Por Felipe Porciúncula
Economia instável e mundo globalizado. O impacto dessas transformações no mercado de trabalho gerou uma sensível mudança: escolher a profissão não é tão simples como era no passado
O que você vai ser quando crescer? A essa pergunta, nos tempos de nossos pais, a resposta pouco variava: médico, advogado ou engenheiro. Desde então, não mudaram apenas os natais, o mundo do emprego e o mercado de trabalho também mudaram. À questão, o adolescente pode responder agora: gestor ambiental, operador de redes, operador de telemarketing etc. Da mesma maneira como surgiram novas profissões, as tecnologias e a economia globalizada eliminaram diversos cargos. Para ter uma idéia das mudanças, caso um ex-metalúrgico desejasse retomar suas atividades como torneiro mecânico, ele estaria em maus lençóis. Teria de passar por uma forçosa recapacitação. Torneiro mecânico é uma das muitas profissões extintas pelas recém-descobertas tecnologias. Assim como algumas ocupações são tragadas pelos tempos cibernéticos, outras são postas na ribalta por conta das novas invenções. A esse cenário, juntam-se as reformas econômicas em marcha planeta afora. O próprio mercado de trabalho colabora com o aumento da inquietação ao se mostrar cada vez mais mutável. Mas como tudo são componentes e variáveis numéricas - e o profissional no meio disso tudo - o resultado é um ponto de interrogação: o que vou ser quando crescer? Quem se encontra diante dessa encruzilhada tem enfrentado fortes angústias. E o próprio ensino não parece estar preparado para responder com rapidez a tantas novas perguntas.
O elemento humano Flávio Vargas, 28 anos, concluiu, em 1996, engenharia mecânica na Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e um ano depois fez pós-graduação em finanças nos Estados Unidos. Atualmente, trabalha como analista econômico no mercado de capitais. O caso de Flávio é típico de quem não exerce a profissão na qual se formou. “A escolha é definida ao longo do curso”, começa explicando o pedagogo Silvio Bock. “Ao longo do tempo em que ele constrói o seu projeto profissional, isso vai ficando mais claro. A vida acadêmica não determina, necessariamente, o seu futuro.” Apesar da multiplicação de novos cursos, cerca de 30% dos candidatos que concorrem a uma vaga na USP preferem os tradicionais cursos de medicina, direito e engenharia. Muitos estudantes optam por novas profissões ao entrar no mercado de trabalho. Flávio chegou a estagiar como engenheiro numa indústria, mas descobriu que não era o que queria. “A área financeira me permite ser mais reconhecido pelo meu desempenho, além de eu ser mais bem remunerado”, conta. “Na engenharia, a carreira é muito previsível.” Para ele, o mais importante no curso foi a formação e a lógica do raciocínio, que utiliza até hoje. A pós-graduação funcionou como um curso profissional. “Inicialmente optei pela área de exatas e só depois defini a minha profissão.”
Dúvidas Mas existem casos em que a escolha se transforma em dúvida. Pedro Arantes, 18 anos, passou em dois cursos, música e geografia, largou ambos e prestará o vestibular novamente, apesar de ter ficado em primeiro lugar em geografia na USP. “Optei por música, mas quando comecei a estudar descobri que não era a minha praia”, diz. Agora está propenso a escolher o curso de audiovisual, porém não desconsidera relações internacionais, que no último vestibular foi o oitavo curso mais concorrido. O adolescente, muitas vezes, pensa que o vestibular é uma espécie de “estréia” no mundo da responsabilidade, já que pela primeira vez na vida se vê cobrado a tomar uma decisão importante, algo que até há pouco tempo não fazia parte de suas preocupações. “Na visão do adolescente, todo o seu futuro depende dessa decisão”, explica a psicóloga Emilia Fukunaga. “Ele sente o risco de perder o que já conquistou durante a infância se não entrar na universidade.” Para o pai de Pedro, Tadeu Arantes, faltou orientação pedagógica da escola e também de sua parte. “Acho que eu me omiti e agora estou acompanhando mais de perto a nova escolha.” Tadeu vê semelhança com sua própria escolha profissional: “O Pedro repete um pouco o que eu fiz”, continua. “Comecei cursando física e engenharia química, larguei os dois cursos e entrei em história, que também abandonei. Aí resolvi ser jornalista, mas sem ter me formado.” Milena, irmã de Pedro, vive outro tipo de dúvida. Faz arquitetura e direito em duas universidades particulares e os pais estão cobrando uma definição por um deles. Segundo Emilia Fukunaga, esse é um problema vivido por muitos pais que trabalham fora de casa: “Como eles não querem vigiar os filhos, optam por deixá-los livres para escolher o próprio caminho. Na maioria das vezes, os adolescentes optam por uma profissão que lhes garanta a sobrevivência”. Há também casos em que o insucesso fortalece uma certeza. Natália Garcia, 19 anos, apesar de ter prestado quatro vestibulares para jornalismo e não ter sido aprovada em nenhum deles, continua acreditando em seu sonho: “Sei das dificuldades da profissão, mas estou disposta a enfrentar o desafio”. Enquanto se prepara para o novo vestibular, Natália já vive a primeira experiência na área. Ela entrou em um projeto da ONG Cidade Escola Aprendiz, em que participa de um grupo de adolescentes e produz textos jornalísticos que vão ao ar na Rádio Brasil 2000. “Está sendo muito bom, eu posso aprender como as notícias são produzidas, editadas e veiculadas. Nós discutimos, inclusive, a responsabilidade ética do jornalista.”
Exigências do mercado Segundo especialistas, a universidade talvez não seja mais o único e principal caminho para o mercado de trabalho. “O que se exige, hoje, é um profissional que não se prenda à formação acadêmica. Adquirir conhecimento em áreas distintas é considerado muito positivo pelo mercado, que busca alguém adaptado às mudanças tecnológicas do mundo”, enfatiza Celso Ferreti, pesquisador da Fundação Carlos Chagas. O novo profissional precisa saber gerenciar seu próprio projeto. “Antigamente você estudava para seguir uma determinada carreira. Não é mais assim”, continua Ferreti. “Mais do que experiência, o que se quer hoje é preparo. Dentro dessa nova lógica, os extremos são excluídos, que são os mais jovens e os mais velhos, ou seja, fora da faixa entre 25 e 45 é difícil entrar no mercado de trabalho.” Isso é o que comprova uma pesquisa do Dieese realizada em 1999. O estudo mostra que em São Paulo 78,4% dos jovens - não importando a classe social - têm experiência e mesmo assim continuam desempregados. “A situação dos jovens é a mesma da de outras faixas etárias, com o agravante que entram menos preparados no mercado”, explica Sérgio Mendonça, diretor-técnico do Dieese. “Quando começam a procurar trabalho, metade dos jovens não consegue o primeiro emprego.” Esse fato revela uma distância entre a faculdade e o mercado de trabalho. “Os jovens estão inseguros na escolha profissional em parte devido à falta de preparo das escolas em fazer a transição para a universidade. Muitos desistem dos cursos, o que tem um preço pago por todos nós”, retoma a psicóloga Emilia Fukunaga. Em resposta ao atual clima de incerteza que ronda a relação ensino/trabalho, a Universidade de São Paulo criou um programa chamado Reescolha, para orientar estudantes que abandonam a universidade. “O mais difícil é discutir com o adolescente a noção de planejamento”, analisa o psicólogo Fabiano Fonseca, do Serviço de Orientação Profissional da USP. “A maioria toma a decisão de abandonar o curso porque na sala de aula descobre que a profissão não é o que imaginava. Quando perguntamos a eles o que querem, a resposta é vaga”, enfatiza. Isso acontece talvez porque a própria universidade não procura responder a essas indagações. “Ainda se prepara o aluno dentro da lógica dos campos específicos, como se ele fosse trabalhar numa repartição pública da década de 1950”, analisa Ferreti. Concordando com esse raciocínio, o pedagogo Silvio Bock vai mais além: “A frustração dos jovens de hoje é não conseguir ascender profissionalmente como os seus pais. O presente é melhor que o futuro”.
Orientação profissional Para se adequar a essas mudanças, a orientação profissional vem revendo seus conceitos. Hoje são realizadas reuniões em grupo para os jovens discutirem quais são os seus projetos, não se resumindo apenas à realização de testes vocacionais. “Muitas vezes, os vestibulandos chegam aqui achando que só terão uma chance e nós explicamos que não é bem assim”, retoma Fonseca. “A escolha do curso também pode permitir a atuação em várias áreas profissionais.” Uma das mudanças possíveis, que vem sendo discutida com algumas secretarias de educação, é que, num futuro próximo, se antecipe essa orientação para as escolas públicas. Essa nova orientação começou a ser feita por uma equipe formada pelos pedagogos Silvio Bock, Vitor Paro e Celso Ferreti ainda na década de 1970, na USP. Naquela época, surgiram as primeiras mudanças no mercado de trabalho, provocadas pela globalização. “Era o início da relação de trabalho individual, ou seja, toda a responsabilidade cabe a você e não ao sistema econômico em que se vive”, lembra Bock. Ao contrário de seus colegas, Silvio resolveu montar uma empresa de orientação profissional. “Aqui não fazemos testes, até porque eles não têm validade científica. Buscamos ‘desresponsabilizar’ o indivíduo do peso que é se decidir por uma profissão.” A idéia, segundo o pedagogo, é qualificar a escolha e não mudá-la. “O que acontece é que cada pessoa constrói uma imagem da profissão que deseja, mas essa imagem pode estar incompleta. Teve o caso de uma estudante que queria ser repórter de tevê. Quando conversamos melhor, ela me explicou que era fã de um cantor e queria poder se aproximar dele. A forma mais fácil que encontrou foi essa. Então, a partir da imagem que ela construiu, nós a completamos para que ela pudesse definir seu futuro com propriedade”, conta Bock.
Cursos Técnicos Por outro lado, vale considerar que a universidade não é o único caminho para o mercado de profissões. Os chamados cursos técnicos de nível médio vêm atraindo cada vez mais interessados, principalmente por sua duração, geralmente mais breves que os universitários; e pelo preço, quase sempre mais em conta. A Rede Senac disponibiliza esses cursos em suas unidades espalhadas pela capital e interior. O mais procurado deles é o técnico em segurança do trabalho, com 1344 inscritos; seguido pelo técnico esteticista (672 inscritos), turismo (549), podologia (467), telecomunicações (282) e meio ambiente/controle ambiental (213). Os números foram levantados nos últimos doze meses.
Achados e perdidos Dicionário das profissões será lançado em setembro
Para aqueles que estão em dúvida sobre qual curso escolher, uma boa dica é consultar a Classificação brasileira de ocupações - CBO 2000. Previsto para ser lançado em setembro pelo Ministério do Trabalho, esse levantamento consiste em definir minuciosamente cada profissão e descrever as habilidades necessárias para o seu desempenho. “Com esse dicionário nas mãos, será possível o estudante saber se o que ele pensa da profissão corresponde à realidade e tirar suas próprias conclusões”, afirma o economista Nelson Nosoe, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), envolvido no projeto. Para fazer essa classificação, as definições sobre cada grupo de profissões - denominadas famílias ocupacionais - foram discutidas com profissionais da área. Geralmente, grupos formados por até doze pessoas se reuniram para dizer o que fazem em seu dia-a-dia. Posteriormente, todas as informações foram checadas. Antes desse trabalho, o governo apenas traduzia a Classificação internacional de ocupações, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fazendo pequenas adaptações, o que significou a exclusão de muitas profissões modernas do setor bancário, da área de biotecnologia e de informática. O curioso é que assim como serão incluídas novas profissões, serão eliminadas outras, como o remarcador de preços, por exemplo, que perdeu sua função com a chegada do código de barras. “A última atualização foi feita em 1988 e nesse meio tempo houve uma modernização tecnológica muito grande no país. Para cada descrição de atividade, temos que entender como ela surgiu e como se sofisticou”, afirma Nosoe. A Rede de Informações Ocupacionais é um projeto que o Ministério do Trabalho quer colocar em prática assim que a CBO 2000 for concluída. A rede consiste em um banco de dados disponível para as centrais sindicais e as secretarias regionais do trabalho. A consulta será no momento da intermediação da mão-de-obra, ou seja, no momento em que um candidato a determinado emprego descrever suas habilidades profissionais será possível identificar rapidamente quais oportunidades poderão ser oferecidas a ele. |
Serviço
Sites Senac: www.senac.com.br
Guia do Estudante: www.uol.com.br/guiadoestudante
Cidade Escola Aprendiz: www.aprendiz.org.br
Nace: www.nace.com.br
Serviço de Orientação Profissional Instituto de Psicologia/USP Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Bloco D, Cidade Universitária, São Paulo (SP), tel. 3091-4174 Site: www.usp.br/ip/laborprof E-mail: sopi@edu.usp.br Quanto custa: é gratuito
Centro de Integração Empresa-Escola/CIEE R. Tabapuã, 145, 8º andar, Itaim Bibi, São Paulo (SP), tel. 3089-8603/3071-3112 Site: www.ciee.org.br/est/or.asp Quanto custa: é gratuito
Instituto Intercultural R. da Consolação, 847, Centro, São Paulo (SP), tel. 3257-1757 E-mail: icultural@uol.com.br Quanto custa: R$ 25,00 (preço total) para aluno ou ex-aluno da rede pública e R$ 90,00 (preço total) para estudante da rede particular
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