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Entre irmãos

Para pesquisador, teatro latino-americano concentra originalidade, que o diferencia da produção de outras regiões


Há mais de 20 anos, o argentino Jorge Dubatti se dedica aos estudos do teatro e seus desdobramentos, pesquisando a filosofia da cena não apenas no ambiente acadêmico, mas também na prática da dramaturgia.

Em 2001, criou a Escola de Espectadores em Buenos Aires, propondo uma imersão na produção contemporânea, no contato com o espectador e na relação deste com os espetáculos.

O autor esteve em São Paulo para lançar o livro O Teatro dos Mortos: Introdução a uma Filosofia do Teatro (Edições Sesc, 2016) e conversou com a Revista E sobre os temas abordados na publicação e os desafios do teatro contemporâneo. Acompanhe os melhores trechos.


Foto: Matheus José Maria
 

O que só nós temos

O tema central do livro [O Teatro dos Mortos] é o lugar do teatro contemporâneo, com base em diferentes abordagens, desde a relação com a tecnologia, a experiência gregária de reunir pessoas, a memória, a política. São diferentes formas de se aproximar dessa maravilha que é o teatro. Parece mentira, porém, na sociedade contemporânea, quanto mais a tecnologia se potencializa, o teatro se fortalece, sendo uma forma de produção artística na qual o corpo é fundamental.

Outro assunto é o desafio do teatro no meio acadêmico, relacionado à produção de conhecimento. Estou muito satisfeito que o livro tenha sido traduzido no Brasil. Vejo como um reflexo do momento latino-americano de estarmos atentos à produção de conhecimento que fazemos, estamos lendo um ao outro, temos uma troca mais intensa. Continuamos a ler os teóricos franceses, italianos, norte-americanos, mas nos últimos 15 anos estamos começando a reconhecer o pensamento e os estudos sobre teatro existentes na América Latina: confluência de ideias da Argentina, Chile, Peru, Brasil, Colômbia. Há grandes pensadores do teatro em todos esses países e noto como estamos sensíveis a essa troca.

Vejo aumento de interesse por alguns dramaturgos e artistas teóricos da América Latina, como Mauricio Kartun, Ricardo Bartís e Eduardo Pavlovsky (Argentina), Nelson Rodrigues e Augusto Boal (Brasil), Miguel Rubio e Mario Delgado (Peru), Enrique Buenaventura e Santiago García (Colombia), Víctor Hugo Rascón Banda e Luis de Tavira (México), Marco Antonio de la Parra e Ramón Griffero (Chile), Sergio Blanco (Uruguai), Marcos Malavia (Bolivia), Carlos Celdrán (Cuba). Atribuo isso à originalidade do pensamento desses autores, bem como à riqueza da obra produzida por eles, ou seja, a obra artística e o pensamento estão no mesmo nível de excelência. E, acima de tudo, existe uma ancoragem na territorialidade latina, o que torna esse teatro muito diferente da produção europeia ou norte-americana.

Convívio e tecnologia

O teatro pode incluir – como constatamos na história – todo tipo de recurso tecnológico, mas não pode renunciar ao corpo, ao convívio entre as pessoas. Teatro é corpo e tecnologia somados, não apenas tecnologia. Para entender, devemos distinguir dois paradigmas existenciais: convívio e “tecnovívio”. O teatro é baseado no primeiro, embora possa, partindo do convívio, incluir a tecnologia. Se o corpo em cena desaparece, perde a força, estamos falando de uma mudança de paradigma, no sentido de que pensar a cena sem convívio exige uma categoria diferente.

Podem-se distinguir duas grandes formas de tecnovívio: o tecnovívio interativo (telefone, chat, mensagens de texto, jogos em rede, Skype etc.), no qual se dá a conexão entre duas ou mais pessoas; e o tecnovívio monoativo, no qual não se estabelece um diálogo, mas a relação de uma pessoa com uma máquina ou com o objeto ou dispositivo produzido por essa máquina, cujo gerador humano se ausentou no espaço e/ou no tempo. Sem convívio não há teatro, por isso ele não pode ser feito na televisão, no cinema, no rádio ou na web.

Uma obra teatral pode incluir cinema, televisão, computadores, telefones celulares, transmissão de imagens via satélite, mas não pode subtrair a presença dos corpos no convívio. Nesse caso, recorro aos símbolos matemáticos de maior e menor, decidindo que: artes teatrais (artes de convívio, corporais) < artes cênicas < artes do espetáculo (que incluem cinema, arte digital etc.).