artistas podem vender suas obras à comissão de seleção por um valor de até R$ 28 mil, e também um prêmio estímulo de R$ 2 mil. "É a chance de todos os interessados divulgarem seu trabalho de uma maneira ou de outra", explica Paula. "Todos os artistas participantes, selecionados ou não, têm a oportunidade de mostrar seu trabalho aos críticos, e essa é uma forma dos próprios artistas reverem seu trabalho a partir das opiniões de leigos ou especialistas."

A prefeitura de São Paulo também possui iniciativas para incentivar a divulgação de nomes emergentes. Camila Duprat Martins, diretora de divisão do Centro Cultural Vergueiro, explica que dentro do Programa de Selecionados, promovido pela prefeitura há seis anos, os critérios são muito rígidos, mas o retorno é satisfatório: "Nosso objetivo é abrir um espaço institucional para artistas emergentes. Os critérios de admissão analisados por nossos críticos convidados consistem na coerência entre os trabalhos que compõem as obras participantes e, é óbvio, algum viés da particularidade individual do artista. Embora nossos critérios sejam muito duros, nosso espaço é de grande visibilidade. Muitos críticos e marchands nos frequentam", garante Camila. Dos quase 500 trabalhos recebidos de todo o Brasil e, recentemente, de outros países como Canadá, EUA e Alemanha, cerca de 25 são selecionados.

Estes são divididos em grupos e cada um expõe suas obras individualmente, mas durante o mesmo período de outros artistas. "É o que nós chamamos de exposições individuais simultâneas", explica Camila. "Os artistas têm áreas bem grandes para expor seus trabalhos, mas outras pessoas do grupo estarão expondo em suas respectivas áreas e dentro do mesmo espaço." Além disso, a cada ano de exposição, dois artistas de renome são convidados para expor junto com os selecionados, o que confere maior prestígio às exposições.

Walter Wagner é um paraibano de 34 anos que também tentou os salões, mas encontrou resposta em outros caminhos. O artista mandou um projeto para a Galeria do Sesc Paulista, o que lhe trouxe muitos retornos, inclusive o tão desejado destaque na mídia. "Dos espaços alternativos que existem em São Paulo, a Galeria do Sesc é o melhor", analisa. "Eles dão catálogo e uma boa divulgação. Eu não conheço outro espaço aqui que faça isso". Celina Almeida Neves, coordenadora da Galeria do Sesc Paulista, explica que é essa justamente a filosofia de seu trabalho, incentivar, divulgar e valorizar a produção cultural de um modo geral, mas também realizar exposições visando promover o trabalho de jovens artistas. "Mas a arte deve ser encarada como uma profissão", ressalta Celina. "E não conta só a inspiração, mas também a transpiração", completa.

Produto Sonoro

A música talvez seja o universo em que novos nomes têm maiores chances de pular do anonimato para o reconhecimento de um dia para o outro. Isso não significa que "vencer" no mundo da música seja fácil. "O começo é muito difícil", conta Michel Drucker, músico e compositor há 11 anos. A dificuldade para Michel está relacionada à disponibilidade financeira, pois o músico não está interessado em simplesmente gravar uma fita demo (material demonstrativo de um trabalho musical) e sair de porta em porta tentando convencer um produtor ou empresário a apostar em seu trabalho. "Eu tenho um projeto", explica Michel. "Estou compondo e preciso de dinheiro para mandar uma coisa bem legal para as gravadoras, a apresentação conta muito." Essa informação, porém, é rebatida pelo assistente do departamento artístico da Waner, Leonardo Teixeira. Para ele, nada é melhor que uma boa e velha fita cassete bem gravada para divulgar um trabalho. "Às vezes as pessoas mandam umas tremendas caixas enormes que chamam a atenção, aí eu acabo ouvindo primeiro. Mais porque elas me atrapalham do que porque eu acho que vai ter algo bombástico lá dentro." Leonardo é o encarregado de ouvir o material que chega à gravadora, cerca de oito fitas demo recebidas por dia, e selecionar algumas, sempre de acordo com critérios muito bem estabelecidos pela empresa. "Eu não estou aqui para ouvir o que eu gosto. Isso eu faço em casa", enfatiza.

Na tentativa de chamar a atenção, Leonardo lembra que certa vez recebeu uma fita demo dentro de uma caixa que parecia uma bomba. "Bananas de dinamite com relógio e tudo", especifica. "Esse mesmo material foi enviado para a Sony, onde o pessoal evacuou o prédio e para a BMG, que acabou contratando o sujeito. Dá todo o tipo de gente", brinca.

As "bombas" ainda não começaram a explodir para a argentina Natalia Mallo, cantora e compositora que está no Brasil há três anos. "Eu estou começando agora a batalhar de porta em porta", conta Natalia. "Até há retorno. As poucas pessoas para as quais eu já mostrei meu trabalho estão me procurando, mas eu ainda não consegui o que eu quero." E o que ela deseja é o que a maioria dos artistas ainda não conhecidos pretendem: gravar um CD oficial. "Eu quero gravar um disco inteiro meu. Tenho um projeto estético para ele. Tenho até produtores que imagino para o meu disco, de repente até fazer a co-produção", sonha.

Natalia estava pelos corredores do Centro Experimental de Música do Sesc Consolação onde, com um curso de iniciação à produção em estúdio, procurava aumentar seus conhecimentos sobre todo o processo que envolve a gravação de um disco.

O curso, que aconteceu de 26 a 30 de janeiro, foi ministrado pelo baixista do conjunto de música instrumental Aquilo Del Nisso, André Magalhães. Um músico que também passou pela fase de bater de porta em porta, contou com a ajuda do Sesc para a divulgação de seu trabalho - "Eu acho que nós já tocamos em todas as unidades dos Sesc possíveis" - e agora se vê na posição de um profissional com algo a passar para músicos com as mais diferentes pretensões. "Eu me sinto muito contente em poder estar orientando as pessoas, porque eu senti muita falta disso quando comecei", recorda.

Além de cursos, o Centro Experimental de Música do Sesc Consolação promoveu, há três anos, um concurso que objetivava reunir novos nomes da música e dar-lhes a oportunidade de entrar em estúdio. O Som da Demo resultou em um CD duplo com os dez premiados da ocasião, uma tiragem de três mil cópias que ajudou alguns nomes a ingressar definitivamente na música. "Grupos como o Café Jam e o Corda Coral já gravaram outros trabalhos a partir de convites feitos depois do lançamento desse CD", orgulha-se Sérgio Pinto, coordenador do Centro.

Produção Literária

Curiosamente, os personagens envolvidos na história da produção literária são os mesmos das outras áreas, os nomes é que mudam: se na música o artista precisa passar pela peneira de um produtor para chegar a uma gravadora, nas artes plásticas há a figura do marchand montando guarda em frente à porta da galeria. Já no campo da palavra escrita, há o editor e os seus domínios: a editora.

Isso não quer dizer que a única possibilidade para os autores iniciantes tornarem-se conhecidos seja somente convencer um grande editor, mas para que o produto de um exercício literário venha ao conhecimento de um grande público, é necessário um esquema maciço de divulgação. Antes que um autor seja reconhecido pela simples pronúncia de seu nome é preciso que haja alguém que catapulte o novo nome ao estrelato, mesmo que isso no Brasil signifique os pequenos círculos intelectuais.

Karen Inoie é nome mais solicitado ao telefone no departamento editorial da Editora Companhia das Letras. Ela é a pessoa responsável por receber originais de livros enviados por principiantes de todo o país. "Nós recebemos de 10 a 15 originais por dia", conta Karen. "Eu tento deixar claro a linha editorial da editora para evitar que coisas como livros de auto-ajuda, biografias ou espiritualismo cheguem até nós, mas mesmo assim muitas pessoas mandam coisas sem ligar antes. Nesse caso, é necessário uma primeira análise para eliminar esse excedente."

Segundo Karen, os originais que passam por essa primeira peneira são lidos por uma comissão de leitura, incumbida de avaliar a qualidade do material. Porém Karen avisa: "É muito difícil que a editora publique algo de alguém não conhecido." E aconselha: "Talvez fosse interessante que essas pessoas procurassem alguma orientação, talvez de um professor, antes de mandar seu material para as editoras. Seria melhor até mesmo para que se sentissem mais seguras."

Orientação é justamente um dos objetivos de Elizabeth Ziane, professora de Literatura, que desenvolve um trabalho de oficina literária no Sesc Pompéia há quatro anos. O curso é voltado para a Terceira Idade, mas nasceu de um trabalho parecido, que ela já desenvolvia na biblioteca da unidade, aberto a todas as pessoas. A professora reconhece nos cursos introdutórios um caminho para quem deseja tomar um contato mais íntimo com a literatura. "Se estivermos falando de conhecimento, de tomar contato com obras e autores, um curso como esse pode ser um bom início. É claro que seguido de ensinamentos mais específicos."

Elizabeth analisa que pensar em produção literária é pensar em algo muito delicado.O professor de Literatura da USP, Carlos Felipe Moisés, explica o porquê: "O que existe hoje em dia são editoras especializadas em principiantes. Ocorre que lá, os autores bancam suas próprias edições e outros partem para a produção independente, mas ainda está muito difícil", explica. "A divulgação da produção cultural é muito precária, o que alguns editores fazem é apostar em grandes nomes, muitas vezes nem pela obra em si."

Por esse e por outros motivos, André Sant'Anna, filho do escritor Sérgio San'Anna, optou por bancar do próprio bolso a publicação de seu primeiro livro: "É uma poema em prosa chamado Amor que foi lançado no final do ano passado pela Editora Dubolso, especializada em edições independentes", explica. A editora é de propriedade de Sebastião Nunes, poeta mineiro, que há aproximadamente seis anos resolveu dar toda a assistência editorial e gráfica aos escritores iniciantes. André decidiu se dedicar mais à literatura em 91, quando voltou de uma viagem e encontrou sua antiga banda de música desfeita. "Era a época do plano Collor e todos os meus amigos foram fazer outra coisa para conseguir dinheiro", lembra-se. "E como eu já escrevia desde pequeno, resolvi encarar uma publicação." O autor distribui os próprios livros entre amigos e em pequenas livrarias e já se prepara para editar o próximo título, ainda dentro desse esquema alternativo.

A Arte da Sorte

"Eu fui um sortudo", é assim que o artista plástico Luiz Paulo Baravelli descreve seu ingresso no mundo das artes. "Eu fazia faculdade de arquitetura, conheci uns amigos e nós começamos a pensar em sermos artistas." O ano era 1968, Baravelli e os amigos montaram uma espécie de ateliê e aconteceu o que ele mesmo chamou de "fenômeno". "De repente, começaram a aparecer por lá uns marchands interessados em nossas obras. A partir daí montamos uma escola em nosso ateliê, a Escola Brasil, e isso ajudou a consolidar meu nome." Para os jovens artistas plásticos, Baravelli lembra tratar-se de uma "profissão maluca" - "você mesmo se diploma", diz ele. E aconselha: "Precisa ser bom, acreditar no trabalho e ter sorte". Porém, Baravelli retoma dizendo que está cada vez mais difícil dizer o que é bom ou ruim na arte contemporânea. "Eu mesmo tenho gentilmente recusado convites para participar da comissão crítica de salões de arte, porque em alguns deles eu sou obrigado a escolher entre uma pessoa cuspindo no chão, dizendo que é arte, e outra empilhando uma série de pneus", ironiza. "E eu confesso que não entendo isso." Para o artista, os salões podem realmente ser a porta de entrada para novos nomes, mas aconselha a esses jovens que não dêem tanta importância às opiniões de uma comissão julgadora: "Os grandes vendedores de quadros, já que a questão é mercadológica, sempre ignoraram esses esquemas. Você pode até ficar conhecido vencendo num salão, mas isso não determina se você vai continuar ou não", finaliza.

Os Anos 80

Sorte na indústria fonográfica significa estar fazendo o som certo na hora certa. Dinho Ouro Preto, músico que se tornou famoso por liderar a banda de rock Capital Inicial no início dos anos 80, analisa que os modismos de hoje no mundo da música, na verdade, estão tomando o controle que um dia foi das grandes gravadoras e, estas, hoje, vão atrás do que as tevês estão lançando: "Se uma grande gravadora percebe que uma banda tipo Raimundos está fazendo sucesso, eles começam a procurar uma banda que tenha um som similar ao punk nordestino dos caras", explica o músico. "Aí, se você estiver fazendo esse som no momento propício, você está feito", conclui. O músico conta que quando começou com uns amigos, ainda em Brasília, o momento era outro. "Não havia toda essa estrutura, uma indústria do rock, como há hoje. Por outro lado, nós não sabíamos os caminhos a seguir, não tinha um esquema.

Hoje o cara sabe o que fazer: tocar muito em bares para ensaiar a banda, gravar uma demo, mandar para uma gravadora e esperar", esquematiza. Dinho conta que, na verdade, não tinha ambições profissionais no início, mas a história começou a ficar mais séria quando uma antiga rádio do Rio de Janeiro, a Flumense FM, se propôs a tocar umas demos de bandas que estavam começando, associando isso a uma matéria publicada na extinta revista Pipoca Moderna sobre bandas emergentes de Brasília, o conjunto deslanchou. "Mas isso era em 82, não havia a pressão de todo esse movimento pagode-axé-sertanejo que anda monopolizando o mercado", relembra Dinho.

Novato Literário

Minas Gerais, 1969, um jovem escritor chamado Sérgio Sant'Anna bancava do próprio bolso, ou melhor, pedia dinheiro emprestado ao pai, para lançar uma coletânea de contos. Anos mais tarde, alguns desses mesmos contos apareceriam em uma coleção lançada por uma das maiores editoras do Brasil, a Companhia das Letras. Na época, esse lançamento independente associado a uma revista feita com amigos, a Estória, eram as únicas saídas que Sérgio encontrou para divulgar seu trabalho. "Naquela época tinha menos pessoas escrevendo", relembra Sérgio. "Minas tinha um burburinho literário intenso, suplementos em jornais etc. Eu consegui até uma recomendação do Rubem Fonseca naquele tempo", conta. A partir daí foi uma questão de esperar. Dois anos depois, Sérgio ganhou uma bolsa para a Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, onde teve a chance de conviver com escritores de mais experiência e, uma vez dentro do borbulhar da produção e do "dia-a-dia" literários, não parou mais. Sérgio celebra, acima de tudo, a sorte que teve no início de sua carreira de escritor e explica também que, na época, as chances eram maiores, havia instituições interessadas na imaginação fértil que povoava a mente dos autores principiantes. "A Ford tinha, na época, uma iniciativa de projetar novos nomes na literatura, foi através dela que eu consegui a bolsa para os Estados Unidos." Sant'Anna lamenta que hoje existam tantas pessoas escrevendo indiscriminadamente - "muitas delas sem se preocupar com a qualidade" e os merecedores de uma chance acabam mergulhados no anonimato.