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À linha, Vamos!

Foto: Mariana Lima

Prática que acompanha a história do homem na Terra, a costura não para de se reinventar. Dos faraós egípcios que, em 1500 a.C, vestiam-se com retângulos de linho amarrados ao corpo, aos jovens do século 21 que adotam jaquetas capazes de recarregar smartphones e outros gadgets, a técnica mudou bastante, e não há mais espaço apenas para a imagem do quartinho de costura da vovó. Munidos de agulha e linha, ou impressoras 3D e outros suportes tecnológicos, crianças, jovens e adultos transformaram o ato de costurar e de se vestir.

Esse foi o caso de Elisa Silva Dantas, que há três anos adotou o hobby como negócio criativo. Como A Costureirinha, Elisa produz conteúdo digital sobre o assunto em um canal no YouTube; dá aulas virtuais pela plataforma de ensino online eduK; além de oficinas “ao vivo” em escolas e no próprio ateliê, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. De forma lúdica, ela descomplica a costura e derruba o preconceito que ainda paira. “É incrível observar como os(as) alunos(as) passam a observar como tudo ao redor deles(as) é feito. Isso desperta a curiosidade de buscar a origem das coisas, de entender os processos e culmina num respeito profundo pelo trabalho manual”, observa.

Desse aprendizado, Elisa ainda constata outros benefícios. “Costurar é um superpoder, é mágico. Promove o bem-estar e conecta as pessoas. Você transforma um botão, um tecido e uma linha em uma calça, uma cortina, ou um cobertor que irá embalar as noites do seu bebê”, explica. “Há histórias lindas de conexão com avós ou mães através da costura, por exemplo. Uma aluna tinha uma avó que só falava japonês. Com as aulas de costura, elas conseguiram passar tardes em silêncio, falando ‘costurês’. É incrível!”

Da prática vem o que Elisa fala para os alunos: o empoderamento. Torna-se, então, possível, por exemplo, confeccionar peças personalizadas. “Fazendo com que as roupas caibam no seu corpo e não o contrário”, enfatiza. Também aprendem a customizar aquela jaqueta esquecida no fundo do armário, proporcionando-lhe novo uso. Outros fazem dessa prática uma renda extra para o orçamento doméstico.

Também há aqueles que não aplicam a habilidade, mas, ainda assim, desenvolvem a consciência do processo de começo, meio e fim da confecção de uma roupa. E, dessa forma, começam a refletir sobre o fast fashion – padrão de produção e consumo no qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados rapidamente.

Costura sustentável

Estima-se que, no Brasil, cerca de 170 mil toneladas de resíduos têxteis são descartadas por ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Desse total, 85% não é reaproveitado. O destino? Aterros sanitários recebem composições de fibras de tecido – caso do poliéster e da poliamida – que levam centenas de anos para se decompor. Pensando nisso, a cenógrafa, figurinista e diretora de arte Lu Bueno criou, em 2015, o Banco de Tecido.

Iniciativa pioneira no Brasil, com sede na Vila Leopoldina, bairro da capital paulista, este banco “atende a um sistema de circulação de tecido de reuso”, segundo Lu Bueno, que desenvolveu o negócio para dar vazão à meia tonelada de tecido que compunha um acervo de 20 anos de trabalhos no cinema, teatro e televisão.

A partir do modelo de troca, pequenos criadores de moda, artesãos, costureiras e alfaiates podem depositar sobras, que antes iriam parar no lixo, para obter, como retorno, créditos para adquirir novos tecidos – de popeline e couro sintético, a linho e seda.“Já temos três unidades em São Paulo e também atendemos a outros estados, pelos Correios. Principalmente interior de São Paulo, Santa Catarina, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. Mas outros estados já estão nos buscando, pensando nessa necessidade”, acrescenta a figurinista.

Outra iniciativa que visa a uma cadeia têxtil sustentável é o Re-Roupa, criado pela estilista e diretora criativa Gabriela Mazepa. O projeto se fundamenta na metodologia de criação de roupas novas a partir de matérias-primas consideradas resíduos (fins de rolo de tecido, retalhos, roupas com pequenos defeitos). “Este é um processo que prolonga o uso de um objeto que era considerado descarte, para que ele tenha novo uso a partir da criatividade e do trabalho manual, sem transformação química da matéria-prima [tecido]”,
detalha. “Ainda que haja preconceito em comprar usados, no Brasil, vejo que este cenário está mudando muito nos últimos anos.”

O Re-Roupa ainda realiza oficinas e cursos itinerantes pelo país. Conhecimento que se torna um diferencial na formação de estudantes, na capacitação de pequenos empreendedores e para mudança do modelo de negócio de grandes empresas. “Recebemos muitos e-mails e mensagens de estudantes de moda interessados por essa pauta que está cada vez mais presente no cotidiano dos designers”, informa Gabriela. “Tanto que, recentemente, lançamos uma coleção com uma grande marca de moda que é a primeira do Brasil a falar abertamente sobre a quantidade de resíduos sólidos que a indústria da moda gera e começa a traçar soluções internas para tal.”

Ateliê Adereços de Carnaval. Foto: Divulgação

Roupa inteligente

Além da preocupação com a fabricação, descarte e reaproveitamento daquilo que vestimos, essa geração do século 21 também está de olho em outro aspecto da cadeia: a funcionalidade. Da medição de batimentos cardíacos para atletas e praticantes de atividade física à sinalização luminosa de ciclistas, garantindo sua segurança nas vias, os wearables (roupas com tecnologia de vestir) saíram do enredo de ficções científicas para a realidade.

Dessa forma, os novos costureiros, ou melhor, os makers de wearables, transpõem um cenário futurista para o presente. “Muito do que é feito, de certa forma, é inspirado em um movimento global de pessoas curiosas que compartilham fazeres, também chamado de movimento maker, do ‘faça você mesmo’. Em paralelo, grandes empresas seguem desenvolvendo produtos voltados para a área da saúde e dos esportes”, diz o designer e consultor maker Caio de Marco.

Fundador do coletivo Ateliê Hacker, Caio também realiza oficinas e disponibiliza tutoriais na internet. Caso do vídeo em que ensina, passo a passo, como fazer um tênis com LED e sensor na palmilha (disponível em: https://youtu.be/LURK15XcYhc?list=UUKueVgMVvHmGmHiJ9nd9ufA). O calçado pode ser usado tanto para segurança noturna de esportistas, quanto para performances de dança e teatro [confira outros exemplos de wearables no boxe Vestir Tecnologia].

Quem também se dedica ao segmento é o designer, pesquisador e professor de novas mídias e arte interativa, Ricardo O’ Nascimento. Fundador do estúdio de design e pesquisa Popkalab, voltado para a inovação em wearables, o designer adianta aos desavisados: este é um caminho sem volta. “Com o uso da tecnologia, as roupas passam a ser inteligentes: sensores e sistemas interativos são capazes de se relacionar com a pessoa que está vestindo e com o meio onde ela vive”, garante.

Radicado na Holanda, o designer brasileiro passa parte do ano em São Paulo, onde esteve, recentemente, para o WeAr Festival – evento que investiga a moda do futuro realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro, desde 2015. “Fico feliz de ver que, no Brasil, há instituições de ensino interessadas nesse tipo de tecnologia, principalmente na área de design e moda. Também tenho visto o crescimento da cultura maker e de espaços para prototipagem digital”, complementa Ricardo.

O fato é que, no cotidiano, os wearables vêm exercendo influências e alterações no modo de vida, a exemplo de smartphones e geolocalizadores que coordenam nossa memória e orientação. “Ao longo da história, [as tecnologias] vestíveis utilizadas vão se tornando cada vez mais sofisticadas. Quanto a isso, é importante pensarmos numa perspectiva crítica que deve considerar que qualquer tipo de acoplamento ao corpo humano não deve restringi-lo de liberdade, pelo contrário, deve fomentá-la”, assinala Gustavo Torrezan, assistente de Artes Visuais da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo.

Weareble Facade. Foto: Vinken Urbane 

 

Vestir tecnologia

Roupas e acessórios que mudam de cor, brilham no escuro ou analisam a temperatura do corpo e a frequência cardíaca tornaram-se realidade. Confira alguns exemplos de wearables:

 

>>Yoga high tech
A marca Wearable X cria produtos com design e tecnologia que visam à melhoria da performance em atividades físicas, por exemplo. Esse é o caso do Nadi X, uma calça com dispositivo (a acoplar) que tem sensores no quadril, joelhos e tornozelos. Quando conectados via Bluetooth, eles vibram e ajudam na prática do yoga.
(Saiba mais: www.wearablex.com)

>>Sem distrações
Tendo os ciclistas como público-alvo, a grife de moda Levi’s e o Google criaram o Project Jacquard, uma jaqueta funcional que permite ao usuário controlar o smartphone via Bluetooth. Basta deslizar pelas mangas do casaco, por exemplo, para dar play na seleção de músicas ou dar dois toques no braço para receber indicações sobre o caminho a seguir.
(Saiba mais: https://atap.google.com/jacquard)

>>Terno inteligente
O designer Ermenegildo Zegna  é um exemplo de designer que incluiu em seu portfólio os wearables. Caso da Solar jacket (“jaqueta solar”, em tradução livre). Na gola removível, painéis transformam a luz do sol em energia renovável para recarregar aparelhos portáteis como iPod, smartphones ou outros aparelhos com entrada USB.

>>Cardápio de estampas
Em tempo real, uma mesma roupa pode ter diversas estampas. A mudança da padronagem vai depender do que está no entorno de quem a veste.Essa roupa interativa foi desenvolvida pelo estúdio Popkalab.
(Saiba mais: www.popkalab.com)

>>Aplicação nas artes
Na performance Coral Love Story | Chapter #1: Getting Acquainted, de Kasia Molga e Electronudes, o dançarino vestido de um wearable está conectado a uma barreira de corais. Cada vez que os corais morrem, ele sente uma vibração e a roupa muda de cor.
(Saiba mais: https://vimeo.com/211299558)

 

Criatividade à mão

Banco de Tecidos. Foto: Divulgação


Ateliês abertos e oficinas contribuem para um novo olhar e democratização da costura. Sem distinção de idade ou gênero, aulas de confecção de bonecos, colchas de retalho, bordados e outras técnicas compõem a agenda de diversas unidades do Sesc São Paulo nos meses de janeiro e fevereiro. “Ao oferecer regularmente cursos de costura na programação das unidades do Sesc, para além de promover o ensino e a difusão de técnicas de corte, costura, modelagem e criação, resgatamos uma prática tradicional da cultura humana”, destaca Renata Pereira Figueiró, assistente de Artes Visuais da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo. Além de roupas, nessas oficinas é possível criar tecnologias vestíveis, como coletes luminosos para quem pedala pela cidade. Confira estes e outros cursos no Em Cartaz.

SESC PINHEIROS
>>Ateliê de costura – Laboratório de brinquedos de estampas óticas
Nessa oficina, Marcela Pupatto convida o público à experimentação em costura por meio de padrões e combinações de estampa, sobrepondo transparências e padrões, criando narrativas, histórias e desenhos. (Dias 30/1, além de 6, 7 e 8/2)
>>Do fio ao pio
Com poesia, novelos coloridos e uma semente de girassol, dá-se vida a um passarinho nesta oficina com o Coletivo Meio Fio oferecida para as crianças, a partir de três anos de idade. (Dias 17 e 25/2)

SESC RIBEIRÃO PRETO
>>Primeiro Contato com a Costura
Nesse curso, Maria José Cherubini apresentará as técnicas iniciais da costura. Os alunos também tomarão conhecimento do maquinário, noções de design de moda e modelagem a partir da produção final de duas peças de roupa. (De 13/1 a 24/2)
>>Ateliê Adereços de Carnaval
Aulas para quem já está com a cabeça e a animação voltadas para a folia de fevereiro. Nelas, Tânia Alonso ensinará a confeccionar casquetes, tiaras, colares e saias. A cada dia uma peça será produzida.(De 13/1 a 3/2)

SESC CARMO
>>Bandeira de Pontos – Bordado para Iniciantes
Nessa oficina de bordado livre, os alunos aprenderão pelo menos 12 pontos de bordado. Ao todo, serão quatro peças e um desenho ao final de cada aula. Neste curso, os participantes aprenderão pontos de bordado livre, dicas de materiais, processos e acabamentos. (De 16 a 30/1)
>>Memórias Costuradas – Construção de um caderno afetivo
Voltado para a terceira idade, o curso ministrado pelo coletivo Laranja Azul ensina aos participantes a criar uma encadernação de histórias e afetos. A partir de uma conversa sobre memória, os alunos escolherão entre papéis e tecidos para a criação deste diário de bordo. (Dia 29/1)

SESC CONSOLAÇÃO
>>LA (B) IKE – Dispositivos para bikes e bikers
Quer aprender a criar um colete com luzes LED para andar de bike? Nesta oficina ministrada por Guima San da GypsyLab, os participantes vão criar wearables capazes de acionar sensores de contato para disparar as funções desejadas para quem pedala nas ruas de São Paulo. (Dias 9, 11, 16 e 18/1)
>>In.Vestíveis – Interfaces programadas para vestir humanos
Roupas são interfaces de comunicação, impressões e expressões. Mas e se, além disso, elas pudessem agregar sensores e informações? Essa é a proposta da aula da GypsyLab, que aborda novas interfaces programadas para vestir humanos. (Dias 10, 17, 24 e 31/1, além de 7/2)

 

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