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Sociedade da informação

A comunicação por meio das tecnologias digitais fez surgir uma esfera pública interconectada, que usa deste espaço para debater diversos assuntos, como temas políticos e do cotidiano. Quais as novas relações de poder que se estabelecem pelo uso das redes digitais de comunicação e informação? Como ficam as relações entre Estado e sociedade civil intermediadas pela internet? Estariam os representantes se utilizando das tecnologias de informação e comunicação para interagir com os cidadãos, de forma a reconstruir a relação entre ambos? Discutem o tema o professor da Universidade Federal do ABC, pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política, Claudio Luis de Camargo Penteado e o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG) Marcus Abílio Pereira.


Ilustração: Marcos Garuti
 


Poder e liberdade

por Claudio Luis de Camargo Penteado


A revolução tecnológica estruturada na microinformática e no desenvolvimento de tecnologias de comunicação digital, que marcou o final do século 20, levou a um acelerado processo de digitalização das informações que trafegam em uma rede global de comunicação, constituindo o que hoje chamamos de Sociedade da Informação.

Esse novo arranjo societal está reestruturando os processos produtivos da sociedade capitalista industrial, no qual, além da mercadoria, a informação e a comunicação passam a ser elementos-chave no processo produtivo. Nessa nova configuração, que alguns autores estão chamando de nova etapa do capitalismo (informacional ou cognitivo), estão surgindo novas formas de poder, liberdade e subjetividades.

A sociedade fabril, representada pela parábola do clássico filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, está cedendo lugar para a nova metáfora da Sociedade da Informação, na qual a digitalização da vida, em suas várias dimensões, pode ser visualizada no filme Matrix, de 1999, dirigido pelos irmãos Wachowski, em que os hackers assumem o papel de resistência contra a dominação maquínica do código e das mentes em lugar dos sindicalistas de porta de fábrica que lutavam contra a mecanização do trabalho humano.

Apesar de haver uma grande parcela da população excluída do acesso às tecnologias de informação e comunicação, hoje um número crescente de pessoas interage diariamente (mesmo que  indiretamente) por meio dos dispositivos comunicacionais da internet. As interações online assumem diversos formatos (email, chat, blogs, redes sociais etc.), produzem novas sociabilidades e reconfiguram as práticas interacionais tradicionais para o espaço digital.

A ação política também ganhou novas práticas, como foi possível testemunhar nos eventos da Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, Occupy Wall Street, as Jornadas de Junho de 2013 no Brasil, além de outros eventos mundiais nos quais as redes sociais de internet tiveram um papel central na mobilização e divulgação de informações que levaram milhões de pessoas às ruas para protestar, inaugurando uma nova onda de protestos online.

A mudança estrutural da comunicação, forjada em redes globais de telecomunicações digitais, tornou o processo comunicacional mais complexo. A rápida circulação de informações em rede distribuída altera o processo tradicional de comunicação com centros produtores de informação. A formação dessa nova ecologia das comunicações é caracterizada pela construção de um espaço discursivo ilimitado, no qual diferentes usuários com acesso à rede podem produzir, transmitir e compartilhar conteúdos de diferentes temas e interesses. Nesse ambiente floresce uma esfera pública interconectada, que passa a debater diversos assuntos, entre eles temas políticos e do cotidiano.

Essa nova configuração de esfera pública digital, mais aberta para a participação autônoma dos usuários, se tornou um importante espaço para o debate político, para a mobilização e para a participação cidadã. Assistimos à explosão de conflitos entre diferentes visões e perspectivas ideológicas existentes na sociedade, principalmente nas redes sociais, como ficou evidente a partir das eleições presidenciais de 2014 e dos protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

Dentro dessa nova configuração social informacional surgem dilemas da Sociedade da Informação. Um dos dilemas está associado à expansão do uso de aplicativos, principalmente para o acesso por meio de aparelhos celulares e smartphones: ao mesmo tempo que está popularizando o acesso à internet, está limitando a experiência que a rede mundial de computadores pode oferecer. O uso de aplicativos direciona o usuário aos serviços existentes e dificilmente possibilita a navegação em outros sites e hiperlinks.

Um segundo dilema está relacionado ao controle algorítmico dos softwares de navegação, principalmente em mídias sociais. Com o objetivo de tornar mais prática e “agradável” a navegação ou o uso do programa, são desenvolvidos algoritmos para identificar o perfil do usuário. Esse tipo de “facilidade” acaba por restringir a liberdade de navegação dos usuários, que ficam sendo sugestionados pelo algoritmo a seguir um tipo de comportamento predeterminado, dificultando o acesso a diferentes perspectivas.

A formação de um mercado de dados pessoais, rastreados por meio de cookies ou informações publicadas em redes sociais, insere outro dilema relacionado à violação da privacidade. A coleta de dados por meio de sofisticadas técnicas de análise de Big Data possibilita a formação de propagandas customizadas que invadem a timeline dos usuários, assim como permite a formação de bancos de dados de milhões de usuários.

As informações coletadas também podem ser utilizadas por empresas para vigiar seus funcionários, por empresas de recursos humanos para selecionar candidatos ou mesmo por empresas de vigilância a serviço do Estado, como o caso Snowden de espionagem estadunidense e o controle estatal chinês dos conteúdos veiculados na internet.

A formação de um modelo comunicacional customizado é outro importante dilema da Sociedade da Informação. As interações online ocorrem entre indivíduos em espaços privados, na maioria dos casos, direcionados por algoritmos. Esse tipo de relação favorece um processo de individualização e clusterização, no qual a perspectiva individual prevalece sobre uma perspectiva coletiva. Esse ambiente, em vez de integrar usuários com diferentes perspectivas, acaba por levar à formação de grupos polarizados com dificuldade em estabelecer um diálogo, resultando em radicalização dos conflitos e intolerância, como temos presenciado nos últimos anos.

A consolidação da Sociedade da Informação, assim como na sociedade industrial, está sendo construída por processos contraditórios, como o surgimento de mecanismos de controle e poder que restringem e redefinem a ideia de liberdade, colocando inúmeras questões a serem discutidas do ponto de vista social, cultural, moral e ético. Se na sociedade industrial o controle era exercido pelas instituições disciplinares foucaultianas (fábrica, família, Estado etc.), na Sociedade da Informação o controle está disperso nos mecanismos de modulação e persuasão, em que os indivíduos livremente se entregam ao controle dos algoritmos das “tecnologias inteligentes”, que os direcionam por sugestões e indução às mentes de acordo com os formatos e valores de uma sociedade do espetáculo e do entretenimento.

Contudo, também surgem novos dispositivos de contrapoder e liberdade. A possibilidade de uma comunicação distribuída permite um processo comunicativo com maior liberdade e acesso a fontes diferentes de informação, quebrando o monopólio de agendamento das grandes empresas midiáticas. Também existe a construção de modelos colaborativos de produção de inteligência coletiva, como o exemplo da Wikipedia. No campo político, emergem novos modelos de ativismo e hacktivismo como alternativas de construção de inovadoras formas de ação política criada de maneira rizomática e horizontal, propondo formas colaborativas de atuação da sociedade civil para além do campo institucional.
 

Claudio Luis de Camargo Penteado é professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) e do LabLibre da UFABC.

 

Em busca do elo perdido entre representantes e representados

por Marcus Abílio Pereira

Democracias em todo o mundo têm sofrido com problemas como corrupção, falta de transparência, influência de grupos econômicos sobre os governos e relações hierarquizadas de poder, que acabam por dificultar a participação popular nos processos decisórios. As consequências desse cenário, entre outras, são: perda de confiança no sistema político-partidário, ausência de identificação com os representantes, diminuição no número de filiações nos partidos políticos e da participação de cidadãos nos processos eleitorais e aumento da apatia política. Para além dessas consequências, temos nos países latino-americanos, mais especificamente no Brasil, uma profunda insatisfação com os resultados dessas democracias em termos de justiça social, eficácia governamental e inclusão política.

Nas sociedades contemporâneas, a conexão entre o aumento da informação política disponível na internet e o potencial incremento do nível de conhecimento dos cidadãos tem chamado a atenção de acadêmicos, políticos, jornalistas e de toda a sociedade. Portanto, uma das possíveis soluções para os elencados problemas de nossas democracias seria a ampliação dos canais de informação e comunicação entre representantes e representados, a partir da adoção de estratégias de apropriação das tecnologias de informação e comunicação (TICs), mais especificamente a internet. A pergunta que fica, dessa forma, é: Estariam os representantes se utilizando das tecnologias de informação e comunicação para interagir com os cidadãos, de forma a reconstruir a relação entre ambos?

A implementação da democracia digital, aqui entendida como a adoção de meios digitais tanto pelo Estado quanto pela sociedade na busca pelo aprofundamento democrático, poderia reforçar os mecanismos de controle e prestação de contas dos cidadãos, aumentar a transparência das tomadas de decisões políticas, criar mecanismos de participação política e canais públicos de informação e deliberação, com o intuito de favorecer o provimento de informações e a tomada de decisões mais qualificadas por parte dos parlamentares.

Mesmo com essas possibilidades, existem fatores que dificultam a implementação de uma política de interação digital parlamento/sociedade, sendo uma delas a capacidade que os atores institucionais possuem de convencer os cidadãos e cidadãs a participar dos espaços digitais institucionais desenvolvidos pelos atores estatais, tais como portais de prefeituras, governos estaduais e federais, assim como portais de casas legislativas nos três níveis de governo. A simples existência de espaços de interação digitais institucionais não garante a transformação de indivíduos apáticos em cidadãos politicamente ativos.

Mesmo com todo o investimento em recursos financeiros, humanos e de tempo despendido pelas instituições estatais, a resposta dada pelos cidadãos por meio da participação tem sido aquém das expectativas, como iremos demonstrar em um dos estudos a seguir. Entre outros motivos estão, por exemplo, a incapacidade de desenvolvimento de espaços mais amigáveis e informais, que tornem a relação entre os participantes mais igualitária, menos direcionada e controlada por seus promotores. Há também uma desconfiança por parte da população, relativa à eficácia da participação digital nesses espaços institucionais. Apesar dessas constatações, devem os agentes públicos abrir mão dessas iniciativas de democracia digital? Acreditamos que não, pois isso significaria a diminuição da legitimidade da atividade política institucional.

Nos últimos anos, o Centro de Pesquisas em Política e Internet (CEPPI-UFMG) tem desenvolvido pesquisas com o intuito de analisar os potenciais democratizantes das tecnologias de informação e comunicação. No presente texto iremos apresentar mais especificamente duas pesquisas relativas à adoção de TICs por agentes estatais na busca por maior aproximação com cidadãos e cidadãs.

Na primeira pesquisa1 buscamos analisar a apropriação pelos deputados federais das ferramentas digitais “Fale com o Deputado”, “Fórum” e “Salas de Chat” disponibilizadas pelo Portal da Câmara dos Deputados2 através de uma pesquisa quantitativa3. Em relação à questão sobre a apropriação das ferramentas analisadas pelos parlamentares, os dados coletados nos permitem afirmar que esses dispositivos digitais são pouco utilizados pelos nossos representantes. A partir do índice de utilização das ferramentas digitais por nós desenvolvido, pudemos constatar que apenas 51,3% dos parlamentares possuem um índice alto de utilização delas, 16,2% possuem um índice médio de uso e 32,5% possuem um índice baixo de utilização dessas ferramentas.

A segunda questão que nos motivou durante a pesquisa foi a possibilidade das interações digitais entre cidadãos e parlamentares influenciarem as decisões destes últimos. Duas foram as possibilidades desenvolvidas no questionário: a primeira, na qual os parlamentares seriam influenciados pelas posições dos cidadãos quando aqueles não tivessem uma opinião formada sobre o tema em discussão. Outra questão que levantamos foi a possibilidade de os parlamentares modificarem suas posições já estabelecidas em função da interação digital com os cidadãos. Os resultados encontrados foram bastante interessantes. Os parlamentares que fazem um alto uso dos dispositivos digitais (64,4%) são os mais influenciados pelas posições dos cidadãos manifestadas nas ferramentas digitais quando há questões em conflito. Quando não há questões em conflito entre representantes e representados, os parlamentares que fazem alto uso das ferramentas também são aqueles mais sujeitos a serem influenciados (58,9%).

A segunda pesquisa4 analisou a apropriação das redes sociais digitais5 por parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no período de março a setembro de 20136. Os resultados são bem interessantes, pois dos espaços de sociabilidade digitais analisados todos foram apropriados por pelo menos 50% dos representantes (com exceção dos blogs), sendo que 66 possuem Twitter; 59, canais no YouTube; 48, página no Facebook; 49, perfil no Facebook; e 39, Flickr. Outro dado relevante é a constatação de que 63 de 77 parlamentares mineiros se apropriaram de mais de quatro das oito ferramentas digitais analisadas.

Mesmo levando em consideração que as pesquisas tratam de representantes de níveis distintos (Câmara Federal e Assembleia Legislativa Estadual), a partir da comparação entre esses dois universos pudemos constatar que os representantes, de uma forma geral, tendem a se apropriar mais das redes sociais digitais privadas que dos espaços institucionais digitais. Não sabemos se alguns parlamentares partem do pressuposto de que os cidadãos não participam dos espaços institucionais digitais criados pelas casas legislativas ou se simplesmente estão preocupados em adotar uma “linguagem” mais contemporânea de comunicação, mas fica claro o esforço em ir às redes sociais digitais na tentativa de interagir com os cidadãos, indo até onde estes se encontram.
 

Marcus Abílio Pereira é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG).

 


1  Esta pesquisa foi desenvolvida conjuntamente com o professor Manoel Leonardo Santos e com a doutoranda Helga do Nascimento de Almeida, ambos do programa de pós-graduação do DCP-UFMG.
2  http://www2.camara.gov.br/
3  O survey foi realizado em 2010 e conta com uma amostra de 129 dos 513 parlamentares da Câmara dos Deputados, o que representa 25,1% da população. Para um nível de confiança de 95%, o erro teórico é de ±7,4 para o conjunto da amostra. A amostra é estratificada por partidos e apresenta diferentes erros para cada um deles. Mas, como não são realizadas aqui análises por partidos, considera-se o erro amostral para o conjunto dos dados.
4  Esta pesquisa foi desenvolvida em parceria com a professora Natália Guimarães Duarte Satyro, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do DCP-UFMG.  
5  Site pessoal, Orkut, blog, perfil no Facebook, página no Facebook, YouTube, Twitter e Flickr.
6  Para tanto, desenvolvemos um banco de dados que contém informações acerca da presença e do tempo de permanência dos parlamentares nessas plataformas digitais, assim como a intensidade do uso das ferramentas.