Marcos Prado Luchesi

Um sorriso disfarçado é esboçado diante do jovem que, em condições de se manifestar por uma carreira profissional, não sabe se opta por Letras, Educação Física ou Mecatrônica, sem descartar Técnico em Hotelaria ou abrir um negócio próprio. É fácil entender por que os jovens ficam na dúvida. Escolher, quando temos essa possibilidade, significa posicionar-se num mar de profissões muitas delas igualmente atraentes. Em situações como essa, nossa identificação tende a ser imediata pelo simples fato de que todos nós, em algum momento, passamos pela mesma indefinição. Isso porque nossa principal vocação é não ter nascido com nenhuma. Humanos, ao contrário de outras espécies, são caracterizados por sua não especialização biológica para nenhuma atividade específica. Podemos, ao menos em tese, desejar, escolher, transgredir, criar novas ordens. O trabalho é uma das condições fundamentais do grande leque de possibilidades que caracteriza o agir humano. Isso diz respeito não apenas à necessidade de obter meios de manutenção da vida material, mas também ao empenho em adquirirmos o status social almejado, e, desse modo, definirmos nossa posição na sociedade. O modo de vinculação das pessoas com determinado tipo de atividade profissional é resultado de um processo de escolha, cujos determinantes estão no embate entre o indivíduo e o meio social. Esta interação se dá, no caso brasileiro, entre pares que convivem em perversa desigualdade, resultante de um modelo delineado na exploração econômica, social e cultural de meia dúzia de países e empresas transacionais. Prioridade das prioridades é desmascarar a farsa da livre concorrência, do livre comércio usado para cancelar, por exemplo, milhares de empregos em determinado país e optar sempre por outro, desde que, sua mão-de-obra seja consideravelmente mais barata e mais facilmente marginalizada do bem-estar social, criando assim lucros cada vez maiores, que são maquiados em balanços fraudulentos. Conjuntamente com este processo formador de exércitos de desempregados em todo o mundo, o emprego de novas tecnologias na produção acaba provocando dispensas em massa, além de extinguir inúmeras profissões ou torná-las defasadas. Em tempos bicudos, como este, a velha lei da oferta e da procura é aplicada em sua plenitude. Acirrada a disputa, nunca se estudou tanto. Nunca surgiram tantas faculdades e cursos profissionalizantes. Nunca foram tão pródigas as fornadas de profissionais. Ao mesmo tempo, nunca o mercado foi tão exigente nas contratações. Não são poucas as empresas que exigem nível médio completo para um office-boy ou domínio de idiomas para uma secretária de uma empresa nacional voltada para o mercado interno. Algumas profissões são pressionadas mais do que outras, mas quase todas estão requerendo aprendizagem contínua. Com vagas contadas os jovens enfrentam uma situação esdrúxula: cobram deles experiência, mas não lhes são dadas oportunidades para tanto. Vivemos um tempo histórico que torna imperativa a necessidade de atribuirmos novos significados à relação homem e trabalho, para tentar transformá-lo no lugar da invenção e criação de novas possibilidades de viver a vida. Para isso, precisamos, além de universalizar a capacitação profissional, reconstruir sob essa paisagem desolada um outro cenário onde o jovem tenha oportunidades para conquistar licitamente seu próprio sustento e autonomia. Forma de concretizar satisfatoriamente suas escolhas e atividades profissionais, para estar plenamente identificado com aquilo que se propuser a fazer. O que não é pouco, já que o mais freqüente são trajetórias profissionais associadas a histórias de frustrações e inadequação no trabalho, indícios das dificuldades que temos para identificar conscientemente nossas necessidades, nossa maneira ideal de viver, nossas capacidades e limitações. Do contrário, tendemos a forjar a formação de futuros burocratas, obedientes, indivíduos rotineiros que fazem da anulação de si uma maneira de ser. Como tendências não significam destinos traçados, espero que o trabalho possa significar para as novas gerações um vínculo com alguma forma de viver uma vida que valha a pena.
Marcos Prado Luchesi é técnico no Sesc e pai de duas adolescentes: Júlia e Mariana
|