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Memórias entrelaçadas
EXPOSIÇÃO NO FORTE SÃO JOÃO CONTA A TRAJETÓRIA DESTE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL TECIDA POR DOCUMENTOS E NARRATIVAS DOS HABITANTES DA REGIÃO
Se aproximar bem os ouvidos das paredes feitas com conchas do mar e outros materiais à mão daqueles que as ergueram em 1532, hoje você poderá ouvir: “Bem-vindos ao Forte de Bertioga”. Mas, no século 16, no lugar dessa saudação o que se ouvia era um alerta. Construído como edificação civil-militar da Coroa Portuguesa, o forte serviu de proteção contra corsários de outros continentes e povos originários, como os Tupinambá, que resistiram à ocupação e colonização ibérica de suas terras. Uma história de disputas e conflitos que atravessou séculos e que foi ressignificada pela população da cidade de Bertioga, litoral norte de São Paulo.
No presente, para além dos fatos que compõem a trajetória desse Patrimônio Histórico e Artístico Nacional candidato a Patrimônio Mundial, moradores também preservam uma memória afetiva deste lugar. São lembranças de brincadeiras de infância, de encontros e passeios de fim de semana, até mesmo de práticas físicas e esportivas no arborizado jardim que circunda a fortificação. Para a moradora Kátia Colaço, esse lugar que se tornou cartão-postal de Bertioga é uma segunda casa. Ela ainda se recorda de quando era criança e seu pai, que já foi administrador do Forte São João, abriu extraordinariamente o espaço para que as pessoas pudessem assistir à passagem do cometa Halley, em fevereiro de 1986. “Naquele ano, meu pai abriu visitações extras para a gente poder ver o cometa”, disse Kátia no documentário produzido para a Exposição Forte São João, realizada pelo Sesc Bertioga e Prefeitura de Bertioga, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Diego Bachiega / Prefeitura Municipal de Bertioga
Essas e outras reminiscências somam-se a relatos e documentos históricos que tecem a exposição. Entre diferentes camadas narrativas, o protagonismo dessa construção na história colonial brasileira, em especial no século 16, no contexto de invasão europeia e resistência indígena, também é revisitado. O encontro de povos narrado “do ponto de vista civilizatório, que reduz a população indígena a algo menor que os europeus colonizadores” ganha uma perspectiva ampliada para que sejam apresentadas múltiplas narrativas, segundo uma das curadoras da exposição, a museóloga e diretora artística do Museu da Língua Portuguesa, Marília Bonas.
Conhecer, pertencer e transformar
Aprender sobre sítios históricos da sua cidade também é fazer parte de onde se mora. Sob essa ótica, Edna Costa, moradora de Bertioga, também deu seu depoimento: “Se você não conhece a história do lugar, você nunca vai se sentir pertencente a ele”. Afinal, essa é também uma forma de se apropriar desses espaços da cidade e parte essencial para sua valorização e preservação. É também aceitar que, da mesma forma que a população muda com o passar dos anos, alteram-se os significados que abraçam esses ambientes.
“O Forte não pode se transformar numa relíquia nostálgica. Na próxima geração, os valores que serão atribuídos a ele não vão ser os mesmos que os de hoje. Dessa forma, vão se criando significados para cada geração que passa”, destaca Vitor Hugo Mori, arquiteto do Iphan.
Passeio pela história
UMA VIAGEM NO TEMPO CONDUZIDA PELA ARQUITETURA, POR INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS, DEPOIMENTOS, ARTEFATOS DE POVOS INDÍGENAS E CENOGRAFIAS INTERATIVAS
Realizada pelo Sesc Bertioga e Prefeitura de Bertioga, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a exposição do Forte São João mostra a importância do Forte e seu papel na identidade local a partir de fatos históricos somados a memórias e afetos de moradores da região.
“Essa exposição busca ampliar nossa visão de história do Brasil, incluindo também, no próprio Forte – local símbolo de disputas e conflitos assimétricos –, as narrativas dos vencidos. Daqueles que não têm nome na história. Contando com essas múltiplas vozes, para além da história oficial, a exposição do Forte se aproxima dos outros povos que também fizeram a identidade de Bertioga e, por que não dizer, do próprio país”, complementa Guilherme Leite Cunha, técnico de artes visuais do Sesc Bertioga.
Além da própria arquitetura do Forte e equipamentos militares, os visitantes poderão observar artefatos de diferentes povos indígenas, incluindo uma canoa, cachimbos, cocar, chocalhos, arco, flechas e lanças.
Confira o documentário da exposição Forte São João na plataforma Sesc Digital: https://sesc.digital/conteudo/arquitetura/video-forte-sao-joao
Outro destaque fica por conta de quatro máquinas cenográficas interativas, cada qual dedicada a um tema. Como a máquina-jogo de pescaria (foto), que fala sobre a cultura caiçara, ou a máquina-jogo batalha naval, que aborda técnicas de pirobalística dos canhões das fortalezas. A exposição ainda é composta por duas pinturas a óleo do pintor Sandro Justo, que é morador de Bertioga.
Resultado de um trabalho coletivo, a exposição tem curadoria da museóloga Marília Bonas e da filósofa e professora indígena Cristine Takuá, da Aldeia Rio Silveira, em Bertioga. “O processo de curadoria colaborativa é trabalhar com algo maior do que você entende e que é o grande valor daquilo que você vai contar. É garantir múltiplas vozes, criar camadas para a dissonância e ceder autoridade”, diz Marília Bonas. Concebida para ser de longa duração, a exposição foi feita, segundo Bonas, “para a cidade se orgulhar e se apropriar, para os professores poderem usar e para os turistas entenderem por que Bertioga é importante”.
Exposição Forte São João
Local: Forte São João, ao lado do Parque dos Tupiniquins, no Centro, em Bertioga
Visitação: 5/12/21 a 4/4/22, terça a domingo, das 9h às 18 horas.
Entrada: Gratuita
Classificação indicativa: Livre
MAIS INFORMAÇÕES: WWW.SESCSP.ORG.BR/BERTIOGA
Assista ao Encontros com a curadora Marília Bonas no canal do YouTube da Revista E: www.youtube.com/channel/UC_j2rRRBScuEATZwU2bPYDw.