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Entrevista
A dinâmica do mundo atual transforma antigas atividades em profissões regulamentadas. O mercado competitivo demanda formação sólida e específica para funções até há pouco tempo abertas a todas as tentativas. Nesta entrevista, Gabriel Mário Rodrigues, reitor da Universidade Anhembi Morumbi fala sobre o novo curso de Comunicação Cultural. O mercado de trabalho abre campo extenso para que o novo profissional se coloque. O perfil do comunicador cultural pode ser verificado há muito tempo entre os técnicos do Sesc e agora tem possibilidades de ser difundido em outros campos, da música ao esporte, das crianças até a Terceira Idade.
O que levou a universidade a desenvolver e ministrar um curso de Comunicação Cultural?
Tradicionalmente, a universidade sempre teve uma preocupação em oferecer cursos que outras instituições não ofereciam. Foi dentro dessa perspectiva que percebemos haver uma carência muito grande de cursos para as outras áreas, e o de Comunicação Cultural é um deles. Nós percebemos, também, que a cultura, principalmente numa megalópole como São Paulo, é uma das atividades que requer profissionais especializados para lidar com o produto cultural. E isso abrange todas as atividades e eventos ligados a museus, salões de exposições, Masp, tudo o que está ligado à realização da atividade cultural, como música, arte, teatro, folclore. Ou seja, há um campo imenso de atividades que acontecem espontaneamente, e que agora o sistema universitário está tratando de organizar.
Qual a demanda desses profissionais no mercado?
O grande nicho de mercado está na iniciativa privada, para o empreendedor que transforma manifestações culturais em produto mercadológico, contribuindo para o crescimento cultural e social. Outro segmento muito importante são as parcerias com empresas privadas, que promovem eventos como forma de marketing sociocultural ou promoção e merchandising. Será uma maneira de organizar e analisar essas atividades, sob todos os pontos de vista, para torná-las importantes para a cultura e a informação de todos que vivem numa cidade como São Paulo, por exemplo. Além disso, esse tipo de profissional pode encontrar campo em agências de publicidade, empresas de comunicação empresarial e institucional, e haverá também aqueles que terão base para constituir uma empresa própria. Há uma demanda muito grande de órgãos públicos como a Secretaria da Cultura. Por exemplo, o secretário Marcos Mendonça está realizando uma série de eventos executados por profissionais de outras áreas: organizações de eventos, idéias etc. Nós, em conjunto com a Secretaria, estamos com um projeto para criar um museu da imigração. O ponto crucial, no entanto, é transformar uma antiga hospedaria em um museu e mais tudo aquilo que fez parte da nossa formação cultural, do nosso próprio processo civilizatório, como fazer de tudo isso, que foi uma atividade espontânea, uma presença na cidade de São Paulo. Não é só o aspecto físico de aproveitamento do espaço, em que entram os arquitetos e engenheiros. Mas como fazer daquela atividade alguma coisa que seja importante para a cultura e informação de todos os que vivem em São Paulo. Trata-se de uma atividade que precisa ser organizada, analisada sob todos os pontos de vista. Fazer esse museu do imigrante ser realmente visitado por toda a população de São Paulo. Para isso é necessário um profissional especializado, que conheça não só toda a nossa história, mas os meios de tornar essa atividade interessante de ser vista. Perceba uma coisa: São Paulo é uma cidade que tem poucas coisas para serem vistas. Nós temos teatro, alguns museus, mas, por exemplo, para as crianças? Não existe nada. A não ser esses entretenimentos que começam a acontecer agora, mas isso não é cultura. A parte cultural, como tudo aquilo que o homem realizou, precisa ser organizada para que ela seja um elemento de conquista cultural de toda a população.
Como o curso prepara o profissional?
O curso habilitará o profissional a possuir uma personalidade sagaz, estar atento às oportunidades de criação e estratégia, além de criar alternativas de trabalho. Em suma, deve ser um profissional que perceba a integração das mídias e faça uso delas, além, claro, de dominar idiomas e sistemas de informática. No campo das disciplinas ministradas no curso, colocaremos o aluno em contato com psicologia, história da arte, direito e economia. De maneira geral, é um profissional que precisa ter um conhecimento bem amplo de tudo, para depois entrar nas áreas de administração e marketing, especialmente do marketing cultural, que hoje no Brasil é colocado em segundo plano. Quando eu falo em marketing cultural, eu falo de todas as possibilidades de encontrar viabilidade para a divulgação de uma atividade dentro da cultura. O profissional formado por esse curso terá uma visão de arrecadação de recursos muito grande, ou seja, saberá todas as leis, as formas para viabilizar esses tipos de atividades culturais.
O comunicador cultural está inserido em um contexto novo que privilegia o setor de serviços. Como o senhor analisa o crescimento da denominada "indústria de serviços"?Cada vez mais se está entrando na área do entretenimento. Porque as pessoas trabalham a semana inteira, elas estão buscando atividades de relaxamento e lazer. E o lazer cultural é aquele que agrega, além da mudança de ambiente, conhecimento e informação. E principalmente em São Paulo, que é uma cidade que não possui belezas naturais, o indivíduo vai precisar ter, cada vez mais, uma série de atividades culturais.
Como deve atuar o comunicador cultural, considerando-se as disparidades de idade e condição social do público?
Ele será capaz de montar uma exposição em um museu, de fazer um espetáculo musical, e até de viabilizar uma grande manifestação folclórica. São Paulo não tem, por exemplo, atividades culturais de final de semana. A maior prova disso são os jovens enchendo os shoppings. E esses profissionais precisarão conhecer as necessidades das diversas faixas de público e organizar atividades.
A comunicação cultural não tinha uma regulamentação específica. Agora conta com um curso que desenvolve conceitos técnicos e científicos. Isso realmente faz diferença significativa?Nós partimos do seguinte princípio: quando é que existe lazer? Sempre nos fins, ou fim de semana, fim do mês, fim do trabalho (que seriam as férias), fim da vida (quando chega a aposentadoria). Posto isto, toma-se uma cidade como São Paulo: se você analisar, toda a parte ligada ao esporte significa ordem, ou seja, é uma atividade que demanda organização administrativa. O mesmo acontece com a cultura em todas as suas manifestações. Com isso será necessário alguém que conheça cultura, alguém que saiba aplicá-la a diversas faixas de idade, tanto de empreendimentos, quanto de atividades, ou de eventos que possam chamar a atenção da população. Por exemplo: quando a gente fala em um acontecimento cultural, ele é co-participativo, ou seja, a pessoa adquire alguma coisa. Quando você vai assistir a uma partida de futebol, você é apenas um espectador. Na arte e na cultura, você além de "ver o espetáculo", aprende. Então, há necessidade de uma formação humanística e cultural muito grande. E, além disso, uma administração de negócios. É preciso planejamento administrativo, planejamento na produção de um evento e também desenvolvimento temático. Voltando àquela questão de cultura para as crianças, na Cidade do México, um país diferente em virtude de possuir uma raiz histórica muito grande, todas essas culturas estão sintetizadas nos museus. Você vai a qualquer hora do dia, e em qualquer dia da semana, e vê crianças tomando nota daquilo tudo. Por quê? Porque faz parte do próprio conceito de cultura. Lá, eles são bastante nacionalistas, e as próprias escolas procuram mostrar qual a formação dessas crianças, elas desde muito cedo vêm de todo o país para conhecer os museus. Isso não existe aqui.
Dentro dessa questão, como o comunicador cultural saberá discernir o que oferecer a cada grupo específico de pessoas?
Haverá pesquisas em função da faixa de idade, do poder aquisitivo e da cultura. A cultura é um bem importante como educação a ser transmitida para todas as gerações. Por exemplo: os idosos irão, talvez, querer ver algo mais tranquilo. Num evento cultural ligado à criança, você precisará de elementos para o entretenimento infantil, fazendo com que a cultura em si, que esteja sendo apresentada, apareça em segundo plano. É o que a TV Cultura consegue fazer, por meio do divertimento ela procura ensinar e mostrar informação de boa qualidade.
Como o senhor disse, o comunicador cultural trabalha com o bem cultural. Mas de qual concepção do termo estamos falando especificamente?
A cultura aqui precisa ser a mais ampla possível e necessita estar ligada às nossas tradições. Não adianta falar sobre a cultura greco-romana, por exemplo, se nós estamos deixando de mostrar quem nós somos. Este será um questionamento do próprio curso e um aspecto muito importante. Por exemplo, São Paulo já trouxe Monet, isso é muito importante, mas eu penso que seria mais significativo mostrar Portinari do que qualquer outro artista estrangeiro.
O tempo livre das pessoas vem sendo gasto cada vez mais em casa, onde se tem amplas possibilidades de entretenimento. Assim, a casa se torna um lugar onde as pessoas despendem o tempo. E a comunicação cultural parece vir contrária a essa tendência, pois pretende tirar a pessoa de casa e colocá-la em contato com outros ambientes e situações. Como se trabalha esse contraponto?
Essa tendência, que nós percebemos muito mais na teoria, de que a pessoa fica em casa em virtude de toda essa facilidade proporcionada pelos instrumentos de comunicação, também se contrapõe à necessidade de ficar em casa por causa da violência, das dificuldades de transportes etc. Mas, evidentemente, mostrar o espetáculo ao vivo será um dos condicionantes para tentar tirar a pessoa de casa. É uma tendência ficar em casa, mas, cada vez mais, os jovens, principalmente, querem ir para a rua. E o comunicador cultural vai estabelecer diversos entretenimentos que possam, aliados à cultura, seduzir as pessoas para participar.
Qual o perfil da pessoa que procura o curso de Comunicação Cultural?
Nós esperamos lidar com pessoas que tenham uma certa tenacidade para alcançar objetivos, tenha desenvoltura e clareza na exposição de idéias. O curso exigirá uma preparação emocional para enfrentar pressões e críticas dos eventuais clientes e da própria opinião pública. Mas acima de tudo, pessoas que tenham a sensibilidade de perceber que estamos em um novo momento.
O comunicador cultural lida com fatores psicossociológicos que traçam o perfil de determinado povo. No Brasil há alguns exemplos deploráveis ligados à presença de público, como o desrespeito às medidas de segurança ou a ganância exagerada de empresários que tangenciam o papel do novo profissional. Ele estará preparado para dominar esses problemas graves e frequentes?
Sim. Toda essa parte de comportamento do público será abordada no curso, além do planejamento de eventos.
Como traçar um perfil do comunicador cultural?
Um profissional com muita base cultural e com uma sensibilidade muito grande para perceber quais são as necessidades culturais da população.
Antes de existir esse curso, muita gente propunha-se a fazer comunicação cultural. Alguns até com muito êxito, outros nem tanto. O Sesc, por exemplo, é uma instituição que costuma fazer um excelente trabalho com o público. Como o senhor analisa a comunicação cultural do Sesc?
Nós tivemos muito intercâmbio com o Sesc por causa do turismo, que está ligado à recreação, principalmente turismo dentro da cidade que é uma coisa que o Sesc faz muito. Houve um acompanhamento de nossa parte no aspecto científico de trazer profissionais do exterior para analisar os cursos que o Sesc dá, principalmente na área de recreação.
O senhor acha que esse curso de Comunicação Cultural pode preencher as lacunas deixadas pela educação provida pelo poder público? Explico, o comunicador cultural também faz as vezes de educador?
Sim, claro. As pessoas muitas vezes aprendem mais informalmente. Por exemplo, todas as fases que a criança vê muito mal nos livros pode ser reposta em um museu onde a criança poderá ligar entretenimento, recreação e cultura.