Especialistas de diversas instituições ambientais apontam, em artigos inéditios, quais os principais desafios para o desenvolvimento sustentável no Brasil
José de Anchieta dos Santos é diretor de Fauna e Recursos Pesqueiros do Ibama
Quando o ex-presidente do Ibama, Hamilton Casara, decidiu criar a Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros, há um ano, colocou definitivamente a questão da fauna brasileira na rota do desenvolvimento sustentável. Primeiro porque dava o devido lugar para um setor antes relegado ao segundo plano dentro do próprio Ibama. Depois, a iniciativa teve o grande mérito de reunir em uma só diretoria os assuntos relacionados à conservação, à preservação e ao uso de espécies da fauna, além dos assuntos ligados à pesca. Começava aí uma nova postura que passou, finalmente, a considerar os recursos pesqueiros como sendo também recursos faunísticos. Então, o primeiro mérito foi institucional. Os demais avanços têm sido conquistados à custa de um trabalho afinado que conta com a participação de vários técnicos e especialistas do mais alto nível profissional. Com a missão de conduzir esse grupo em busca de soluções para as crescentes demandas que a diretoria tinha que responder diariamente, definimos, logo de início, que para cumprirmos o princípio da sustentabilidade tínhamos que trabalhar diretamente com a sociedade, de mãos dadas com os nossos parceiros e sempre com o olhar voltado para o meio ambiente. Tínhamos também que rever nossa cultura interna, que sempre definiu a questão ambiental de modo muito setorizado e segmentado. Fato que não ocorre na natureza, onde tudo se integra e se complementa. Mãos à obra, começamos a tecer um novo tipo de relações cujo objetivo é a participação de todos na gestão dos recursos naturais. O caso da pesca é exemplar. Vejamos o episódio da lagosta e do camarão, pescados nas regiões Nordeste e Norte do país quase que à exaustão. Com o alerta da natureza na forma de queda nos níveis de produção dessas espécies e conseqüente impacto na economia nacional, conseguimos, pela primeira vez, reunir a indústria, os trabalhadores e o governo em torno de uma mesa de discussões que gerou um pacto inédito em relação a novas formas de praticar a atividade. O Ibama produz os dados científicos, disponibiliza para o setor produtivo, articula todos os segmentos e sai com uma regulamentação construída de modo a preservar o trabalho das pessoas e, ao mesmo tempo, salvaguardar as espécies. Isso é sustentabilidade. Mais que isso. No caso da pesca continental, chegamos a um ponto em que toda a regulamentação é feita com a efetiva participação das comunidades diretamente atingidas em cada uma das bacias hidrográficas. Até mesmo o tamanho do peixe que vai ser autorizado para a pesca é definido lá, na ponta. A gestão ambiental moderna tem que inserir o homem em todos os seus aspectos. Em relação às demais espécies de interesse comercial, como o jacaré, a capivara, a ema e várias outras com potencial de mercado, a Diretoria de Fauna agilizou os procedimentos, desburocratizou o acesso e promove encontros para estimular novos produtores com o objetivo de criar uma mentalidade que usa a fauna de maneira legal. O jacaré-do-pantanal é a vedete dos produtores que agora sabem que podem encontrar no Ibama um parceiro para dinamizar o setor, ajudar a buscar novas tecnologias de criação e abate e restabelecer um mercado que já rendeu milhões de dólares em divisas para o Brasil. Em relação à conservação de espécies ameaçadas, também temos clareza quanto ao nosso papel. Somos participantes ativos, inclusive com investimentos financeiros, no combate ao tráfico de animais silvestres feito sempre em parceria com organizações não-governamentais. Zoológicos, criadouros conservacionistas, comerciais e científicos, bem como suas entidades representativas, agora pensam e agem junto com o Ibama. Sob a coordenação da Diretoria de Fauna também estão seis centros especializados em fauna ameaçada de extinção: Centro de Mamíferos Marinhos (Peixe-Boi), Tamar, Centro Nacional de Predadores, o de Primatas Brasileiros, o de Répteis e Anfíbios e o de Aves Silvestres, além de cinco centros de pesca.
Marussia Whately é arquiteta e coordenadora adjunta do Programa Mata Atlântica do Instituto Socioambiental (ISA)
A água é fundamental para a manutenção da vida e sua disponibilidade em quantidade e qualidade é um fator limitante para o desenvolvimento sustentável. Apesar de sua importância, a garantia desse recurso em condições adequadas para grande parte da população do planeta encontra-se cada vez mais ameaçada. O Brasil, que é considerado um dos países do mundo com maior disponibilidade de água doce, já apresenta problemas relacionados à escassez e à poluição, e que podem comprometer, de forma definitiva, o uso que as gerações futuras farão desse importante e vital recurso natural. A quantidade de água produzida pelos rios existentes no território brasileiro corresponde a mais de 50% da água doce do continente sul-americano e a 12% do total mundial. A distribuição desse recurso pelo território nacional, no entanto, não ocorre de forma homogênea. A maior parte da água doce produzida no Brasil, cerca de 80%, encontra-se em três grandes bacias hidrográficas - Amazonas, São Francisco e Paraná. Essa aparente abundância dá suporte a uma cultura de desperdício da água e à sua desprezível valorização econômica, que traz resultados como abastecimento precário e degradação da qualidade da água disponível. Uma situação existente em algumas regiões do nosso país, que já apresentam sérios problemas relacionados à escassez e poluição, que limitam sua capacidade de desenvolvimento e a disponibilidade de água para toda a sua população. O problema do Brasil não é, portanto, de disponibilidade ou de falta de água, mas sim das formas de utilização desse recurso que estão levando a uma acelerada perda de qualidade, em especial nas regiões intensamente urbanizadas ou industrializadas, como é o caso da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). A degradação das fontes naturais de água da Grande São Paulo é bastante acentuada, como é o caso dos rios Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, Anhangabaú e Ipiranga. Esses rios, que foram transformados em depósitos de esgoto ao longo das últimas décadas, demonstram de que forma um modelo de gestão que prioriza outros usos, como geração de energia elétrica, saneamento e transporte, em detrimento do mais nobre que é o abastecimento da população, pode comprometer a qualidade de vida das atuais e futuras gerações. Os resultados dessa utilização equivocada já são sentidos cotidianamente pelos 17 milhões de habitantes da região, seja pelas enchentes freqüentes, pelo rodízio no abastecimento ou pela água com gosto e odor distribuída pelas companhias de saneamento. A Billings, que é o maior reservatório de água da RMSP, é um exemplo significativo desse problema. Com uma vazão natural de 14 m3/s, a represa teria capacidade para fornecer água em quantidade adequada para cerca de 4,5 milhões de habitantes. A gestão irresponsável desse manancial por mais de seis décadas resultou em níveis muito elevados de poluição e tem limitado seu uso para o abastecimento de apenas 1 milhão de pessoas. O desafio que se coloca para a geração atual, portanto, é a utilização dos recursos naturais de forma a não comprometer a sua disponibilidade para as futuras gerações, o que define o conceito de desenvolvimento sustentável e abrange uma infinidade de relações entre o homem e a natureza. Dentre elas, a forma como o homem utiliza os recursos hídricos disponíveis. A manutenção do desenvolvimento sustentável, na escala global e local, exige, necessariamente, água em quantidade e qualidade adequadas. Afinal, é sempre importante lembrar que as futuras gerações terão, no mínimo, as mesmas necessidades que as atuais. Para saber mais: Água doce no Brasil: capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 1999, pp. 1-37. Aldo da Cunha Rebouças, Benedito Braga, José Galizia Tundisi. Billings 2000 - ameaças e perspectivas ao maior reservatório de água da Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2002. João Paulo R. Capobianco, Marussia Whately (acessível para download no site www.aguavivasp.org.br).
Orlando Zuliani Cassettari é diretor de Controle de Poluição Ambiental da Cetesb
Sob a ótica da história, que relativiza os fatos, emprestando referências para a correta avaliação dos acontecimentos em função da sua cronologia, não há porque achar que o desenvolvimento sustentável seja um artigo, assim como um fast-food ou mesmo um automóvel, com a sua obsolescência planejada, que já deveríamos estar consumindo para descartá-lo na próxima virada de século. Desenvolvimento sustentável é um conceito ainda recente, citado pela primeira vez no final da década de 80 no famoso Relatório Brundtland, e desde então vem sendo utilizado, indevidamente na maioria das vezes, como a panacéia para todos os males ambientais. Esse conceito, que permeia todo o corpo da Agenda 21 consensualmente aceita por todos os países presente na Rio 92, implica a mudança no padrão de desenvolvimento a ser praticado pela humanidade no século XXI. É a este novo padrão, que contempla com ênfase justiça social, eficiência econômica e equilíbrio ambiental, que nos acostumamos a chamar de desenvolvimento sustentável. Não se trata, portanto, de alcançarmos objetivos de caráter exclusivamente ambiental. Mais do que isso, trata-se de um grande acordo costurando os interesses dos setores governamentais, produtivo e da sociedade civil, estabelecendo uma relação ética com vistas ao futuro da humanidade. Vinte e poucos anos, convenhamos, é um período de tempo um tanto exígüo para uma mudança tão radical, envolvendo de um lado a produção e de outro o consumo, exigindo de ambos um novo padrão comportamental em relação aos recursos naturais, incluindo o ar que respiramos, a água que bebemos e o solo que pisamos. E entre os dois um governo que, em quase todas as regiões do mundo, se debate para atender as graves carências sociais, enfrentando uma crônica falta de recursos para as ações básicas, quanto mais para transformações tão profundas dos modelos econômicos construídos ao longo dos dois últimos séculos. No entanto, o desafio deve ser enfrentado, apesar da renitência do presidente George W. Bush, dos Estados Unidos, que na contramão da história se recusa a ratificar o Protocolo de Kyoto, que preconiza a redução das emissões de carbono, principal elemento causador do efeito estufa. Este seria, efetivamente, o primeiro grande passo dado pelas nações de todo o planeta na direção do desenvolvimento sustentável. Mas cada país, no âmbito de suas possibilidades, deve implementar políticas públicas sustentáveis, contemplando fatores como a agricultura, gestão de recursos naturais e organização das cidades. Para isso, carecemos ainda de tecnologias consentâneas com os objetivos colimados na Agenda 21. Do ponto de vista da história, o prazo para a adoção de padrões sustentáveis de desenvolvimento está ainda longe de se esgotar. Mas, um dos itens enunciados na proposta formulada na Rio 92, que é o estabelecimento de uma nova relação social, com a eliminação das desigualdades, deve ser objeto de uma intensa ação de todos os governos do mundo. Sem atender a essa demanda, não há como discutir desenvolvimento sustentável. E nisso estamos atrasados há séculos.
Marcia Hirota é diretora de projetos da Fundação SOS Mata Atlântica
Um dos grandes desafios daqueles que atuam em favor da conservação da Mata Atlântica é reverter o processo de diminuição da cobertura florestal natural para outros usos, que teve início com a colonização européia no Brasil. Historicamente, vários são os fatores responsáveis pela destruição desse bioma: a exploração predatória dos seus recursos naturais e florestais; diversos ciclos econômicos, tais como, o do ouro, o da cana-de-açúcar, o do café e a conversão de áreas para atividades agropastoris e pólos silviculturais; um veloz processo de industrialização e, conseqüentemente, urbanização, com as principais cidades brasileiras - mais de 3 mil dos 5.507 municípios assentados hoje na área que originalmente foi a Mata Atlântica. O resultado atual é a perda quase total das florestas originais intactas e a contínua devastação e fragmentação dos remanescentes florestais existentes, o que coloca a Mata Atlântica em péssima posição de destaque, como um dos conjuntos de ecossistemas mais ameaçados de extinção do mundo. De uma área original superior a 1,3 milhão de km_ distribuída ao longo de 17 estados brasileiros, resta hoje apenas 7,3% desse total. Assim, garantir a proteção, a recuperação e, especialmente, a sustentabilidade da Mata Atlântica é o objetivo primário nas políticas de conservação e nas estratégias de ação existentes para o bioma. Com esse foco, vários são os exemplos e iniciativas por parte de diversas instituições e entidades que atuam na Mata Atlântica. No caso da Fundação SOS Mata Atlântica, que tem como missão “promover a conservação da diversidade biológica e cultural na Mata Atlântica para as presentes e futuras gerações estimulando ações de desenvolvimento sustentável”, os esforços têm sido de desenvolver programas e projetos que permitam o conhecimento e forneçam subsídios para contribuir com a sustentabilidade do bioma. Ao longo de seus 15 anos de atividades, a SOS Mata Atlântica vem realizando campanhas, mapeamento e monitoramento da cobertura florestal com base em imagens de satélite (Atlas dos remanescentes florestais da Mata Atlântica), atividades de educação ambiental, capacitação, voluntariado, produção de mudas de espécies nativas e programas de recuperação de áreas degradadas e de recursos hídricos (Núcleo Pró-Tietê), luta contra agressões ao meio ambiente, apoio a unidades de conservação, entre outros. Uma de suas estratégias de ação trata do desenvolvimento sustentável e dentro dessa linha possui experiências com manejo e inventários de recursos florestais e projetos de sustentabilidade com ostras, caixeta e palmito juçara (euterpe edulis), este último que se consolidou na criação do Centro Tuzino de Educação Ambiental e Difusão do Palmito, em Miracatu, no Vale do Ribeira, região sul do Estado de São Paulo. Nessa região, que abriga os maiores remanescentes florestais contínuos, foi criado também o Pólo Ecoturístico do Lagamar, pioneiro no país, visando suprir a falta de opções econômicas sustentáveis de incentivo à conservação de patrimônios naturais, históricos e culturais, integrando esses elementos com as práticas do ecoturismo. Em outras regiões, programas de gestão ambiental participativa em áreas sob proteção legal públicas (Projeto Cairuçu) ou privadas (Projeto Guararu), sempre em parceria e apoio de instituições ou empresas têm mostrado o quanto o envolvimento, a capacitação e a valorização das comunidades humanas locais podem ajudar a reduzir a degradação sócio-ambiental e garantir a sustentabilidade da Mata Atlântica. Com esses e outros esforços, a SOS Mata Atlântica tenciona contribuir mais e mais para acelerar as mudanças em favor do desenvolvimento da cidadania e da proteção da biodiversidade desse frágil conjunto de ecossistemas.
Alberto Costa Souza Neto engenheiro civil do Sesc-SP, pós-graduado em administração
Um dos maiores obstáculos para a conquista de uma política mundial eficaz de preservação ambiental e de desenvolvimento sustentável é o fato de que a grande maioria daqueles a quem caberia a responsabilidade da implantação dessas medidas, continua achando que o ser humano não faz parte do meio ambiente. Diante deste quadro, não resta outra coisa a ser feita pela pequena parcela consciente da sociedade, se não continuar incutindo nos líderes empresariais e governantes a consciência da insustentabilidade do desenvolvimento atual da humanidade. Considerando que a construção civil tem sido por muitas vezes uma das maiores armas, nas mãos dos poderosos, contra o meio ambiente, cabe a nós, que somos do ramo, não apenas como engenheiros mas como seres humanos conscientes, mostrar aos dirigentes a necessidade da mudança de mentalidade envidando esforços no sentido de criar soluções construtivas e inteligentes com vistas à preservação ambiental. Há pouco mais de dez anos, com a inauguração da Unidade Itaquera em 1991, o Sesc iniciou uma política interna de construção de suas novas Unidades voltada ao racionamento e ao consumo controlado de água e energia elétrica. Logo após, esta política foi estendida também para as unidades existentes em operação. Embora na época a finalidade principal fosse a economia destes insumos, já apontava também para uma consciência latente de preocupação com a preservação do meio ambiente. Durante a década de 90, após diversos estudos e aprofundamentos tecnológicos, fomos introduzindo em nosso Caderno de Normas Técnicas de Projetos, Construção e Operação das Unidades, a obrigatoriedade de utilização de materiais e sistemas exclusivamente voltados à economia de água e energia elétrica, e à preservação ambiental, de tal forma que contamos hoje com diversos dispositivos já instalados ou projetados com esta finalidade. Existe uma série de outras importantes medidas de preservação ambiental adotadas na elaboração de um projeto, na construção ou na operação de uma Unidade do Sesc: 1. Privilegiar solução que contemple águas pluviais e esgoto com despejo para sistema público por gravidade. Evita necessidade de gastos de energia elétrica com bombas de drenagem ou recalque. 2. O sistema de aquecimento para vestiários deverá ser com fornecimento de água na temperatura ideal para banho, dispensando o uso de misturadores. A água deverá chegar ao ponto de consumo pré-misturada variando sua temperatura de acordo com a variação da temperatura ambiente do vestiário. O controle é feito eletronicamente pelo Sistema de Supervisão e Controle Predial (SSCP). Evita-se assim o abuso e desperdício de água quente nos grandes vestiários de uso público. 3. A iluminação de sanitários de menor movimento deverá ser através de sensores de presença. Evita que se deixe a luz acessa sem necessidade. 4. A iluminação de grandes ambientes deverá ser dividida em circuitos independentes, possibilitando que sejam acesos gradativamente à medida que escurece o dia, tanto o acendimento das lâmpadas como o desligamento em horário pré-definido são controlados pelo SSCP. Evita-se o desperdício de energia elétrica. 5. O SSCP deverá permitir o gerenciamento de demanda de energia contratada, podendo atuar no desligamento de cargas não prioritárias, mantendo os limites do fator de potência determinado pela Concessionária, evitando-se o consumo excessivo em horários de pico. Reflexão: Uma mudança de atitude só se caracteriza efetivamente após a aceitação racional de uma nova consciência, ou seja, após uma compreensão íntima, aceita racionalmente pelo ego, da nova consciência. Daí a necessidade de continuarmos insistindo na conscientização de nossos dirigentes, pois quando isto acontece não mais precisamos impor, obrigar ou negociar nenhuma política, tratado ou protocolo, as atitudes em favor da humanidade e do meio ambiente fluirão naturalmente, simplesmente por ser esta a vontade do homem, que se tornou consciente da lei máxima da Terra: “Amar ao próximo como a si mesmo”.
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