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Amazônia BR
Verdade Amazônica
Projeto traz uma questão raramente enfocada nas discussões sobre a região: a existência dos povos que necessitam dos recursos naturais para sua sobrevivência
Atente para as seguintes afirmações: "a Amazônia é um enorme pulmão verde composto de floresta tropical úmida"; "quase toda a madeira extraída é exportada para a Europa ou os EUA"; "é impossível explorar a floresta sem acabar com ela". Tais slogans "colaram" na cabeça da maioria das pessoas desde que a região entrou na pauta das grandes discussões sobre o Brasil e, pior, vigoram até hoje para muita gente. Atualmente se sabe que são boatos e equívocos acerca de um enorme pedaço de fauna e flora nativas que, assim como para os estrangeiros e até mesmo para nós brasileiros, continua sendo um mistério exuberante.
Geralmente mostrada por imagens aéreas, a Amazônia parece ser de fato "apenas" uma imensa superfície verde entrecortada por rios. No entanto, ela é diversificada e desconhecida. É a partir da perspectiva de seus moradores e daqueles que a escolheram como casa, que a grande floresta começa a ser revelada e, mais importante, entendida. Esse foi o principal objetivo da megaexposição Amazônia br, realização do projeto Saúde e Alegria, com patrocínio do guaraná Antártica e co-realização do Sesc São Paulo, por meio de sua unidade Pompéia, que abrigou, até 1 de setembro, os seus vários elementos. "A idéia de uma grande exposição surgiu em 1998", explica o médico Eugênio Scannavino Neto, fundador do Saúde e Alegria e coordenador geral da mostra. "Na época, realizamos, com apoio do Sesc, um pequeno evento chamado Expo Amazônia, mas só agora conseguimos patrocínio para fazer a mostra maior. Não foi nada fácil." Paulista de nascimento, mas amazônico por opção e paixão, Eugênio explica que a idéia de montar em São Paulo uma exposição sobre a região foi principalmente para fazer com que o "mundo aqui de baixo" - como ele diz - pudesse conhecer a Amazônia real e viva, a Amazônia das comunidades que lutam para defender seu meio ambiente, que o estudam, tentam entender e se relacionar com o universo externo. "Mas se relacionar de uma maneira não destrutiva, longe de um diálogo de explorado/explorador, mas de forma igualitária, para que as pessoas possam ouvir a voz dessas comunidades, que nunca podem falar e nunca são ouvidas".
Só para citar alguns exemplos a respeito dos "boatos" que abrem esta matéria, vale revelar que a Amazônia não é homogênea no que toca sua flora: além da floresta, ela possui áreas de cerrado, várzea, campos, florestas de transição e até caatinga. Quanto à madeira extraída, 84% fica no país, a maior parte em São Paulo, e exploração não necessariamente significa extinção: é perfeitamente possível tornar a floresta economicamente rentável se forem adotados padrões de extração que garantam condições de vida às populações locais e mantenham as áreas de floresta - trata-se do tão citado desenvolvimento sustentável. Tais dados foram trazidos pelas inúmeras ONGs que apontam soluções para os problemas ambientais e sociais da vida e população amazônicas. "As comunidades e as ONGs sabem o que tem de ser feito, pois elas conhecem a realidade da região de perto", continua o médico. "Elas sabem os modelos que têm de ser implantados. São mais de 450 iniciativas positivas instaladas lá, só que todas isoladas umas das outras e sem apoio."
Para Scannavino, é preciso sensibilizar a sociedade brasileira para que ela apóie tais experiências, a fim de que se multipliquem rumo a alguma transformação. "Não é uma questão de internacionalização da Amazônia, mas sim de nacionalização dela. A pergunta é: o que o brasileiro está fazendo pela Amazônia?", questiona o médico.
Preservação do divino
Ocupando a área de convivência do Sesc Pompéia, um dos galpões e parte do deck, alguns brasileiros, de várias partes do país, mostram um pouco do que é possível ser feito, respondendo em parte à pergunta de Scannavino. São cerca de setenta conferências, catorze oficinas e vinte atrações musicais a compor, junto com a exposição em si, o evento considerado "o pioneiro e mais abrangente já elaborado a respeito do tema", segundo release dos organizadores. "Uma das propostas mais importantes foi apresentar uma visão real e abrangente da região, mostrando a diversidade das populações locais", explica Laura Maria Casali Castanho, gerente-adjunta do Sesc Pompéia. "E não somente mostrar essa imagem pasteurizada cujo foco é principalmente a fauna e flora exuberantes, deixando em segundo plano o homem amazônico." Laura acredita que "conexão" foi a grande palavra da exposição. "Os designers, estilistas e demais profissionais envolvidos no projeto aliaram suas experiências a um conhecimento da realidade amazônica. Na exposição de design, por exemplo, haviam comunidades fazendo artesanatos superinteressantes, usando toda a tecnologia tradicional com um desenho extremamente contemporâneo." Para ela, não se trata de descaracterização de uma cultura, mas sim de um conexão com a realidade global. "O trabalho deles não pode ficar fossilizado, preso numa redoma", diz. "Nada mais interessante que eles incorporem referências no seu trabalho e influenciem a nossa cultura também."
Esse "intercâmbio" cultural esteve presente em todos os módulos da mostra. Na área de convivência, fotos de Araquém Alcântara exibiam a cor e a vida da região em imagens feitas em close de bichos e de moradores. Uma grande instalação do designer Gringo Cardia revisitou a Amazônia real utilizando recursos que lembravam carros alegóricos do Carnaval. Onças, araras e jacarés em tamanho gigante dividiam espaço com uma espécie de labirinto de galhos secos, enquanto os sons da floresta (cantos de pássaros e percussões indígenas) eram ouvidos todo o tempo. No chão, uma maquete de toda a região em miniatura, com as cidades e as vertentes dos rios, nos fazia sentir gigantes, talvez numa brincadeira com a sensação completamente inversa provocada pela floresta real: a da pequenez do homem diante da majestade da natureza. Numa das salas especiais, troncos derrubados e cheiro de fumaça nos lembravam as queimadas. Na porta, um aviso: "Entre, estamos precisando de você aqui". No deck da unidade, Gringo criou a Vila Amazônica, que reproduzia, com a maior fidelidade possível, as casas do seringueiro, da borracha e da farinha. "É um prazer poder iniciar uma pessoa em algo que acho maravilhoso e me toca tanto o coração", comenta Gringo. "A floresta é, sem dúvida, a preservação do divino que ainda existe no mundo e cada habitante tem a sua individualidade e firmeza na preservação de seu hábitat."
A moda marcou presença com uma exposição na qual estilistas como Alexandre Herchcovitch, Marcelo Sommer, Caio Gobbi e Deoclys Bezerra mostraram peças feitas em látex, sementes locais e fibras de coco. A estilista paraense Dona Dica Frazão completou a mostra com suas criações em palha trabalhada. Já em design de objetos, os irmãos Fernando e Humberto Campana deram oficinas de criação de móveis, enquanto artesãos e índios da região mostraram seu trabalho. "Acho que o design, neste momento, deve dar sua contribuição, não fazendo apologia ao uso de materiais poluentes ou madeiras em extinção. A idéia do workshop, inclusive, foi esta: apontar direções", explica Humberto.
A diversidade da exposição, que enveredou para artes, moda, design e artesanato, era uma idéia pensada pelos idealizadores desde o início. "Essas pessoas" - retoma Scannavino, referindo-se aos artistas e profissionais envolvidos - "são nossas parceiras desde o primeiro momento. Elas sempre quiseram ajudar e emprestar seus nomes."
Território nacional
Grandes nomes estiveram presentes durante os dias do evento. Líderes como Davi Yanomami e Marcos Terena se revezaram com representantes de instituições, como a Coordenação Indígena Brasileira e a S.O.S. Amazônia, para esclarecer todas as dúvidas dos visitantes e da imprensa, na tentativa de atingir o grande objetivo da mostra: revelar a verdade amazônica.
Além deles, seringueiros, índios e ribeirinhos foram trazidos para palestras e debates. É o caso de Pedrinho, um ribeirinho de 51 anos vividos na comunidade de Jamaquá, no rio Tapajós. "A gente vive na floresta, no rio, nas praias, nos igarapés. Praticamente sobrevivemos dos recursos naturais da floresta e da natureza. Para nós, é muito importante estar em São Paulo mostrando um pedacinho da situação de lá", conta. Pedrinho explica que é grande, hoje, a consciência das pessoas das inúmeras comunidades amazônicas acerca das suas necessidades, direitos e deveres. Diante dos diversos comentários que ouviu sobre a preservação da área, ele se posiciona da seguinte forma: "Algumas pessoas não conhecem de perto a realidade da Amazônia. Elas falam muito que tem que preservar, salvar o meio ambiente e tal, mas não têm o conhecimento prático de ver qual é a situação da Amazônia. Então, quando você conhecer de perto, saberá que é necessário preservar o meio ambiente e a Amazônia, só que vivos. Queremos que todos entendam que a nossa sobrevivência lá não significa destruir a Amazônia, significa sobreviver para sempre, sem agredir nem destruir o meio ambiente e mostrar para o pessoal que sem o homem na Amazônia, talvez ela já teria até se acabado", completa.
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