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Reaproveitando e redescobrindo caminhos: O poder transformador do coletivo

Era a última quinta-feira do mês de janeiro, uma pequena caminhada e lá estávamos, em frente ao portão do Centro Comunitário ao lado da Catedral São Francisco Xavier. O local é mantido pela Igreja Católica e suas salas abrigam alguns projetos da comunidade local.

Numa rua tranquila, ouve-se apenas o canto dos pássaros. Adentramos uma sala, seis mulheres estavam à nossa espera. Entre olhares ansiosos e tímidos sorrisos, cumprimentos de boas-vindas nos acolhem.

Maria Shibata e Rosana Rocha, apoiadoras do Projeto Novo Velho Jeans, nos apresentam o espaço e nos deixam à vontade para começar a conversa.

O cenário da sala é composto por máquinas de costura, linhas, tecidos (especialmente jeans), botões e outros acessórios para costura, uma lousa e uma grande mesa de madeira usada para a marcação e corte dos tecidos. Uma arara com bolsas, mochilas e outras peças chama a nossa atenção. Os belos produtos pendurados sobre ela são o resultado de toda a história que pouco a pouco vai se desenhando através da fala de Rute, Silvia, Juliana e Cida.

Elas recordam que, há menos de um ano, não tinham a menor noção de costura, com exceção de Cida - que já havia feito um curso rápido. Todas as participantes descrevem a alegria e os desafios do novo aprendizado. Juliana, Rute e Silvia moram no Jardim Paulistano e Cida na Vila Nova, na cidade de Registro.

Rute, alegre e extrovertida, nos conta da sua dificuldade em aprender a costurar. No entanto, nos revela que o segredo é perseverar. A cada nova criação, ela persistia até conseguir e, orgulhosa, nos mostra uma das peças que criou: uma capa de agenda, onde o bolso da antiga calça jeans pode ser usado para colocar itens como canetas, celular, dinheiro, etc. Demonstramos nosso encantamento com a ideia e ela conclui entusiasmada: “Se eu, que ainda não sei quase nada, consigo fazer algo assim com jeans, imagina uma pessoa que sabe mais e tem mais criatividade, quantas coisas pode fazer com o jeans!”.

Perguntamos a elas porquê reaproveitar o jeans. A resposta vem em coro: “Para não ir para o lixo!

Cida esclarece que a maior parte do jeans que elas utilizam na confecção provém de doações. São retalhos da indústria têxtil, ou ainda roupas que apresentaram algum tipo de defeito que impediu a comercialização. Maria e Rosana, apoiadoras do projeto idealizado pelo Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania do Vale do Ribeira - Idesc, são responsáveis pela captação dessas doações junto às indústrias.

O Idesc, fundado em 2001, tem sede na cidade de Registro e atuação em todo o Vale do Ribeir. Seu trabalho visa contribuir para a promoção da cidadania plena dos moradores do Vale do Ribeira, em todos os aspectos sociais, econômicos, educacionais, culturais e históricos. Para isso, desenvolvem programas e projetos, realizam eventos, capacitações, prestam assessoria técnica e consultoria, sempre com foco na sustentabilidade ambiental e autonomia econômica das comunidades.

O Projeto Novo Velho Jeans começou em novembro de 2015, com o objetivo de promover a autonomia econômica de mulheres em contexto de vulnerabilidade social. Durante o último ano, essas mulheres se reuniram duas vezes por semana e, além de aprender a costurar, tiveram aulas de planejamento, administração, visitaram outros municípios, onde puderam conhecer outras realidades e expandir sua visão de mundo, participaram de eventos expondo e vendendo seus produtos. Aprenderam a organizar a produção, trabalhar com prazos e dividir de forma justa, o lucro do trabalho coletivo.

A tarde chuvosa estende o encontro, café quentinho e risos descontraídos alimentam a conversa, que segue ganhando novos rumos. Dessa vez, questionamos o que é preciso para conseguir costurar.

Silvia é rápida na resposta: “Paciência!” e, sorrindo, reforça: “Muita paciência!”. Destaca também a importância da concentração. Cida concorda, exemplificando que certa vez conversava animadamente enquanto produzia uma bolsa, em certo momento, percebeu que estava ficando tudo torto. Teve que ficar em silêncio e prestar muita atenção para refazer a peça.

Persistência é uma qualidade apontada por todas. Elas contam que no início o grupo era formado por dezesseis mulheres, hoje são apenas seis. Duas delas não estavam presentes nesta tarde. Muitas desistiram ao longo do caminho, não conseguiram superar as dificuldades.

As dificuldades que elas relatam vão além do universo das agulhas e tesouras.

A distância do bairro onde moram, deixar a casa, os filhos e os afazeres, mesmo que por algumas horas, para se dedicarem a uma atividade em favor de si mesmas, nem sempre é fácil.
Além do aprendizado, esses momentos são importantes para “descansar um pouco a cabeça dos problemas do dia-a-dia”, comenta Rute.

Hoje, o que surgiu como um projeto se transformou num poderoso coletivo de mulheres que trabalham juntas, compartilhando experiências, dividindo tarefas e amparando umas às outras.

De maneira muito natural, valores essenciais para a vida passaram a fazer parte da rotina dessas mulheres, como o cuidado com o meio ambiente, a destinação do lixo, o consumo consciente, a solidariedade, a cooperação, a independência, os direitos da mulher, entre outros.

No mês de fevereiro elas estarão no Sesc Registro, dessa vez para ensinar. A oficina de Reaproveitamento de Jeans acontecerá todas as quartas-feiras, a partir do dia 08/02.

Certamente, quem participar dessa atividade irá aprender muito mais do que criar belos artigos usando o jeans.
Será uma oportunidade para refletir sobre a nossa relação com o planeta e com o outro; pensar no papel que cabe a cada um de nós na busca por um mundo melhor onde as pessoas possam voltar seus olhares para a qualidade nas relações humanas, o respeito às diferenças, a solidariedade, a sustentabilidade ambiental e discutir sobre novos modelos de produção e consumo.

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