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No princípio, era o barro
Uma das mais antigas formas de expressão da humanidade, a cerâmica ganhou diversidade técnica e estética no Oriente e se espalhou pelo mundo
Companheira do homem desde que ele deixou as cavernas, a cerâmica também avançou com as civilizações, fazendo parte da história da arte e da arquitetura. Criação multiuso, aparece como objeto ritualístico, decorativo ou utilitário no cotidiano dos grupos humanos.
A argila é o começo de tudo. Após ganhar contornos pela mão do artesão, o barro se transforma a partir do processo de cozimento, feito em fornos específicos. A dupla argila e fogo é empregada desde o período Neolítico (Idade da Pedra Polida) em objetos utilitários ou ritualísticos, como vasos, urnas e cuias.
Na Antiguidade, ampliou-se o escopo da cerâmica e sua complexidade, cujo uso não se restringia a certos grupos sociais. Cada um, a sua maneira, extrapolava o potencial criativo da argila. Registra-se o encontro de peças esparsas ainda nos anos 5.000 a.C, na Anatólia (Ásia Menor). Também há vestígios comprovados na Grécia, em peças que contavam conquistas em guerras e batalhas. Surgida na pré-história, foi ampliando sua presença e sua relevância ao longo dos anos.
Oriente-se
Desde que o homem abandonou o nomadismo, desenvolveu receptáculos feitos de barro e queimados ao sol. Com os avanços tecnológicos, iniciou a queima das cerâmicas, garantindo-lhes resistência. Os primeiros exemplos dessa dinâmica se deram no Oriente, de onde se expandiu para outras regiões, influenciando criações.
Porém, é importante considerar o termo “Oriente” em sentido amplo. “Quando digo Oriente é necessário esclarecer a que me refiro, pois posso pensar no Oriente Médio, com exemplos magníficos de cerâmica, ou no Japão, na China, na Coreia”, enumera a artista e professora Norma Grinberg, que trabalha com cerâmica desde 1972. A especialista reforça ainda que cada uma delas possui características específicas na produção e estilo.
Ouro branco
A China deu um grande salto no século 6 com a descoberta da porcelana. Centenas de anos mais tarde, já no século 14, depois que o material começou a ser exportado para a Europa, ele passou a ser chamado de ouro branco e contribuiu positivamente para a economia chinesa. No Brasil, a porcelana chegou com os portugueses. “Essa porcelana era exportada para o Brasil devido à presença da corte portuguesa”, comenta Norma. “Na Bahia, há um museu [Museu de Arte Moderna da Bahia] com exemplos de porcelanas importadas pela Cia. das Índias que reforçam tal fluxo.”
A ceramista Ivone Shirahata também salienta elevado nível técnico e estético da cerâmica no Oriente, em especial na China e no Japão, que serviram de referência a outros povos que buscavam encontrar o próprio caminho de dar forma ao barro, inclusive o Brasil. “Na década de 1920, Bernard Leach, ceramista e filósofo inglês, visitou o Japão e se encantou com o trabalho de Shoji Hamada, um dos mais renomados ceramistas do século 20. No Brasil, essa cerâmica de alta temperatura, queimada em forno a lenha, com características rústicas e formas orgânicas, passou a ser mais conhecida graças à ceramista Shoko Suzuki”, afirma.
Pioneira no Brasil
A ceramista Shoko Suzuki prepara a argila e usa modelo de forno do século 15
Durante os meses de janeiro e fevereiro, o Sesc Ipiranga recebeu Universo – Exposição de Shoko Suzuki. A artista também participou de um encontro programado para que o público aquecesse o olhar para as 23 obras expostas, produzidas entre 1969 e 2016 e pertencentes ao acervo pessoal de Shoko Suzuki, pioneira em cerâmica japonesa no país.
Suzuki nasceu em Tóquio em 1929 e vive no Brasil desde 1962, onde construiu sua obra num processo criativo dominado de “ponta a ponta” pela artista: ela prepara a argila que dará forma a suas peças, modela e faz a queima em forno tipo noborigama – originado no Japão entre os séculos 15 e 16, e com forma padrão, divisórias internas e funcionamento com lenha.
Para a ceramista Ivone Shirahata, aluna de Shoko e responsável por seu acervo, ela é “uma das grandes ceramistas que conseguem conciliar a tradição e a inovação nessa arte”. O acervo de Shoko Suzuki está aberto à visitação no Atelier Terra Bela, em Cotia, São Paulo.
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