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Danças para existir
A sagração da primavera (1975) | Foto: Maarten Vanden Abeele.
Pina Bausch é um ícone da dança, responsável pela reinvenção da dança-teatro, nome dado por seu professor Kurt Jooss, ainda na década de 1920. “Tratava-se de uma nova forma de dança que representava a união do balé clássico com elementos dramáticos do teatro”, escreve Fabio Cypriano no livro Pina Bausch (Edições Sesc São Paulo | Sesi-SP Editora, 2018). O autor apresenta o legado de uma das realizadoras alemãs mais conhecidas internacionalmente, por superar as fronteiras da dança no século 20, sobretudo no Tanztheater Wuppertal.
Sediada na Alemanha, a companhia foi dirigida por Pina de 1973 até sua morte, em 2009. Nesse grupo, renovou conceitos sobre dança e coreografia, imprimindo características particulares: improviso, repetição de movimentos, uso da voz e dos sons do corpo, utilização da experiência de vida dos bailarinos nas montagens dos espetáculos, aplicação de elementos do teatro e da dramaturgia, exploração das relações humanas. Tudo se encaixa harmoniosamente em seu rito.
Foto: Maarten Vanden Abeele.
Na origem
Nascida em 1940, aos 14 anos Pina se aventurava na dança. Começou como aluna de Kurt Jooss na Escola Folkwang, em Essen. O coreógrafo é lembrado por trazer para suas montagens elementos do teatro e do expressionismo alemão. Em 1969, substituiu o professor na direção artística do Ballet de Folkwang, hoje parte do Folkwang Institute of Arts.
Antes disso, no final da década de 1950, passou uma temporada em Nova York, como aluna da Juilliard School. Na época, dançou no New American Ballet. Em 1973, tornou-se diretora do centro artístico da cidade de Wuppertal, onde fundou o Tanztheater Wuppertal.
O mundo como quintal
A forte relação com a Alemanha se mantém na vida de Pina; contudo, seu balé viajou e inspirou os cantos mais diversos, inclusive o Brasil, com o espetáculo Água (2001), o primeiro inspirado em um país. Nele, imagens da natureza inundam o palco, gerando fluidez e uma mobilidade inédita na dança-teatro da coreógrafa. “A paisagem e a cultura brasileiras passaram a integrar o universo de Bausch, na esteira de tantos outros artistas-viajantes”, explica Cypriano.
Além de beber na fonte brasileira, Pina também buscou estímulo em outros países para criar. Na Turquia, Istambul; na Itália, Roma, Palermo; na Áustria, Viena; em Portugal, Lisboa. Também lhe agradava olhar para o sul da Alemanha e para culturas multifacetadas da Europa Central.
Cravos (1982)
Quem foi Pina Bausch
A conexão imediata com o público se concretiza no palco e tem origem no processo criativo de Pina, embasado na valorização do humano nos corpos fortes e ativos dos bailarinos e na subjetividade do movimento em relação ao caráter individual e universal da dança. Neste combo, não tinha pra ninguém: “Ela extrai a dança da vida de cada intérprete, para as vidas de quem os assiste”, acrescenta a bailarina, curadora e professora de dança Andrea Thomioka. Ao usar o verbo “extrair” no presente, Andrea reforça a permanência de Pina por meio de sua arte, identificada como uma dança humana, motivo pelo qual causa tanta empatia. “Ela efetiva o que muitos contemporâneos ainda só esboçam: fazer dança – pesquisa, movimento, interpretação e comunicação – de dentro para fora e legível para todos”, completa.
Julie Shanahan em Viktor (1986)
Versões sobre o mesmo tema
Se o belo da vida está na simplicidade e na fugacidade, Pina – que morreu aos 68 anos em 2009, dias depois de ser diagnosticada com câncer de pulmão – foi capaz de unir essas duas características. Para ela, a arte do movimento era representação política e estética, na qual “pequenas e grandes questões humanas se encarnavam em bailarinos e nos impactavam pela potência e opção ética do viver a diferença coletivamente”, diz a ensaísta e pesquisadora do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cássia Navas.
Registros dos espetáculos são tema de diferentes filmes (leia boxe Entre na dança), seja na abordagem de sua trajetória, seja em comunhão com os documentários de sua companhia de dança e inúmeros trechos de espetáculos disponíveis em um clique. O imaterial pode ser visto por gerações que serão convidadas a mergulhar nas nuances da arte de Pina.
Água (2001)
Entre na dança
Pina se desdobra em outras telas, em homenagens no cinema e nas artes plásticas
Un Jour Pina a Demandé… (1983)
Chantal Akerman acompanhou Pina em sua turnê europeia durante os anos 1980. O resultado é um documentário que balança entre o registro fiel e divagações dançantes da trupe.
Glass Spider Tour (1987)
A concepção da turnê de David Bowie foi influenciada pelo universo performático da coreógrafa, especialmente os primeiros anos de seu trabalho. No jogo de luz, dançarinos se unem à banda enquanto Bowie surge “levitando” no palco. Um espetáculo sem fronteiras.
Fale com Ela (Pedro Almodóvar, 2002)
A amizade com o cineasta começou em 1990, num encontro descrito por Almodóvar como fulminante e eterno. Os personagens que acompanham o balé de Pina durante a cena vão às lágrimas, emocionados com sua performance, sentimento que transborda ao espectador.
Pina (Wim Wenders, 2011)
Balé para os olhos, registro feito com o recurso do cinema digital 3D, é recorrente em listas de melhores filmes de arte. Foi o representante alemão para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2012. Ela morreu antes das filmagens, em 30 de junho de 2009. O diretor continuou o projeto em sua homenagem, com filmagens entre 19 de outubro e 4 de novembro de 2009.
Pina (i.m.)
A mostra ficou em cartaz no Centro Universitário Maria Antônia da Universidade de São Paulo (USP), em 2017. Nela o pintor Helmut C. Schippers expôs 26 quadros em homenagem à amiga Pina.
A inspiração para as telas foram as fotos de Ursula Kaufmann, que clicou a coreógrafa por mais de duas décadas.
Trajetória em detalhes
Trata-se do primeiro livro brasileiro sobre a coreógrafa alemã
Pina Bausch (Edições Sesc São Paulo | Sesi-SP Editora, 2018) é fruto de uma pesquisa sobre Água (2001), peça baseada em viagens da companhia Tanztheater Wuppertal ao Brasil, sendo a primeira publicação totalmente brasileira a esmiuçar a trajetória da influente coreógrafa alemã.
Escrito por Fabio Cypriano, o livro apresenta uma memória luxuosa em forma de texto introdutório do encenador Robert Wilson e apresentação do pesquisador e coordenador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Miguel Chaia. As fotos em preto e branco distribuídas fartamente pelas páginas são do fotógrafo belga Maarten Vanden Abeele, autor de um acervo de imagens de quase todas as criações da companhia dirigida por Pina.
O lançamento será feito em duas ocasiões, às 20h: no Sesc Campinas, em 14 de março, e no dia 20, na unidade Vila Mariana.