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Quadro negro
Ensino ruim, professores mal pagos: não é assim que se vence a pobreza
Os números relativos à educação básica no Brasil são reconhecidamente trágicos: as crianças levam de 12 a 13 anos, em média, para completar o primeiro grau, um período que é de oito anos. E muitas nem conseguem chegar até lá - tanto que 50 milhões de trabalhadores brasileiros não lograram obter o diploma desse mínimo de educação formal. Mesmo os que conseguem sofrem as conseqüências de um ensino de má qualidade. Em conseqüência, patinam todos nas áreas mais precárias e de pior remuneração do mercado de trabalho. Seus filhos, sem meios de fuga para as escolas particulares - que, aliás, não são garantia irrestrita de qualidade -, repetem o mesmo destino.Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos a 1995 informam que naquele ano havia 42,5 milhões de pessoas acima de 5 anos de idade estudando no Brasil, das quais 30 milhões no primeiro grau. A maior parte deste último contingente (18,3 milhões) cursava da primeira à quarta série. Cerca de 12,1 milhões freqüentavam da quinta à oitava. Dos 6,1 milhões de crianças brasileiras na faixa de 13 a 14 anos de idade, 1,8 milhão ainda não tinha alcançado a quinta série. Ou seja, cerca de 30% delas estavam completamente atrasadas em seus estudos. A realidade pode ser um pouco mais grave do que a expressa na PNAD, uma vez que essa pesquisa não é feita nas áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará.
Um estudo dos economistas Ricardo Paes de Barros e Rosane Mendonça, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a desigualdade educacional no Brasil é seis vezes superior à dos Estados Unidos. E esse é um dos principais componentes da matriz geradora de pobreza no país. Os cálculos dos dois economistas, no estudo, indicam que se as deficiências no sistema educacional brasileiro não fossem tão acentuadas, a desigualdade salarial igualmente seria muito menor. Cada ano de escolaridade adicional, conforme o trabalho, eleva o nível salarial em 15%, em média.
Repetência, evasão e baixa eficácia escolar (incluindo livros pedagógicos questionáveis), professores faltosos e desinteressados. Esses são alguns dos elementos do drama que se desenrola no cenário brasileiro, em conseqüência de décadas de ineficiência pública para travar a batalha da educação básica. Há, contudo, algumas esperanças no horizonte. Além das crescentes - embora ainda não numerosas - iniciativas da sociedade em prol da educação, no governo o problema parece estar começando a ser enfrentado.
A peça dramática ainda em cartaz vai ser substituída por outra, muito mais positiva, garante a educadora Regina de Assis, integrante da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação e professora assistente doutora do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Com a experiência de ex-secretária de Educação do município do Rio de Janeiro, na gestão de César Maia, quando comandou a maior rede de ensino municipal do país - são 1.033 escolas a cargo exclusivamente da cidade, com 700 mil alunos -, Regina diz que as propostas nacionais de mudanças na educação das crianças nunca foram tão profundas. E nem estiveram jamais tão perto de sair do terreno do simples projeto.
Ela acha que, finalmente, o governo está mirando o alvo certo, ao centrar o foco na questão da qualidade do ensino, atacando o problema em suas bases. As mudanças em curso, explica, refletem-se principalmente sobre os municípios, que são, como determina a Constituição de 1988, os responsáveis pela educação de primeiro grau.
Criou-se, por exemplo, o que se poderia considerar como um controle de qualidade, que é o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), ou o chamado provão para o primeiro grau - que, por sinal, tem muitos adversários. "Já que o governo está montando parâmetros curriculares nacionais, já que os professores vão ter de se atualizar e já que serão mais bem pagos, teremos de estar permanentemente avaliando-os", defende Regina de Assis. Em outras palavras, o ensino básico no país estará sempre sendo examinado à luz do que chegou até as crianças.
Causas múltiplas
Para a educadora, o quadro de mazelas que faz com que o país seja um dos mais atrasados no mundo no que se refere à educação tem um conjunto de causas bastante claro. O professor, destaca ela, chega à carreira mal preparado, tendo em mente uma criança ideal que não existe nem mesmo na escola particular, com um mau conteúdo a transmitir e um contracheque, no fim do mês, francamente insuficiente. Com o trabalho do professor sendo avaliado permanentemente, e valendo pontos que se traduzem em aumento de salário, em seu entender esse quadro será rompido.
Os provões, em estados e municípios, já estão ajudando a tornar o sistema mais dinâmico e fazendo-o reagir mais rapidamente aos problemas detectados, além de promover correções de rumo. O caso do estado de Minas Gerais - um dos que mais vêm avançando na melhoria da educação básica - é emblemático. O fraco desempenho das crianças em matemática e português, no provão de 1994, levou a Secretaria de Educação mineira a trabalhar para superar essa deficiência nos alunos, dando prioridade às duas matérias nas salas de aula. Deu certo - mas só em parte.
Houve uma evolução satisfatória em matemática. Português também melhorou, embora não tanto quanto se desejaria. Já em relação a história, geografia e ciências houve uma queda qualificada pela diretora de Avaliação de Ensino da secretaria, Maria Alba de Souza, como "muito preocupante". Ela reconhece que o baixo desempenho nessas três matérias decorreu da ênfase dada à matemática e ao português. Assim, está criando grupos de trabalho nas escolas para discutir e propor alterações que permitam melhoria de desempenho mais homogêneo.
A questão, resume Regina de Assis, é andar a passo com a realidade de professores e alunos. Isso, acredita ela, está claro também para o Ministério da Educação. Tanto que entre as mudanças em curso figura a definição de núcleos curriculares para orientar a prática dos professores. "Os parâmetros curriculares serão adaptados por cada escola e por cada professor", explica. O objetivo, diz ela, é que o aluno do interior do Amapá, caso se mude para São Paulo, chegue a esta cidade sabendo a mesma coisa que a criança que freqüenta uma escola paulista, mas com a diferença de ter aprendido os conteúdos conforme a realidade em que estava inserido. "A preservação do solo, por exemplo, tem de ser ensinada aos alunos de um condomínio de luxo de maneira diversa da ensinada aos alunos da favela da Rocinha, onde o lixo pode causar desabamentos que matam as pessoas", exemplifica.
Regina de Assis está muito animada também com o grande programa de colocação de computadores nas escolas. Ao todo, 6 mil estabelecimentos de ensino público receberão um total de 100 mil computadores, adquiridos por licitação, em um programa que começa em outubro e vai até março. Cerca de 25 mil professores serão treinados para usar as máquinas, e a escola que não deixar o equipamento à disposição dos alunos vai perdê-lo.
Como o provão, essa iniciativa também tem adversários, que acreditam que o dinheiro a ser usado no projeto - R$ 480 milhões - deveria ser utilizado em outras coisas, uma vez que o sistema é tão carente. Ocorre que o computador já se tornou um equipamento quase corriqueiro nas escolas particulares, e ter familiaridade com a informática é praticamente imprescindível no mercado de trabalho. Deixar de dotar as escolas públicas com essas máquinas seria aumentar ainda mais a desvantagem com a qual o estudante da rede pública chega ao mercado. "O computador é um direito e não um luxo", resume Regina de Assis.
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