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Entrevista
Thomaz Farkas
Thomaz Farkas, ao completar 60 anos de carreira, afirma que a fotografia brasileira ainda não foi descoberta
O fotógrafo Thomaz Farkas, aos 60 anos de carreira, permanece uma pessoa extremamente otimista. "A fotografia está na moda", afirma ele. Húngaro de nascimento, chegou ao Brasil ainda criança. Seu pai fundou a Fotoptica no início do século passado, que se tornou uma referência no comércio de equipamentos e suprimentos fotográficos. Depois que a família vendeu a empresa, em meados dos anos 1990, Farkas voltou a dedicar-se em tempo integral à sua paixão. Seu último trabalho foi a pedido do Correio Braziliense: fez registros de Brasília no seu aniversário de 40 anos, que foram publicados com o material feito por ele durante a construção da cidade. "Costumo dizer que sou um cara marginal", afirma, em entrevista exclusiva à Revista E. "Não sou nem profissional nem amador". Thomaz Farkas fala também de como resolveu fazer cinema para mostrar o Brasil aos brasileiros, durante as décadas de 1960 e 70. "As pessoas não sabiam o que era esse país", comenta ele, que é presidente do Conselho da Cinemateca Brasileira. Em sua opinião, a fotografia brasileira possui qualidade internacional, mas ainda não obteve reconhecimento internacional. Mas muita coisa mudou nestes 60 anos: "O fotógrafo era um pária. Ele entrava nas festas pela porta da cozinha", relembra. "Mas a fotografia brasileira ainda está por ser descoberta." A seguir, os principais trechos da entrevista.
O que o senhor tem feito?
Estou tentando ganhar dinheiro lançando um portfólio com dez fotografias. Trabalho também na Cinemateca, da qual sou presidente do conselho. Não estou fotografando tanto quanto antigamente. A última coisa que fiz nessa área foi para o Correio Braziliense. Quando Brasília comemorou 40 anos, fizeram um caderno especial com fotografias que tirei na época da construção e algumas mais recentes. Foi muito interessante. Mas sou marginal, como costumo dizer, porque não sou profissional nem amador. Se um amigo me pedir uma foto, eu faço e não costumo cobrar. Vendo apenas fotografias antigas. Agora mesmo me telefonou uma pessoa querendo fotografias originais, vintage, como chamam, fotografias tiradas há muitos anos. Mas eu não as tenho, tenho apenas negativos que amplio e vendo.
Originais são complicados de conseguir, não?
São raros. São fotografias, por exemplo, de grandes fotógrafos que já morreram, cujas ampliações têm trinta ou quarenta anos. São fotografias de época. Não tenho mais nada, porque quando fotografava, as ampliações se espalharam pelo mundo. De original tenho os negativos. Ou seja, se faço uma ampliação deles hoje, a data será também de hoje. As fotografias vintage têm valores altíssimos nos EUA e na Europa, mas aqui nem se fala nisso.
Por que são tão valorizadas?
Porque a fotografia está na moda. Hoje há colecionadores de fotografia e gente muito rica entrando no mercado fotográfico nos EUA e na Europa, aqui não.
A última Bienal trouxe muitas fotografias...
Claro, assim como alguns pintores ficam na moda e todos compram seus trabalhos, a fotografia também está na moda. Algumas fotografias vintage são vendidas por 50 ou até 100 mil dólares. Por exemplo, um mexicano que deve ter cerca de 100 anos, chamado Manoel Alvarez Bravo, tem fotografias que valem muito dinheiro.
Dentre os expoentes da fotografia mundial, quem seria, por exemplo, um Picasso da fotografia?
Há muitos, inclusive brasileiros. Quem se destaca mais são uns três ou quatro: Miguel Rio Branco, Sebastião Salgado, Cristiano Mascaro... São fotógrafos caros e os preços correspondem a uma qualidade igualmente elevada.
As pessoas costumam dizer que Sebastião Salgado mitifica a pobreza e a torna glamourosa. O que você acha disso?
Acho que não é verdade. Esse tipo de afirmação é uma idiotice. Sebastião é um fotógrafo com um olhar maravilhoso. Veja Pierre Verger, por exemplo, outro com um olhar fantástico. Salgado corre atrás das coisas e consegue fotos excelentes porque sabe o momento exato. Ele não mitifica a miséria, ela existe, assim como os refugiados, as crianças refugiadas, os migrantes. O seu trabalho é de reportagem. Ele não inventou os sem-terra, por exemplo; ele os registrou. Nada é posado. As suas fotografias são muito bem-feitas e compostas. Ele não embeleza nada, ele tira fotos muito próprias. Como ele é um excelente artista, ele tem visão. Os críticos existem e há muita inveja.
E o que você pensa sobre fotógrafos mais antigos, como Geraldo de Barros e José Oiticica?
A época era diferente. Oiticica foi da época do fotoclube, cujas primeiras fotografias pareciam pinturas. Ou seja, o fotógrafo imitava os grandes pintores clássicos, era uma fotografia muito clássica: vasos de flores, rosas... Sou desse tempo também, mas, com o tempo, começa-se a ver outras coisas. Geraldo de Barros tinha um olhar para aquilo, ele gostava. Houve também a época dos concretistas. Chegaram muitos livros importados e houve uma influência mundial. Procurava-se fazer uma fotografia diferente. A última fase de Gasparian foi assim, a de Lorca também. Hoje em dia, vê-se que a busca é totalmente diferente. Faço parte da coleção Pirelli e vejo fotografias absolutamente diferentes das que fazia há trinta anos. Há uma abertura de vida. Acho que fotografia é amor à vida e às pessoas. Sou otimista e adoro as pessoas, gosto de ver paisagens, natureza, gente. Se fosse mais retraído, minha fotografia seria diferente. Existem várias aproximações da realidade, que mudam muito. Há os novos e os mais velhos, como eu, que tenho sessenta anos de fotografia.
Quais são os pontos marcantes na sua trajetória como fotógrafo?
Comecei com coisas muito clássicas: paisagens de Campos de Jordão e sua névoa, rosas em vasos etc. Depois olhei para outras coisas, que foram se ampliando e me deram mais interesse e força. Tenho oito álbuns com fotografias desde 1940.
Você fotografou muito futebol...
Morava perto do estádio do Pacaembu. Além disso, adorava ver as pessoas torcendo. Fotografei até meus colegas da Politécnica... para você ver como todos somos variados.
Qual é a sua formação?
Engenharia, mas nunca exerci. Desenhei laboratórios de fotografia: o da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA), que depois desmancharam; o do Masp, que é meu e do Geraldo de Barros, e o da Fotoptica.
Antes, a imagem não ocupava o espaço que ocupa atualmente.
Quando freqüentava a escola veio a repressão, a ditadura. Naquela época, toda a juventude andava com barba, jaquetão e máquina fotográfica. Os jovens fotografavam tudo. Havia uma consciência política muito grande; o importante era pegar a realidade em preto-e-branco. Depois, isso foi abandonado e o pessoal começou a filmar, foi quando entrou o cinema, o Cinema Novo - época em que os mais moços deixaram de fotografar e foram fazer cinema: super 8, 16 mm, 35 mm etc. Mais tarde, continuou o cinema, mas começou a haver uma volta da fotografia. Porém, houve um período em que a fotografia passou a ser desinteressante para os mais jovens.
Você também fez cinema. Por que esse período de desinteresse pela fotografia?
Havia um motivo político. Queríamos fazer uma reportagem sobre ligas camponesas. Depois, com a repressão, vimos que isso era impossível. Então inventamos outra coisa: mostrar o Brasil para os brasileiros, o que era revolucionário. Afinal, não havia televisão e o pessoal do Maranhão não sabia como era o Rio Grande do Sul, por exemplo. Achei que fazer uma série de filmes sobre a realidade brasileira era muito mais importante que fazer fotografias. Fizemos uns vinte ou trinta filmes sobre todo o Brasil.
Em que época foi isso?
Nos anos de 1970/80. Percorremos o Brasil para mostrar o resultado nas escolas, mas os professores se assustavam um pouco porque pensavam que o filme iria substituir sua figura na sala de aula, o que resultou em certa resistência acoplada a uma questão técnica: para mostrar um filme em sala de aula era preciso trazer o projetor, montar uma tela, um alto-falante e colocar o filme. Era um verdadeiro trabalho de engenharia e os professores não estavam preparados para isso. Hoje, você pega uma caixa, põe dentro de outra e está tudo resolvido, por assim dizer. Voltando à sua pergunta sobre a imagem: hoje, a facilidade da imagem é muito maior do que naquele tempo. Nossos filmes não tiveram muito sucesso, eu nunca ganhei dinheiro com eles.
Então, você foi movido pelo desconhecimento do brasileiro acerca de seu próprio país?
Achava que ele não o conhecia. A televisão estava começando e ainda não se fazia documentação. Mais tarde foi feito o Globo Repórter, produzindo reportagens sobre o Brasil. Levei nossos filmes para a TV Cultura, na época, mas eles acharam que tinha muita miséria e não quiseram. Ou seja, Sebastião Salgado não seria tão aceito naquele tempo. É o que digo: a época muda e as coisas também. É preciso estar de acordo com a sua época, antenado. Você pode fazer o que quiser, mas deve saber onde está se colocando.
Geraldo de Barros e Oiticica usavam o preto-e-branco, o que era típico da época. Hoje em dia, tem muito fotógrafo teorizando sobre isso.
A cor engana. É muito fácil fazer, difícil é fazer bem. A primeira coisa que o fotógrafo deve fazer é enquadrar, ou seja, definir o que ele quer fotografar. Ele vê tudo em cores, se fará a foto em cores ou não, depende dele. Discutíamos muito sobre os nossos filmes, se eles seriam coloridos ou não. Começamos com preto-e-branco, depois chegamos à conclusão de que pelo fato de a vida ser colorida, era melhor fazer em cores, além disso, a televisão não queria mais nada em preto-e-branco. Há também a questão econômica: ampliar um negativo em preto-e-branco é mais barato.
A fotografia brasileira tem, hoje, um status internacional?
Qualidade internacional sim, status ainda não. Sabemos quem tem valor entre nós: tem gente maravilhosa em Belém do Pará, Manaus, Porto Alegre, Minas... mas ninguém lá fora sabe disso. Mas veja, é muito caro levar alguém daqui para lá. Quanto custa? Mil dólares? É muito dinheiro. Nos EUA, você vai de ônibus de uma cidade para outra, todos o acolhem, há interesse, os museus compram fotografias, há revistas de arte etc. Aqui, ainda não. Mas é possível que aconteça e nos esforçamos para isso. Abrimos a revista de fotografia para divulgar o fotógrafo, para que ele tenha uma possibilidade de expor seus trabalhos - antes não tinha, ele era um pária, entrava nas festas pela porta da cozinha, era malvisto, pobre, malvestido... Esse conceito foi melhorado um pouco por Jean Manzon, o francês que mudou a imagem do fotógrafo. No entanto, a fotografia brasileira ainda está para ser descoberta.
Você ficou um bom tempo sem promover seu trabalho, não?
Não sou de trombetear. Mas meu filho, que é designer gráfico, me convenceu a fazer um livro. Houve uma exposição no Masp e de vez em quando aparecem outras oportunidades: fiz uma exposição em Porto, Portugal, no Centro Português de Fotografia; uma em Paris, na Embaixada Brasileira, e, recentemente, uma na rua Maria Antônia, que foi para o Rio de Janeiro, no Instituto Moreira Salles.
Nesses sessenta anos de fotografia, o que lhe proporcionou mais alegria?
Ah, Brasília... sem dúvida. Foi um grande prazer fotografá-la em dois momentos: durante sua construção e recentemente. Gosto muito de fotografar, mas as máquinas são pesadas demais. O médico me advertiu que se eu continuasse a andar com esses equipamentos minha coluna iria embora, então, arranjei uma máquina igualmente boa, mas leve. Talvez a coisa mais bonita, alegre e humana da fotografia seja o momento de retirar as fotos no laboratório: você abre o envelope e aquilo é uma obra sua. Não vou dizer que seja uma obra de arte, mas é sua, você a fez. É como ser um artista doméstico. Esse é um momento maravilhoso para um fotógrafo profissional e também para os amadores.