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Estranhas para alguns e comuns para outros, as Panc – plantas alimentícias não convencionais – multiplicam novos sabores ao nosso alcance

Foto: Divulgação


Elas não são mato e, provavelmente, já foram parar no seu prato em saladas ou em preparos cozidos e assados. Tampouco são tão desconhecidas: basta lembrar-se do frango com ora-pro-nóbis, típico de Minas Gerais, ou mesmo do pato no tucupi e jambu, comum em Belém do Pará. São raízes tuberosas, tubérculos, bulbos, rizomas, talos, folhas, brotos, flores, frutos e sementes que serviram e servem de ingredientes na culinária brasileira. Alimentos que começaram a cair no gosto, e na boca, do brasileiro principalmente a partir da última década, quando ganharam o nome de Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc).

Termo cunhado pelo pesquisador Valdely Kinupp no livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) no Brasil (Ed. Plantarum, 2014) – cuja coautoria é do engenheiro agrônomo Harri Lorenzi –, as Panc (assim mesmo, sem “s”, segundo Kinupp) podem ser espontâneas (aquelas que descobrimos no parque ou mesmo numa praça na cidade) ou cultivadas. No livro, foram descritas 351 espécies de plantas nativas e exóticas consumidas no passado ou em alguma região do país e do mundo.

Fruto de dez anos de pesquisa e tese de doutorado de Kinupp, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas Campus Manaus-Zona Leste (Ifam-CMZL) e atuante na divulgação das Panc, o livro é uma referência para estudiosos da nutrição e da gastronomia, entre outros. Estima-se que existam mais de 10 mil plantas com potencial alimentício, ricas em nutrientes, proteínas e fibras. No entanto, consumimos apenas 0,06% das espécies de plantas comestíveis do planeta.

“O consumo de Panc busca romper a monotonia no prato para romper a monotonia no campo, ou seja, a monocultura, e, com isso, romper com o agrotóxico, o êxodo rural, a degradação do solo, entre outros fatores”, enfatiza Kinupp. Dessa forma, essas plantas não só beneficiam a saúde humana, como também são responsáveis pela manutenção e preservação da biodiversidade.

“Sem dúvida, o conceito de Panc ganha especial valor no contexto de desconexão que nossa sociedade urbana tem sobre a cultura alimentar. No sentido da reconexão, comer, falar sobre Panc e difundir o seu conceito ligam o alerta e trazem uma luz inestimável para a conservação da biodiversidade”, destaca o ecólogo Jerônimo Villas-Boas, secretário-geral da Associação Slow Food Brasil, movimento que também valoriza a territorialidade dos alimentos.

 

Escute o áudio dessa entrevista

Foto: Divulgação

 

Já experimentou?

Imagine caminhar pelo bairro City Lapa, em São Paulo, e se deparar com uma diversidade de alimentos ao alcance das mãos? É isso que acontece durante o passeio PancNaCity, criado e organizado pela nutricionista Neide Rigo. Autora do blog Come-se – página que reúne receitas e experimentos culinários com Panc há 12 anos –, Rigo criou esse tour em 2016 e desde então vem compartilhando in loco seu conhecimento sobre plantas alimentícias não convencionais.

Experimentar amendoim de árvore ou colher malvavisco (flores avermelhadas) para a salada fazem parte dessa expedição, que ainda inclui: reconhecimento, identificação e colheita de ingredientes que servirão para o preparo de pratos a serem saboreados pelos participantes. Uma prova de que mesmo nas grandes cidades – em parques ou à espreita nos bancos e asfalto de concreto – brotam alimentos.

“Muita gente me escreve dizendo que a experiência foi transformadora e que hoje tem uma dieta mais variada porque passou a reconhecer ervas que são muito recorrentes na cidade, como serralha e dente-de-leão. Hoje elas também sabem que podem cultivar Panc no quintal de casa”, conta Rigo, que falará mais sobre essa atividade na palestra Reconhecimento de Panc no Espaço Urbano – PancNaCity, no Sesc Pompeia, dia 14 de novembro.

No entanto, a pesquisadora também observa dificuldades para difusão desses alimentos. “Ainda é preciso incentivar o produtor a plantar e uma forma é criar demanda. O consumidor busca a planta e, então, o feirante, de tanto ouvir o cliente procurar por ora-pro-nóbis, por exemplo, decide cultivar, colher e vender também. Ou seja, muita gente não come porque não tem acesso”, observa Rigo. 

Sobre esse e outros desafios, Valdely Kinupp complementa: “Temos uma grande lacuna de informação, pesquisa acadêmica e sistematização dessas pesquisas também. Falta política pública, trabalho sério e duradouro das empresas, pesquisa e extensão, além de ensino nas escolas, inclusive, desde a creche, nas universidades públicas e particulares”.

Sendo assim, livros, sites, programas de televisão, podcasts e outras iniciativas (leia o boxe Pode se servir!) tornam-se imprescindíveis para a popularização da taioba, do peixinho, do feijão guandu e de tantas outras espécies. Ou seja, “precisamos nos voltar para isso: não apenas falar sobre nossa biodiversidade, mas também comer nossa biodiversidade”, arremata Kinupp.




Ora-pro-nóbis
Usos: frutos, folhas cruas ou cozidas.
Neutra e suculenta, ela é querida por seu alto teor de proteínas e de fibras. Famosa em Minas Gerais, é usada no feijão, na polenta e no recheio de massas e salgados. Também serve como corante verde para massas. Para não soltar baba, não deve ser picada. Seu cultivo é rústico e fica linda em muros e cercas. Há várias espécies de ora-pro-nóbis, todas aparentadas. Os frutos são comestíveis.

Foto: Divulgação

 

Caruru
Usos: folhas, unicamente cozidas ou refogadas.
Planta espontânea muito comum e de crescimento rápido, já foi uma verdura muito popular e ainda é usada em cidades do interior. Rica em ferro, magnésio, proteínas e fibras, deve ser branqueada antes do consumo e tem sabor idêntico ao do espinafre. Na roça, é utilizada para acompanhar carnes, angu ou cozida no feijão. Muito comum em hortas e jardins.

Bertalha
Usos: folhas, em salada e, moderadamente, em sucos.
Planta trepadeira de origem asiática, ela é muito famosa no Rio de Janeiro. De sabor único, que lembra a folha da beterraba, é consumida refogada, cozida ou em sopas. Fervida brevemente e temperada, dá um excelente recheio de pastel. Seus frutos produzem excelente corante alimentar roxo. É de fácil cultivo, em solo fértil e pleno sol.

Foto: Bertalha

Caxi
Usos: frutos, similares à abóbora.
Um pouco mais famosa no sul do Brasil, algumas variedades dão origem à cuia do chimarrão. Planta de grande variedade de formatos, é usada cozida, sem a casca e sem as sementes; tem sabor próximo ao da abóbora e coloração mais clara. Com baixa caloria e sabor delicado, é ideal para ajudar no funcionamento do intestino. Dá excelentes saladas e sopas, como o chuchu ou a abobrinha.

Peixinho
Usos: folhas, fritas ou cozidas.
Também chamada de orelha de coelho e lambari-da-horta, essa folha peludinha é consumida empanada e frita, como um peixe, servida como petisco, em estilo “lambari frito”. Das folhas suculentas e nutritivas pode se fazer lasanha, outras massas e até risoto. Seu cultivo exige solo fértil e pleno sol, sendo uma planta considerada ornamental.

Foto: Popo Lopes

 

Capiçoba
Usos: folhas, como hortaliça e condimento.
Cansou da rúcula? A capiçoba está no grupo das ardidinhas, para ser consumida crua em saladas ou como aditivo em pizzas, quiches e pães. Seu sabor é picante e aromático, então faz bonito como verdura ou como tempero. Pode ser refogada brevemente para acompanhar pratos caipiras.

 

 

Atenção Nomes populares geram confusão: sempre que puder, verifique o nome científico da planta. Plantas diferentes podem ter o mesmo nome popular

 

Fonte: Guia Prático sobre Panc – Plantas Alimentícias Não Convencionais, Organização Instituto Kairós, Curadoria de Plantas
Texto: Guilherme Reis Ranieri

 

 


Pode se servir!

 

Palestras, oficinas e outras atividades chamam a atenção
para o cultivo, consumo e disseminação das Panc

 

Dos dias 3 a 28 deste mês,, o Sesc convida seus públicos a partilhar descobertas e resgatar tradições a partir do Experimenta! – Comida, Saúde e Cultura, projeto que envolve todas as unidades, na capital, interior e litoral, em oficinas, feiras, palestras e intervenções em alimentação. “Reconhecer uma folha de taioba, degustar uma macaúva, plantar uma floreira de capuchinha e aprender uma receita de bolo de cambuci são exemplos de vivências que ajudam a ampliar o repertório alimentar e despertar o interesse para alimentos saudáveis e da nossa biodiversidade”, aponta a nutricionista Mariana Meirelles Ruocco, assistente técnica da Gerência de Saúde e Alimentação do Sesc São Paulo. Para que isso aconteça, levar conhecimento ao grande público acerca dessas plantas, bem como seus benefícios, é um dos primeiros passos. Assim, o Sesc São Paulo convida à reflexão sobre as possibilidades de levarmos esses alimentos ao prato no dia a dia. “A alimentação hoje é marcada pela monotonia e pelo acesso fácil aos alimentos ultraprocessados, em geral, carregados de sal, açúcar e gorduras. As ações educativas são oportunidades para apresentar ao público uma maior variedade de alimentos in natura”, complementa.
Confira alguns destaques na programação de outubro:


SESC BOM RETIRO
Conhecendo as Panc (Dia 6/10)
Nesta atividade, o gestor e mestre em Ciência Ambiental Guilherme Reis Ranieri mostrará ao público como ampliar o repertório alimentar por meio do conhecimento de alimentos típicos da culinária brasileira, mas que caíram em desuso ou que correm o risco de desaparecer.

SESC CONSOLAÇÃO
Suco Verde de Panc (Dia 10/10)
Nesta vivência, o Sítio Floradas da Serra ensina os participantes a fazerem um suco verde de plantas alimentícias não convencionais. Também serão expostos produtos para venda durante a Feira de Alimentos Saudáveis e Agroecológicos, como Panc, hortaliças, frutas, açafrão, pão de mel,
bolos e geleias.

SESC CAMPO LIMPO
Casca e tudo! (Dia 10/10)
Nesta atividade do projeto Mato no Prato, o foco está nas raízes, caules, folhas, frutos, cascas e sementes comestíveis, mas que não são muito exploradas para o consumo. Entre elas está a bananeira, que, além do fruto, tem: inflorescência (umbigo ou coração), o cerne do caule (palmito da bananeira), o fruto verde (biomassa de banana) e a casca do fruto (chips de banana) como alimentos. Ao final, será feita uma prática de culinária com os participantes, para que possam observar o preparo e degustar receitas.

SESC VILA MARIANA
Duetos Culinários: Tradição e Tendências (Dias 11 e 13/10)
Nessa oficina do projeto Mato no Prato, os participantes farão (casais ou parentes) de uma dinâmica de integração. A ideia é que conheçam melhor o papel histórico de cada um na alimentação da família e possam, assim, praticar juntos a renovação desses papéis. Também serão abordadas as vantagens de cozinhar a dois no cotidiano, com receitas que levam plantas alimentícias não convencionais como ingredientes.

SESC OSASCO
Da horta ao prato: Panc e a diversificação da alimentação (Dia 14/10)
Nessa vivência, os participantes conhecerão Panc por meio da identificação de exemplares na horta do Sesc Osasco, além de espécies levadas pelos oficineiros Guilherme Borducchi e Mariana Marchesi. Em conjunto, será plantado um canteiro de plantas alimentícias não convencionais na horta da unidade e, ao final da ação, haverá um espaço para degustação.

SESC POMPEIA
Restaurando a conexão homem e natureza (Dia 17/10)
Entre as atividades na unidade referentes ao projeto Comer é Panc, um dos destaques é a presença do autor do livro Forager the Handbook, Miles Irving, referência para grande parte dos chefs europeus. Na palestra, Irving compartilhará com o público sua experiência ao longo de, aproximadamente, duas décadas dedicadas ao trabalho com plantas selvagens. Fundador da Forager Ltd, empresa que trabalha com Panc profissionalmente desde 2002, ele também falará sobre um movimento que acredita na reconexão do homem com a natureza a partir de hábitos ancestrais.

SESC PINHEIROS
Oficina do Sabor: Licuri, A pérola do sertão (Dia 25/10)
Ministrada por Reveca Tapie, mestra em Turismo e Desenvolvimento Territorial pela Universidade de Toulouse, essa oficina apresentará o licuri, alimento típico do sertão nordestino. O encontro ainda contará com depoimentos das quebradeiras de licuri, participantes do projeto Fortaleza Licuri do Slow Food Brasil e demonstração do processo da quebra do alimento e das cantigas de roda, além de degustação.

SESC AV. PAULISTA
Panc na Pressão (Dia 25/10)
Por que cultivar, consumir e divulgar Panc? A quais pressões nossa alimentação está submetida para que esses tipos
de alimentos não sejam conhecidos? Essas e outras questões serão levantadas pelo pesquisador e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas Valdely Kinupp nessa palestra.

SESC SANTO AMARO
Panc: Caminhada exploratória e oficina de culinária (Dia 27/10)
Após um pequeno passeio exploratório no entorno do Sesc Santo Amaro, os participantes irão identificar algumas plantas alimentícias não convencionais próximas da unidade. Elas também serão utilizadas em uma oficina culinária com a degustação das receitas.

SESC SÃO CAETANO
Guia prático para cultivo em pequenos espaços (Até 10/12)
Nessa série de oficinas, o Coletivo Dente-de-Leão apresenta ao público, de forma simples e acessível, plantas recorrentemente cultivadas em hortas urbanas e em pequenos espaços, como ervas aromáticas, Panc e hortaliças. As aulas serão ministradas por Luciana Siriani, cofundadora do projeto de intervenção ambiental SustentABC, que atua há mais de quatro anos com educação ambiental na região do grande ABC, com foco em conscientização, projetos socioambientais e hortas nas periferias.

 

 

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