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Caixa de Pandora
CANTORA E COMPOSITORA FERNANDA TAKAI ABRE-SE PARA NOVOS TEMAS COMO MATERNIDADE E NEGACIONISMO EM SEU MAIS RECENTE DISCO
De maneira sutil, a voz suave e aveludada de Fernanda Takai pode brincar de ser criança, como em Música de Brinquedo (2010) [álbum como integrante da banda Pato Fu], pode ter bossa e fluidez, como em Onde Brilhem os Olhos Seus (2007) [álbum de estreia da carreira solo dedicado a Nara Leão], e também pode vestir-se de críticas e reflexões, a exemplo de seu novo álbum, Será que Você Vai Acreditar?. Finalista do Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música Pop Contemporânea, seu mais recente trabalho solo foi gravado durante a pandemia, no estúdio que ela tem em casa com o músico e produtor, também seu marido, John Ulhoa. O disco contesta o atual momento de negacionismo e de fake news. “Esse álbum tem uma aura mais densa, mais preocupada, e isso é bom, pois registra na linha do tempo de nossas vidas os assuntos que estão no ar”, compartilha. Em entrevista à Revista E depois do show de lançamento do novo álbum no Sesc Vila Mariana, em fevereiro passado, a cantora e compositora fala sobre o trabalho e a resistência de artistas nos dois últimos anos de Covid-19, seu processo criativo e próximos trabalhos.
NOVO DISCO
Acho que há alguns anos o Brasil está sem rumo, pessoas completamente despreparadas estão em posições de poder, fazendo nosso país andar para trás em tantos assuntos coletivos importantes. A pandemia agravou essa percepção. Então, esse álbum tem uma aura mais densa, mais preocupada e isso é bom pois registra na linha do tempo de nossas vidas os assuntos que estão no ar. Ele também foi um jeito que encontramos para nos sentirmos vivos, produtivos, ocupando aqueles primeiros meses incertos com arte que é o que fazemos há quase trinta anos. Quando não estamos na estrada com os shows, estamos no estúdio. É um ambiente do qual gostamos muito e fica em nossa própria casa.
GRAMMY LATINO
Foi uma notícia maravilhosa! Eu já tinha sido nominada outras vezes e com o Pato Fu, ganhamos em 2011 com Música de Brinquedo na categoria internacional para crianças. Como artista solo, essa foi a segunda nominação e é importante esse reconhecimento de qualidade é estar junto de outros álbuns muito bons, de artistas novos que vêm fazendo uma carreira bonita. Me senti uma dinossaura ainda em forma!
ESCOLHA DE TEMAS
A maternidade e o tempo passando são assuntos recorrentes nos últimos anos. É aquela missão de cuidar, mas também esperar que alguém cuide de mim quando eu não puder. Acho que penso muito sobre ação e reação. Construir um caminho na minha vida pessoal e também profissional em que eu possa ser feliz durante o percurso e não apenas num suposto ponto de chegada que, aliás, nunca saberemos ao certo quando será. Pode ser já, pode demorar mais algumas décadas... Eu não gosto muito de falar sobre projetos futuros enquanto eles realmente não estiverem bem encaminhados. Prefiro segredinhos e surpresas.
PRESENÇA DE NARA
Fiquei feliz demais em assistir a um material de qualidade indiscutível, que é O Canto Livre de Nara Leão. Acho que os produtores desse documentário conseguiram fazer com que as pessoas que não a conheciam mais a fundo se apaixonassem por ela como eu mesma me apaixonei há muitos anos. Aliás, o álbum dedicado à Nara [Onde Brilhe os Olhos Seus, 2007], foi justamente o que iniciou minha carreira solo há 15 anos. Ela será sempre muito importante para mim.
FAKE NEWS
Esta frase que dá o título do disco [Será que Você Vai Acreditar?] está em Terra Plana, música das mais importantes para o conceito do álbum. A todo momento temos que lidar com negacionistas, terraplanistas, notícias falsas e gente que não dá a menor bola para a natureza ou para a ciência. É um questionamento feito a todos nós. É muito difícil fechar os olhos para o que está acontecendo. Como cidadã e como artista, eu tento de alguma forma abrir discussões com a maior paciência, educação e bom senso. A música entra na vida das pessoas com uma certa facilidade, então que ela tenha essa função de questionar, curar, acolher, apontar aspectos que não são só individuais. Vivemos em coletividade. A vida não deveria ser boa só pra mim, enquanto muitos vivem no limite.
ARTISTAS NA PANDEMIA
Foi com alegria que comprovamos, mais uma vez, como a arte é extremamente importante na vida das pessoas. Privados do encontro no mundo real, nos refugiamos nos livros, nas lives, em filmes, séries, tutoriais em vídeo... Pena que a remuneração tenha sido afetada num grau tão agudo que muitos se viram sem renda até para alimentação. Toda a cadeia produtiva dos espetáculos ficou em coma. Raras programações coletivas, como aquelas realizadas pelo Sesc São Paulo, preocuparam-se em contratar artistas para espetáculos online. E só a solidariedade de muitos conseguiu levantar cestas básicas, fazer rifas, leilões para segurar um pouco a situação, até que mecanismos como a Lei Aldir Blanc pudessem ser acionados e trazer algum ganho a quem produz tanto conteúdo. Só o que está acordado via plataformas digitais definitivamente não consegue pagar as contas da maioria dos artistas.
A MÚSICA ENTRA NA VIDA DAS PESSOAS COM UMA CERTA FACILIDADE,
ENTÃO QUE ELA TENHA ESSA FUNÇÃO DE QUESTIONAR, CURAR,
ACOLHER, APONTAR ASPECTOS QUE NÃO SÃO SÓ INDIVIDUAIS
DE TRÁS PRA FRENTE
Acho que esses primeiros shows deram início a essa celebração desses 15 anos [de carreira solo]. Este ano temos ainda uma data maior que são os 30 anos do Pato Fu, em setembro. Como eu levo as duas carreiras simultaneamente, acredito que teremos vários momentos para celebrar ao longo de 2022. Tenho me envolvido com a literatura de outras formas também: escrevendo capas e resenhas, gravando audiolivros. Em breve darei mais notícias! A porta aberta como escritora de livros nunca se fecha, mas sei que minha maior importância é na música.
Acesse o Instagram do Sesc Vila Mariana e assista ao vídeo de entrevista No Camarim com Fernanda Takai.