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Alçar voo com Maria Gadú
No dicionário indígena “Guelã” significa gaivota. Este foi o nome escolhido para o novo álbum de estúdio da cantora Maria Gadú, lançado após um hiato de quatro anos. A artista dá voz aos seus próprios voos e ao seu silêncio.
Gadú é a própria Guelã. Ave e livre.
Maria Gadú abriu sua caixa de pandora, onde a luz é sombra e a música ecoa. Com toda sensibilidade, aprendizado e mudança que adquiriu ao longo de seus 30 anos, ela registrou o processo criativo deste lindo trabalho em um documentário intitulado “A Terceira Asa”. A própria diz que o registro fecha um ciclo, uma etapa de vícios e recuperação de sua voz.
Guelã é mutação e deixa claro o quanto a paulistana mudou e descobriu novos caminhos com uso da guitarra, percussões africanas e o silêncio interior. Um silêncio cármico depois de toda a maravilha de artistas como Gil, Caetano, Lenine, entre outros, com quem trabalhou.
Com a liberdade à flor da pele, Maria Gadú conta em entrevista à EOnline sobre seu alçar de asas.
Eonline: Como foi para você cantar ao lado de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Lenine? O que esses e outros cantores significam para sua trajetória?
Maria Gadú: Foi e é magico estar perto de pessoas que tanto gosto e admiro. Poder aproximar sua arte da do seu mestre é sempre indescritível. Me sinto honrada e sortuda por ter tido oportunidades como essas. Mestre é mestre. Ensina desde as coisas mais simples, como se comunicar, até as mais complexas, como um pensamento prolixo, até uma identidade sonora. Sem contar a delicia que é desfrutar da arte majestosa como ouvinte e nada mais. Isso muda tudo.
Eonline: Como e por que surgiu a ideia de fazer um documentário sobre “Guelã”? Quais foram os maiores aprendizados que você adquiriu nesse processo?
Maria Gadú: Ao longo dos anos, Lua foi registrando, sem pretensão, alguns momentos do processo criativo do disco. Quando resolvemos registrar o show, pensamos que seria interessante ilustrar o argumento com a imagens. Como meu processo criativo mudou muito, achei uma boa oportunidade mostra-lo. Vários aprendizados sérios. O silencio é um dos maiores. Também respeitar o tempo das coisas.
Eonline: No documentário você diz que passou a ler compulsivamente, e de tudo. Quais títulos mais te inspiraram? O que essas novas leituras acrescentaram em suas composições?
Maria Gadú: Li muito Mia Couto e José Eduardo Agualusa, autores africanos que trouxeram um tom de terra pra minha vida. Também Haruki murakami e seus devaneios entre o hiper real e cotidiano e a surrealidade sensitiva. Relatos históricos (e tristes) da jornalista chinesa Xinran, ou também maravilhas do húngaro Sandor Marai. Tudo esse mesclado de culturas, identidades, formas verbais e vocabulário dão extensão à sua forma de falar e escrever.
Eonline: Você também comenta que o álbum é sobre você: tosco, bonito e feio. O que levou você a ter essa imagem de si mesma?
Maria Gadú: Acho que tudo é meio isso, depende do dia, da forma de ver, do humor, do clima. Não acho que seja só à mim essa referência, mas às coisas todas também. Estamos acordando e dormindo todos os dias sempre de formas discrepantes. Tem dias que consigo fluir, admirar e ser admirada. Outros não passo nem perto de qualquer compreensão. Tudo é bom e ruim.
Eonline: “Guelã” é voar, liberdade. Como é ser livre atualmente com tantas “amarras” impostas pela sociedade?
Maria Gadú: A Sociedade sempre vai impor alguma coisa. Isso se dá ao acumulo de ideias e pessoas. Estamos sempre jogando a favor ou contra algo. A liberdade, ao meu ver, fica dentro de ter essa consciência. A grande sacada do não julgamento, da compreensão. Me sinto livre quando compreendo o outro. Concordando ou não, acho chique ver verdade em tudo.
Eonline: Você está na estrada há algum tempo. É possível traçar algumas diferenças do cenário musical de hoje para quando você começou? A sociedade está diferente?
Maria Gadú: Temos grandes e relevantes diferenças. A mudança das plataformas de comunicação, por exemplo, afeta (positivo/negativo) o cenário musical atual. Temos uma grande safra de músicos independentes maravilhosos, com estrutura autossuficiente movimentando-se pelo Brasil. Ao mesmo tempo ser “porta de si mesmo” sucateou muitas coisas. Recentemente recebemos a noticia que a rádio MPB FM, do Rio de Janeiro, fecharia suas portas. Quando lançamos meu primeiro álbum, a rádio foi extremamente importante para a difusão da minha arte. Ao longo dos anos, o crescimento das plataformas digitais tirou esse ouvinte coletivo e talvez passivo na rota do rádio e o colocou como o “radialista pessoal” de si mesmo. As pessoas montam suas próprias playlists.
Maria Gadú se apresenta no Sesc Taubaté, no dia 23 de março. No dia seguinte, 24, o show é no Sesc Jundiaí.