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Das experiências que despertam para a vida
Foi vivendo numa cidade pequena, do interior, que descobri prazeres e desafios que compõem a minha história. Lembro das primeiras pedaladas que me conduziram a aventuras incríveis. Durante a semana, andava perto de casa, mas o final de semana era o mais esperado para o passeio em família. Na rua e no quintal, com irmãos e amigos, explorávamos jogos e brincadeiras, e assim íamos estabelecendo formas de convivência e descobrindo os limites corporais. Brincar com a água sempre me fascinou. O dia de lavar o quintal era o pretexto para tomar banho de mangueira e escorregar na garagem. Da piscina, me recordo da vontade de aprender a nadar e que só saía da água na hora de o clube fechar.
Nos parques e praças, explorava os playgrounds, aguardava a chegada do circo e do parque de diversões, ouvia música no coreto, caminhava e passava o tempo com amigos. As experiências da infância e juventude foram valiosas para que eu estabelecesse, nos anos seguintes, vínculos positivos com as práticas de lazer. Na época da faculdade, um novo mundo se apresentou e outras expressões, principalmente no campo artístico, compuseram minhas escolhas.
Ao longo da graduação, tive contato com disciplinas que abordaram o fenômeno do lazer e, então, inquietações começaram a surgir: seria este um conteúdo somente da Educação Física? Seriam as práticas de lazer apenas aquelas de livre escolha, marcadas pela diversão, convivência e qualidade de vida?
No Sesc, além de trabalhar, passei a frequentar as programações nos momentos disponíveis. Ao vivenciar atividades e dialogar com profissionais, instituições e grupos, minhas referências de lazer vão se alargando, revelando a sua dimensão plural e educativa, bem como um elemento de desenvolvimento individual e coletivo. O tema pulsa fortemente no âmbito profissional e pessoal, de forma que sou provocada a olhar para fora e buscar mais referências. Influências e diálogos do lazer com arquitetura, urbanização, geografia, antropologia urbana, educação, diversidade cultural e políticas públicas, acrescidos de seu componente crítico, ganham espaço no meu entendimento sobre o tema.
Caminhando e pedalando pelas ruas, reflito e questiono as condições das cidades e das pessoas. Observo os espaços e as estruturas arquitetônicas. Contemplo as expressões artísticas e a natureza. Sei que ainda existem lugares para conhecer, porém, sinto que as cidades, de um modo geral, carecem de espaços acessíveis, verdes, assim como de iniciativas de cultura e lazer que considerem as diversidades, as realidades, os desejos e as necessidades coletivas.
Tais percepções sobre a cidade revelam um mundo desigual, no qual a ausência de políticas públicas não se limita apenas ao lazer, mas à saúde, à educação, ao emprego e ao acesso à moradia. Embora previsto como um direito social na Constituição, efetivamente, o lazer está longe de ser democrático e acessível para todos, algo que ficou ainda mais evidente durante a pandemia, que reforçou tanto privilégios quanto inequidades.
Aos poucos, estamos retomando certos hábitos, ainda que de maneira ressignificada, e reestabelecendo os vínculos com a cidade, com os lugares e as pessoas. Desejo em breve estar com amigos e familiares; sentir o prazer de pedalar, do toque da água ao nadar e da leveza causada pela música; observar as intervenções artísticas pelas ruas; descobrir novas culturas ao viajar e me conectar com a natureza.
Que essas relações, na perspectiva a céu aberto, possam nos levar ao estado de contemplação e felicidade, sem que se perca de vista o que está além de nossas janelas.
ALESSANDRA GALVÃO é graduada em Educação Física (Unesp – Rio Claro) e assistente técnica da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.