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Era uma vez um país proibido de brincar

País começa a enfrentar questão do trabalho infantil, alvo de preocupações no mundo inteiro

O debate sobre a questão do trabalho infantil, no Brasil, começa sob dois pontos divergentes. O primeiro é o que delimita legalmente o que seja trabalho infantil. O segundo, decorrente do anterior, é saber quantas crianças brasileiras efetivamente trabalham e sob quais condições. Ninguém sabe exatamente quantas crianças trabalham no mundo, apesar de haver diversos institutos de pesquisa e estatística discutindo e analisando o tema.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 73 milhões de menores são levados ao trabalho precoce, isto é, entre 10 e 14 anos, o que significaria 13% de todas as crianças dos países pobres e ricos do mundo. Cinco por cento desses trabalhadores precoces seriam crianças brasileiras, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios indica que 3,5 milhões de crianças dessa idade estavam trabalhando em 1993, ano em que se concluiu o levantamento, divulgado em março de 1997. Esse número equivale ao de toda a população do Uruguai, um dos parceiros do país no Mercosul.

O pior é que o trabalho infantil é ilegal, pois só é admitido, no Brasil, aos 14 anos. É o que determina a Constituição em seu capítulo VII, artigo 227, que trata da responsabilidade social pela criança e pelo adolescente. O terceiro parágrafo fixa nos 14 anos a idade mínima para admissão ao trabalho, observando outras disposições, entre as quais garantia de acesso à educação e aos direitos previdenciários e trabalhistas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente diz em seu quinto capítulo ser proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz. Essa é a brecha que as empresas aproveitam, quando querem respeitar a lei: ao completar 12 anos a criança já pode ser aprendiz, e é contratada sob condições especiais (trabalho específico se sofrer de alguma deficiência, acesso a bolsa de aprendizagem, garantia de direitos trabalhistas, etc.). Consta que só 25% desses jovens têm carteira assinada, o que lhes garante pelo menos os benefícios previdenciários, reconhecidamente frágeis no caso brasileiro. A maioria, como se pode ver, não respeita nem a lei nem a ética. Em meados de junho, na assembléia da OIT em Genebra, o ministro do Trabalho brasileiro, Paulo Paiva, anunciou que o governo decidiu elevar para 15 anos a idade mínima para o aprendizado, seguindo recomendações da organização. Desde o ano passado, a OIT tem proposto a discussão de uma nova convenção sobre o trabalho infantil, para que as nações definam procedimentos em situações que envolvam risco e para eliminação das formas mais intoleráveis de exploração da criança.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), diz serem crianças todas as pessoas com menos de 18 anos e, por isso, com direito especial ao pleno desenvolvimento, à sobrevivência, à saúde, à educação, à expressão de seus pontos de vista, etc. O Brasil assinou essa convenção.

O problema da criança no país, que já é sério, assume, na verdade, uma dimensão muito maior, por refletir (eventualmente em overdose) o que ocorre em todo o mercado de trabalho: a informalidade - trabalho sem carteira assinada - não faz distinção de idade. Assim como não se sabe sequer, com exatidão, quantos adultos efetivamente trabalham no país, ignora-se quantas crianças já estão integradas à força de trabalho brasileira. Não há dúvidas, embora faltem estatísticas, sobre as más condições em que esse trabalho ocorre: salários, horários, férias, folgas, tudo depende da boa (ou má) vontade do empregador. Não há, até por lei, sindicato que abrigue o jovem trabalhador, principalmente o doméstico, uma nova espécie de escravo da própria família (para quem lava, passa, cozinha e, muitas vezes, mendiga) ou de quem o "emprega" como babá, lavador de piscina e de carro, ajudante de jardineiro, guarda e treinador de cães, etc. Por tudo isso, não se conhece o rosto do jovem trabalhador brasileiro.

Estatísticas oficiais (como o Mapa do Mercado de Trabalho no Brasil, do IBGE) dizem que 65% dos menores têm jornada maior que a legal e mais de 80% ganham menos que um salário mínimo.

Há alguns anos, o IBGE divulgou o estudo "O traço da desigualdade social no Brasil", segundo o qual no começo da década quase 8 milhões de crianças e adolescentes já trabalhavam (3,6 milhões trabalhavam e estudavam). Esse número, calculava então a OIT, representava uns 17% da força de trabalho nacional. Pelo IBGE, trabalhadores de 10 a 13 anos, ou seja, abaixo da idade legal, são 14% do total. No nordeste, o índice dobra.

Sem brincadeira

A criança que trabalha não tem tempo nem disposição para brincar. Quando vai à escola, não consegue acompanhar as aulas. Por conseqüência do trabalho, está mais exposta que outras a problemas de saúde, além de correr riscos ao executar tarefas muitas vezes pesadas, acima de suas forças e aptidão, em jornadas prolongadas e sem dispor de equipamentos de proteção ou mesmo treinamento para a função. Ou alguém terá dúvidas sobre o tipo de jornada de trabalho enfrentada por um adolescente nas carvoarias do Mato Grosso do Sul, na colheita de laranja em São Paulo, no corte da cana no Rio de Janeiro, na extração do sal no Rio Grande do Norte, nas atividades extrativistas do Pará, na rotina dos office boys das capitais, na venda de quinquilharias nas esquinas das grandes avenidas, na mendicância em semáforos dos grandes centros?

Desde 1991 está sendo desenvolvido o Programa Internacional da OIT para a Eliminação do Trabalho Infantil, que tem a sigla, em inglês, Ipec. Seu objetivo é atacar diretamente o problema em 20 países, o Brasil entre eles. A grande maioria das crianças trabalhadoras vive na Ásia (metade do total), na África (um terço do total) e na América Latina, informa a ONU.

Não é um problema apenas de pobreza, assinalam estudiosos do Unicef, entidade da ONU que trata de assuntos da infância. Nos países latino-americanos, uma entre cinco crianças já trabalha, mas cada vez mais crianças nascidas no Leste Europeu e na Europa central estão tendo de começar mais cedo sua vida profissional. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, em função do crescimento da área de serviços e da demanda de mais flexibilidade nas regras de emprego, expande-se o trabalho dos bem jovens. Gary S. Becker, prêmio Nobel de Economia de 1992, calcula que mais de 1,5 milhão de jovens norte-americanos têm algum tipo de trabalho, mesmo se suas famílias dispõem de maior bem-estar que o das famílias latino-americanas e do Terceiro Mundo, muitas delas extremamente dependentes do salário de suas crianças para sua sobrevivência.

A ONU, por meio de seus diversos departamentos, está empenhada em saber a realidade oculta atrás desses quadros. E decidiu começar pelo lado mais cruel da realidade: o trabalho perigoso ou prejudicial ao desenvolvimento da criança. Um exemplo é o uso de facões para corte de cana-de-açúcar por crianças, vítimas de 40% dos acidentes de trabalho registrados, embora elas representem menos de 30% do total dos cortadores.

O que provoca o trabalho precoce são, muitas vezes, razões econômicas. No caso da América Latina, isso é facilmente visível quando se pensa na crise da década de 80, disseminada por várias economias do continente, que marcou o destino próximo de vários países em desenvolvimento: o endividamento dos governos levou as economias nacionais à recessão e ao desemprego; exigências do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional acabaram por impor aos países endividados políticas restritivas - as de ajuste estrutural - que destruíram, entre outras coisas, a capacidade de investimento público em educação e saúde. Isso se refletiu fortemente na drástica redução de oferta de serviços públicos ou na deterioração de sua qualidade. Crianças são vítimas diretas dessa situação: cortes governamentais se fizeram basicamente em saúde e alimentação, subsídios para a produção de alimentos e serviços sociais.

Resultado disso é que na década de 90, quando a maioria dos países latino-americanos, Brasil entre eles, já pode ostentar um quadro de estabilização inflacionária e início de retomada de crescimento, o quadro social ainda permanece muito pobre. Pesquisa feita pela Unesco, organismo da ONU que trata de assuntos de educação, ciência e cultura, diz que há três anos as escolas primárias dos 14 países menos desenvolvidos dispõem de vagas para apenas quatro em cada grupo de dez crianças. Não é o caso do Brasil, embora a situação no país não seja muito melhor. No Brasil, considerado a mais rica economia latino-americana, a taxa de conclusão do curso primário é de apenas 40%. No continente, vai a 50%.

Fora da escola

Para os organismos da ONU, uma estratégia abrangente que combata o trabalho infantil deve ser iniciada com o que consideram a alternativa lógica: escolas de boa qualidade, para as quais as famílias sejam estimuladas a enviar suas crianças, e que desenvolvam programas educacionais relevantes, dos quais os próprios alunos queiram participar.

Há, segundo dados da ONU, 140 milhões de crianças de 6 a 11 anos de idade fora das escolas, pelas quais não se sentem muito interessadas. Outras tantas abandonam as salas de aula, por falta de resposta ou estímulo, antes de concluir a fase inicial de curso. Calcula-se que 400 milhões de crianças e jovens até 18 anos não freqüentem nenhum tipo de curso regular. Uma boa parte dos jovens tenta conciliar estudo com trabalho, sem conseguir grandes resultados.

No começo de junho, a mídia mundial começou a tratar de um assunto importante para o caso. A OIT propôs a seus 174 países membros, reunidos na Conferência Internacional do Trabalho, a adoção de medidas de combate às más condições de trabalho - infantil ou não. Foi sugerida a criação de um selo social global, para vincular o comércio mundial aos direitos dos trabalhadores. Ou seja, na economia globalizada, só seriam aceitos produtos de países em que houvesse mínimas condições de trabalho digno. As regras de mercado, matéria da Organização Mundial do Comércio (OMC), não fazem menção ao problema e, com o selo social, a OIT pretende conseguir a obrigatoriedade que suas recomendações não têm - ao contrário do que ocorre com as da OMC, que têm força legal. O Brasil, numa ainda inexplicada tentativa de garantir-se no mercado globalizado, está se opondo ao selo, e nisso se alia, também inexplicavelmente, a concorrentes como a China e a Indonésia, países conhecidos pelo uso de trabalho escravo (adulto e infantil). Quem defende posição contrária ao selo diz pretender evitar a instituição de novas barreiras não-tarifárias. Pode ser. O fundamental é, entretanto, lutar pelo respeito ao trabalho, incluído o infantil como prioridade.

Também no começo de junho foi realizado o 7o Seminário Internacional de Tecnologia e Emprego, promovido em São Paulo, entre outros, pela Fundação Vanzolini (que tem discutido sistematicamente o tema do trabalho da criança). Nesse encontro, foi dito que países como o Brasil ganharão maior espaço no mercado globalizado se desenvolverem políticas de educação e de pesquisa que lhes permitam qualificar e capacitar seu trabalhador. Investir em educação básica - a primeira necessidade de crianças e jovens - é uma das formas mais efetivas entre as recomendadas pelo seminário como medida para garantir competitivamente a inserção do país no mercado mundial.

Melhorando o sistema educacional, os países acabarão por modificar seu quadro econômico e social, repetem, há anos, os especialistas. Quanto mais longo e melhor for o processo de educação, menor será a probabilidade de a criança se expor ao trabalho, dizem eles. Por isso, a Convenção sobre os Direitos da Criança insiste no fato de que a educação primária deve ser universal e obrigatória. Se os governos cumprissem seus compromissos legais com relação à educação, a ocorrência do trabalho que explora a criança seria significativamente limitada, dizem estudos do Unicef. Se houvesse vontade política, os recursos para criar boas escolas poderiam ser obtidos, e as idéias inovadoras que surgem recuperariam o sistema educacional. Por toda parte do mundo há programas bem-sucedidos.

Diz a Constituição brasileira que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. A União deve aplicar 18% (os estados, os municípios e o Distrito Federal, 25%) no mínimo de sua receita fiscal na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Se isso acontece efetivamente e se é suficiente, não se pode comprovar pela análise da situação da criança que trabalha.

Para poucos

Há pouco tempo, o ministro Paulo Renato Souza, da Educação, afirmou que o modelo de escola técnica adotado até hoje no Brasil beneficia principalmente as classes média e alta. Prometeu divulgar um plano de financiamento para formar profissionais de ensino técnico voltados a novas necessidades da população brasileira. Esse projeto deve ter recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), num total de US$ 500 milhões.

As entidades empresariais, como as federações de comércio, indústria e agricultura, desenvolvem importantes programas de aprendizado técnico, por meio dos Serviços Nacionais de Aprendizagem Comercial (Senac), Industrial (Senai) e Rural (Senar), considerados o que há de mais avançado no setor, em todo o país. O Sesi e o Sesc cuidam da educação básica. Diversos cursos ministrados pelas escolas do Senac e Senai já foram reconhecidos como de terceiro grau. A nova ação, anunciada pelo ministro Paulo Renato Souza, deve aperfeiçoar o sistema, aumentando a oferta de vagas para adolescentes e jovens interessados em treinamento e aperfeiçoamento profissional.

Criança e adolescente que trabalham valorizam a educação, atestam especialistas. "Os jovens trabalhadores que já atingiram o segundo grau ostentam, em média, uma vantagem salarial de 14% sobre seus colegas que possuem só o primeiro grau, e de 91% sobre os que não chegaram a completar esse nível. Os que terminaram o primeiro grau, por sua vez, ganham 67% mais que seus colegas situados abaixo dessa faixa de escolaridade", afirma Elenice M. Leite, da Divisão de Pesquisas, Estudos e Avaliação do Senai, no estudo "O menor na população e na força do trabalho no estado de São Paulo", de 1987.

O governo do estado de São Paulo desenvolve, há alguns anos, o Pacto dos Bandeirantes, com o objetivo de eliminar o trabalho infantil na área rural e urbana, por meio de ações recomendadas em câmaras multidisciplinares (reunindo governo e empresários), e estimular o estudo. Foram firmados convênios entre a Secretaria de Relações do Trabalho e entidades de classe, como a Abecitrus (que reúne exportadores de suco de laranja), para impedir a exploração de crianças na colheita de laranja e aumentar sua freqüência a cursos regulares em escolas públicas ou privadas, com suporte das empresas. Convênios desse tipo têm sido firmados com sindicatos e associações do setor calçadista, na região paulista de Franca (ver box na página anterior).

Segundo a Câmara Paulista de Desenvolvimento do Setor Sucro-Alcooleiro, que assinou o pacto, já não há mais crianças trabalhando nas 200 cidades que formam o pólo sucroalcooleiro do estado, o maior do país.

Muitas crianças saíram da lavoura, mas nem todas voltaram para as salas de aula. Segundo a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp), cooperativas ligadas à citricultura continuam dando serviço a 8 mil crianças de até 10 anos. O pacto é comandado diretamente pelo secretário do Emprego e Relações de Trabalho de São Paulo, Walter Barelli. Segundo ele, a solução do problema se encaminha.

Salário para estudar

Na Assembléia Legislativa paulista, há um projeto que complementa a renda da família que mantém os filhos na escola, idéia implantada pioneiramente pelo governo do Distrito Federal (ver Problemas Brasileiros no 316, julho-agosto/96, pág. 4). Isso está relacionado a um dos pontos do pacto, sem o que não se pode prever uma erradicação eficaz do trabalho infantil. Outro item se refere à capacitação profissional de adolescentes, para sua posterior inserção no mercado de trabalho.

A Secretaria do Bem-Estar da Criança criou o programa de direito à convivência familiar e comunitária, que, indiretamente, combate o trabalho infantil, prevendo a permanência dos filhos com a família de origem. Esta recebe R$ 50 se mantiver as crianças na escola. Os fundos são formados por doações de empresários e entidades (nacionais ou não, como a Associazione dei Bambini, da Itália).

Os exemplos se multiplicam. Um deles é o do Projeto Somar, que há três anos, patrocinado por duas empresas da região de Matão, no interior paulista, cuida de crianças da zona rural, de 5 a 15 anos, filhas de famílias dedicadas ao cultivo e à colheita de laranja. Rita Ferrari Magalhães explica que impedir que os pais aproveitem o trabalho dos filhos é o principal desafio da entidade, que procura na educação as alternativas para resolver o problema.

Um trabalho importante, nessa linha, tem sido desenvolvido pelo Programa da Comunidade Solidária, dirigido por Ruth Cardoso. Ela tem insistido na troca do trabalho da criança pela sua manutenção na escola, ganhando a família que fizer isso algum tipo de remuneração. Pode ser a saída. Em maio, por exemplo, o programa firmou convênio com oito municípios do estado do Rio de Janeiro pelo qual os prefeitos se comprometem a erradicar o trabalho infantil, pagando meio salário mínimo a cada família que tirar o filho do trabalho e o mantiver na escola. Haverá fiscalização, especialmente na região canavieira fluminense. Segundo a OIT, nessa região 20% dos trabalhadores são crianças. No segundo semestre, convênios semelhantes devem ser firmados pelo programa com prefeitos da chamada região dos lagos, onde crianças trabalham na extração do sal.

Nos canaviais do norte fluminense, crianças e adolescentes são os responsáveis por aproximadamente um quinto do total de mão-de-obra empregada pelas 12 usinas da região. Em Pernambuco, estimativas da Secretaria do Trabalho e da Ação Social indicam haver 40 mil crianças fora das escolas, trabalhando em canaviais. O programa Bolsa Escola, do governo federal, pretende resolver o problema, pagando R$ 50 mensais a famílias de crianças que freqüentem pelo menos 75% do horário normal das aulas. O plano é bom, mas a Federação dos Trabalhadores Agrícolas de Pernambuco (Fetape) afirma que anda a passos de tartaruga.

Pedra no sapato

É exemplar, em São Paulo, o caso das sapatarias de Franca. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados e do Vestuário de Franca e Região, a CUT e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com o apoio de entidades como Unicef e OIT, fizeram um estudo que revelou estarem trabalhando mais de 70% das crianças da cidade nas chamadas bancas de produção (oficinas "terceirizadas" das fábricas de calçados da região) e que 12% não recebiam nenhum tipo de salário, não tinham registro de trabalho e apresentavam vários problemas de saúde - dores de cabeça, tontura, dificuldades de visão, devido à exposição prolongada à cola de sapateiro, cortes, ferimentos, dores musculares e de coluna. A metade dos pequenos trabalhadores já havia repetido de ano na escola.

O sindicato das indústrias foi chamado a discutir o assunto, e o resultado foi a criação do Instituto Empresarial de Apoio à Formação da Criança e do Adolescente (Pró-Criança), fundado pelo Sindicato das Indústrias de Calçados de Franca e Região, pela Associação do Comércio de Franca (Acif) e outras entidades, para prevenção do trabalho infantil, privilegiando a permanência das crianças na escola. Foi lançado o Selo Pró-Criança, que identifica, nas embalagens dos calçados, a fábrica que não utiliza mão-de-obra de crianças no processo de manufatura. Das 360 indústrias de sapatos da região, atualmente 50 já usam o selo.

É parecido o caso das carvoarias do Mato Grosso do Sul. Na região das cidades de Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Três Lagoas, Brasilândia e Santa Rita do Pardo, crianças de 7 a 14 anos são incumbidas de manter os fornos em que se queima lenha para transformar em carvão (calcificação). Cabe-lhes "barrear" as portas dos fornos e recolher o carvão, muito quente. Em 1994, segundo dados da Comissão Pastoral de Terra, 2,5 mil crianças de menos de 14 anos trabalhavam, com suas famílias, nos fornos. À semelhança do que ocorreu em Franca, a sociedade se mobilizou e, com o governo, criou o Vale Cidadania, bolsa mensal de R$ 50 paga a mil crianças que voltaram à escola, "mas para as quais ainda há muito o que fazer", reconhece o coordenador de programas especiais do estado de Mato Grosso do Sul, João José de Souza Leite.

Talvez uma das iniciativas pioneiras e de maior abrangência para combater o trabalho infantil tenha sido a da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, entidade formada inicialmente pelos fabricantes brasileiros de brinquedos. Essa fundação criou um programa assistencial que funciona até como ferramenta de marketing para as empresas. É o projeto Empresa Amiga da Criança, que consiste em certificar, por meio de um selo (que pode ser usado na publicidade), empresas que comprovem não utilizar a mão-de-obra infantil em nenhuma etapa de produção nem ter entre seus fornecedores empresas que o façam. Já há mais de 300 empresas filiadas ao programa, que pressupõe, também, algum tipo de plano assistencial desenvolvido pelas empresas e pelos empresários, como a adoção financeira de creches, orfanatos e centros comunitários. Cerca de 200 mil crianças são assistidas, em função do selo.

Para 1998, o projeto da fundação, anuncia seu presidente, Oded Grajew, é lançar uma campanha para convencer o consumidor a comprar apenas produtos de empresas que têm o selo de Amiga da Criança.

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