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Encontros
Sem crescimento e sem emprego
por Sérgio Mendonça
O economista e diretor técnico do Dieese, Sérgio Eduardo Mendonça, fala sobre a crise mundial de emprego e sobre as políticas públicas brasileiras que visam sanar o problema. A seguir, trechos da conversa.
Sobre o desemprego no mundo
O mundo tem, hoje, segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 840 milhões de subempregados e 160 milhões de desempregados, num total de 1 bilhão de pessoas. Apenas essa cifra já nos fornece uma dimensão do problema que temos pela frente. No Brasil são 11,4 milhões de desempregados, segundo o censo demográfico de 2000. Em São Paulo, onde o Dieese faz uma pesquisa mensal com a Fundação Seade, na região metropolitana estimamos aproximadamente 1 milhão e 800 mil desempregados. Só na capital, esse número chega a 950 mil. Por diversos motivos, principalmente econômicos, o problema do desemprego tornou-se grave e irá, de fato, permanecer entre nós ainda pelas próximas décadas. Uma questão que foi se complicando ao longo dos anos. Antigamente dizia-se que era desempregado no Brasil a pessoa que não tinha estudo ou que tinha nascido numa família pobre. Hoje, se perguntarmos quem é o desempregado, qualquer um de nós pode ser apontado. O desemprego existe entre aqueles com baixa e alta qualificação, sendo eles jovens ou velhos, homens ou mulheres, chefes de família ou não.
Sobre as frentes de trabalho
A questão do desemprego é uma questão macro. Nos anos de 1930 já se dizia que o problema do mercado de trabalho se resolve fora dele, ou seja, depende do investimento, do consumo agregado, em resumo, depende da macroeconomia. Isto é, a questão da qualificação do trabalhador é muito importante, porém ela é absolutamente insuficiente para a solução do problema do desemprego. Dar qualificação para uma pessoa não lhe garante um emprego se este não existir, e mais, se não houver desenvolvimento econômico e geração de postos de trabalho. Porém, em momentos de crise, nos quais não é possível resolver o problema da noite para o dia, alguns instrumentos - como frentes de trabalho, por exemplo - são fundamentais. Sobretudo porque as pessoas que participam dessas frentes provavelmente não irão se inserir no mercado de trabalho de outra forma. Na verdade, elas nem aparecerão nas estatísticas porque nem sequer estarão procurando emprego, dada a falta de condições financeiras. O que deve se considerar é que está crescendo cada vez mais, no mundo inteiro, o chamado desemprego de longa duração, ou seja, de pessoas que ficam mais de um ou dois anos desempregadas. Elas se desconectam de uma rede de informações, amigos e da tecnologia; elas desaprendem e, num momento em que a evolução tecnológica é muito intensa - como agora -, ficar dois anos fora de qualquer circuito deixa o indivíduo muito desatualizado. Ou seja, são pessoas que têm enorme dificuldade de voltar para o mercado de trabalho e para as quais as frentes de trabalho representam uma possibilidade de poder exercer outras tarefas.
Sobre as políticas públicas de emprego
No Brasil, as políticas de emprego são muito novas, elas têm apenas dez anos. O seguro-desemprego tem dezesseis anos, foi instituído em 1986 durante o Plano Cruzado. Na Europa, esses instrumentos existem há mais de quarenta anos. Nós avançamos na década de 1990, desenhamos políticas, criamos cooperativas e incubadoras tecnológicas, surgiu o crédito popular e as próprias frentes de trabalho, entre outras coisas - o cardápio é grande. No entanto, a sensação é de estarmos "enxugando gelo", como se diz. Isso porque todas essas políticas não bastam. Estamos há vinte anos crescendo 2% ao ano. Esse é o problema. Como a população cresce algo bem próximo disso (cerca de 1,3% ao ano atualmente), praticamente não estão sendo geradas novas riquezas por habitante. Isso cria a sensação de que as políticas são ineficientes, embora avancem. A prefeitura de São Paulo criou um expressivo conjunto de programas sociais que chega a atingir 200 mil famílias. No entanto, a cidade tem 10 milhões de habitantes e, desses, 1 milhão estão desempregados.
Eu diria que a taxa de crescimento ideal mínima, hoje, deveria ser de 4%. Se não crescermos a essa escala, o desemprego continuará avançando. Isso porque temos cerca de 1,5 milhão de jovens entrando no mercado de trabalho todo ano, número decorrente da expansão demográfica de vinte anos atrás. O problema da entrada no mercado de trabalho, hoje, é a taxa de crescimento demográfico do passado. No futuro, teremos menos pressão demográfica porque a população está crescendo menos, porém, é um futuro que virá a longo prazo, provavelmente continuaremos nesse ritmo por mais dez anos. Na verdade, o ideal seria que crescêssemos mais que os projetados 4%. Assim, além de gerar mais emprego, conseguiríamos diminuir parte do desemprego que já existe.
Emprego e tecnologia
Não é verdade que a tecnologia conduz inevitavelmente ao desemprego. No âmbito micro (das empresas), ela provavelmente conduz a uma produção maior com menor mão-de-obra. Porém, no âmbito macro (de um país), basta pegarmos dois exemplos super-recentes para vermos o outro lado: o Japão foi o país que mais se modernizou no mundo dos anos de 1950 para cá, porém, é um país que apresentou taxas decrescentes de desemprego ao longo de quarenta anos; os EUA, que na década de 1990 recuperou a hegemonia tecnológica com a informática e o desenvolvimento do setor das telecomunicações, também teve desemprego decrescente. Isso ocorre porque do mesmo jeito que a tecnologia destrói postos de trabalho, ela os repõe. Ela cria oportunidades de emprego, não mais na indústria, mas em outras áreas. No entanto, existe um período de transição no qual as políticas públicas deveriam intervir para prever as conseqüências. Exemplo: se 7 mil operários perderão seus empregos - e isso é previsível com três anos de antecedência -, por que não pensar em programas de treinamento para essas pessoas? Em escala global, quanto maior o avanço tecnológico, mais é necessário repensar o papel do trabalho na sociedade.