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Diagnóstico: pobreza
A maior causa das doenças e da mortalidade infantil é a desnutrição
Apesar do sucesso do controle de doenças como a paralisia infantil e o sarampo, que já não matam nem deixam seqüelas no Brasil, e da redução observada na mortalidade infantil, o país pouco avançou em dois dos principais problemas de saúde das crianças: o baixo peso ao nascer e o tétano neonatal. No caso do tétano, a imunização das mães, que é um dos objetivos do programa de vacinação de âmbito nacional do Ministério da Saúde, pode resolver a questão. Já no que se refere ao baixo peso a situação é muito mais complicada, pois depende basicamente da redução do nível de pobreza no país, uma vez que, no mais das vezes, é causado por deficiências de nutrição da mãe.A criança que nasce com baixo peso entra no mundo em franca desvantagem. O próprio Ministério da Saúde reconhece que ela corre um risco 11 vezes maior de morrer no primeiro ano de vida do que as demais. E nesse campo, a rigor, a batalha ainda está longe de ser ganha. Dados da última Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS), feita pelo ministério, indicam que a melhoria foi muito modesta. Tanto que, em 1989, 10% dos recém-nascidos tinham peso inferior a 2,5 quilos e em 1995 esse percentual só diminuiu para 9,2%. O quadro é mais grave nas zonas rurais, onde a parcela de nascidos com baixo peso alcançou 11,2%, ao passo que nas áreas urbanas ficou em 8,6%. No nordeste, a média foi de 9,4%, a mais alta do país.
Examinando-se a questão mais profundamente, observa-se que a saúde da criança está intimamente ligada ao nível de escolaridade da mãe e às condições sanitárias da sua habitação - dois fatores que, é claro, dependem em grande parte do nível de renda da família. É o que frisa o médico sanitarista Sérgio Francisco Piola, pesquisador da Diretoria de Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e representante do Ministério do Planejamento no Conselho Nacional de Saúde. Essas duas variáveis têm influência decisiva na questão do baixo peso do recém-nascido, que hoje também conta, entre suas causas, com as gestações cada vez mais precoces, diz ele.
No entender do especialista, a descentralização em curso na área da saúde tende a melhorar os indicadores da saúde em geral e da infantil em particular. Ele explica que os municípios estão começando a gerir essa área, adotando programas como o do médico da família. Nesse caso, a orientação sanitária e nutricional dada às mães para os cuidados pré-natais e, depois, em relação à criança de qualquer idade deverá permitir um recuo na mortalidade infantil e na incidência de doenças que podem ser prevenidas.
Esses programas, diz Piola, já começaram, mas por enquanto não se dispõe de dados para saber qual o nível de sucesso obtido. De qualquer forma, o que a PNDS apurou em sua pesquisa está animando o Ministério da Saúde. Já entre 1990 e 1995, antes da efetiva entrada em funcionamento desses programas, mostra a pesquisa, a mortalidade para menores de 1 ano de idade caiu em 20,1%, e em 23% para os da faixa de até 5 anos. Assim, o ministério acredita que conseguirá chegar ao ano 2000 com uma taxa de mortalidade de 23 por mil nascidos vivos - portanto, dentro do nível máximo estabelecido pela Cúpula Mundial em Favor da Infância, a metade da taxa registrada no início dos anos 90. Em 1995 o país ainda registrou 229 mil crianças mortas antes dos 5 anos de idade.
Saneamento
Também entre 1990 e 1995 diminuíram em 55,9% as mortes por diarréia, fator de mortalidade particularmente ligado às condições sanitárias do local onde vive a criança e à educação da mãe. Tal redução deu-se principalmente por conta da melhoria do saneamento básico e do abastecimento de água potável. Hoje, quase 85% dos domicílios brasileiros contam com água potável, e a metade, com saneamento. Esses percentuais, contudo, são a média nacional. Na zona rural, somente 65% das casas contam com água potável e 23,7% têm fossa séptica. A pesquisa igualmente mostrou redução, de 32,3%, nas mortes de crianças de menos de 1 ano de idade por infecções respiratórias agudas, grupo de doenças que ocupa o primeiro lugar entre as causas de internação infantil no Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas o fato é que os resultados de programas considerados eficientes, como o do médico da família, ainda estão por ser avaliados. E a informação, nesse campo, é considerada tão fundamental que uma parceria - por enquanto reunindo apenas a Pastoral da Criança da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Fundação Grupo Esquel Brasil e a Fundação Fé e Alegria do Brasil - criou a Rede Brasileira de Informação e Documentação sobre a Infância e Adolescência (Rebidia).
O objetivo da organização é abrir canais de acesso à informação e documentação, considerados ferramentas básicas para o planejamento, execução, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde infanto-juvenil, seja pelo governo, seja pelo setor privado. Com isso, o que se espera é uma maior eficiência na alocação dos recursos para a saúde em geral, já que mesmo com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) - por sinal um imposto transitório - o país ainda está longe de colocar dinheiro suficiente na saúde.
Comparações com os dados de alguns países comprovam o tamanho da diferença: segundo levantamento do Banco Mundial, no ano que vem os Estados Unidos vão gastar US$ 2.763 per capita com a saúde, e o Brasil, US$ 150. Observe-se que cerca de 120 milhões de brasileiros, ou cerca de 75% da população, dependem de atendimento público. Obviamente, não se sabe qual a parcela dos recursos do Ministério da Saúde que irá para as crianças.
Segundo Piola, são 144 os municípios brasileiros que já estão gerindo diretamente a saúde local, com recursos repassados pelo ministério. Existem 847 equipes de médicos, auxiliares e enfermeiros cuidando de 850 mil famílias, e pretende-se, até o ano que vem, chegar a multiplicar esse número por quatro, alcançando um total de 3,5 milhões de famílias. É um bom avanço, porém a futura cobertura não chega nem a 10% do total de famílias existentes no país (42 milhões), segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O ministério também quer aumentar de 44 mil para 100 mil o número de agentes comunitários de saúde - nesse caso, trata-se de pessoas da própria comunidade, treinadas para transmitir informações básicas sobre saúde -, o que ataca justamente o problema da criança que tem a saúde afetada pela baixa escolaridade da mãe e por falta de cuidados sanitários mínimos. A diarréia, uma das mais letais ocorrências na área de saúde infantil, teve sua incidência reduzida em 66% entre 1990 e 1995, em grande parte graças à atuação dos agentes comunitários e de organizações não-governamentais que educam as mães a respeito da reidratação. "Viajo muito visitando municípios e percebo que há uma melhoria na situação da saúde", diz Sérgio Piola, frisando, no entanto, que o sistema descentralizado por enquanto está sendo aplicado somente nos municípios de pequeno e médio porte. Para os grandes centros urbanos, onde, diga-se de passagem, a situação é caótica, ainda não se sabe qual será a solução. A certeza que se tem, de acordo com Piola, é que a saída para o caos terá de ser encontrada pelas próprias grandes cidades.
Conforme o especialista, a pedra de toque para a questão da saúde infantil é a medicina preventiva. Ele reconhece que o país avançou muito nesse terreno, daí o sucesso no controle do sarampo e da paralisia infantil, mas lembra que o foco ainda não se dirigiu de fato para a prevenção.
De qualquer forma, há avanços de caráter preventivo, inclusive no caso da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids). A principal via de transmissão de Aids na população infantil é perinatal: 89,9% dos casos verificados em crianças abaixo de 13 anos de idade decorrem da transmissão pela mãe, durante a gestação. O ministério determinou o uso de AZT oral para as grávidas infectadas a partir da 14a semana de gestação, AZT injetável no momento do parto e AZT oral para os recém-nascidos. Acredita-se que com isso as infecções de mãe para filho diminuam em 66%.
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