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Espelho de nós

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti

 

Recentemente pensei sobre quais foram os caminhos que me levaram a atuar na área socioambiental a partir da educação não formal.

De uma forma inexplicavelmente bonita, as respostas vieram a partir da lembrança de uma fala de Raquel Trindade no Sesc Piracicaba, em que ela contou ao público quem foram seus ancestrais, num profundo sentimento de agradecimento ao papel que eles tiveram em sua vida.

Logo, percebi que a essência do meu trabalho está nas narrativas de vida que, principalmente, minhas avós de origem nordestina e rural me contaram e que se tornaram um dos elementos primordiais para minha leitura de mundo.

Da avó materna, histórias de uma vida que, apesar de árida, revelam a sabedoria de viver em comunidade, de plantar sem veneno e cuidar da floresta, de saber construir uma casa, de bordar e costurar e de saber produzir quase todos os utensílios necessários no dia a dia.

Da avó paterna – histórias dos seres da floresta, de como os bichos e as plantas conviviam com as pessoas e juntos vivenciavam as mais fantásticas aventuras, nesse lugar de encantos e mistérios para além da nossa compreensão. 

Carregando dentro de mim essas narrativas, participei de viagens ao estado do Maranhão e Mato Grosso, onde conheci diversas iniciativas socioambientais mobilizadas por comunidades rurais e urbanas, que visavam aliar a conservação da natureza e o desenvolvimento local por meio da produção agroecológica de alimentos, turismo ecológico, produção de artesanatos, viveiros educadores, gestão comunitária das florestas, formação em educação ambiental para crianças, jovens e adultos.

Foi nessa possibilidade de encontro e diálogo que eu me identifiquei e me reconheci como pessoa e profissional, como se olhasse para um espelho. Descobri que essas mobilizações nascem do sentimento de pertença e cuidado com a natureza, entendendo o ser humano como parte disso tudo. Nessa lógica, destruir o patrimônio natural e outras formas de vida significaria destruir a nós mesmos, no sentido mais direto e ecológico de sobrevivência e interdependência, como também no sentido cultural e simbólico.

Acredito que são as iniciativas da sociedade civil organizada, ao considerarem o contexto territorial, o diálogo entre saberes e conhecimentos e conseguirem influenciar as políticas públicas, que trarão outros arranjos sociais de relação mais justa e equilibrada com a natureza diante de um modelo de sociedade pautado no crescimento econômico infinito e na lógica do consumo excessivo.

Esses ingredientes juntos revelam o caráter educativo e transformador das iniciativas socioambientais, uma vez que despertam na coletividade a leitura crítica do mundo a partir do território; dão capilaridade às discussões ao envolver escolas, equipamentos públicos e empresas locais; promovem a sensibilização para a participação cidadã e contribuem com o processo de construção de uma cultura da sustentabilidade, que se dá na perspectiva da ação-reflexão-ação.

Eduardo Galeano nos traz, no conto “Mundo”, que um homem da aldeia de Neguá da Colômbia conseguiu contemplar a vida humana dos céus e relatou que somos um “mar de fogueirinhas”, cada pessoa brilhando com sua luz própria entre todas as outras.

Em tempo de crises e inquietações que vivemos, como construir uma sociedade pautada em valores éticos que promovam o desenvolvimento das pessoas, a valorização das culturas e o respeito ao equilíbrio ecológico, permitindo a cada ser humano ser feliz e brilhar na potência máxima de sua luz? As iniciativas socioambientais comunitárias são um dos caminhos para alimentar essa chama, que em mim já está acesa.
 

Gabriela Graça Ferreira é graduada em Gestão Ambiental pela USP e especialista em Educação Ambiental. Atua na equipe técnica da área Educação para a Sustentabilidade na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.