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Novas tecnologias copiam a natureza
Por: REGINA ABREU
“Melhor gastar com comida do que gastar com farmácia”, opina Maria do Carmo Curti de Mello, junto com a filha Cyntia, na feira de orgânicos do bairro Jabaquara, zona sul de São Paulo. Estes produtos são mais caros que os convencionais cultivados com fertilizantes e defensivos químicos. Em compensação, é mais do que sabido, são mais saudáveis e ajudam a preservar o solo e o meio ambiente. E essa consciência vem aumentando entre os consumidores e, como na lei da oferta e da procura quem manda é a procura, tem crescido a oferta de produtos orgânicos a despeito dos preços de mercado.
A agricultora Vivian Pires, por exemplo, trabalha na área de orgânicos, por conta própria, há oito anos. Ela e toda a família – pai, mãe, irmão e duas tias – plantam verduras e frutas em Ibiúna, no interior de São Paulo, que Vivian comercializa em feiras orgânicas com a ajuda do motorista, Estevão Caldeira. Diz que compensa, mesmo pagando R$ 3.800 por ano para obter o certificado de conformidade orgânica. Fez curso para aprender o plantio, semeadura, colheita, embalagem e até a venda, e percebeu que “às vezes preciso da joaninha para comer o pulgão, e da arruda, do extrato de pimenta e do alho para combater algumas pragas”.
Outro produtor satisfeito é Geraldo Rodrigues Junior, que comercializa de 40 a 50 variedades de verduras, legumes e hortaliças. Faz parte da Associação dos Produtores Orgânicos do Alto Tietê (Aproate) desde 2002, diz que seu ramo sempre compensou e que, de três ou quatro anos para cá, o mercado cresceu entre 20% e 30% ao ano. Por isso, a fim de atender a demanda de produtores e consumidores, surgem mais tecnologias, desenvolvidas com o propósito de ajudar a natureza e não o de simplesmente se atritar com ela.
Para entender como isso é possível, é preciso recuar no tempo, pular por cima dos últimos – 10 mil anos, pelo menos. Naquele tempo, quando o homem começou a praticar a agricultura, provocou um desequilíbrio ecológico. Antes, as plantas viviam em equilíbrio com os insetos. Eles tinham que gastar energia para ir atrás da planta de que se alimentavam, e, assim, se reproduziam menos. Com a agricultura de hoje, que reúne um mesmo tipo de cultura num só lugar, a vida dos insetos ficou facilitada: muita comida, muita reprodução.
Para combatê-los, de uns 30 ou 40 anos para cá, o uso de inseticidas químicos se intensificou e trouxe uma série de problemas. É que eles matam a praga que ataca a planta, mas matam também o inimigo natural da praga. Passado o efeito do inseticida, a praga volta em maior população, porque o inimigo natural normalmente demora muito mais tempo para reaparecer.
Lembra o professor José Djair Vendramim, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, no interior de São Paulo, que o primeiro inseticida moderno foi o DDT, descoberto na década de 1940, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Com o produto o homem visava combater insetos como piolhos, pulgas e pernilongos, que transmitiam doenças para os soldados. Em algumas situações, essas doenças matavam mais soldados do que os próprios combates.
Depois do DDT, outros inseticidas foram sendo produzidos. Poucos anos mais tarde, nas décadas de 1950 e 1960, descobriu-se que os inseticidas eram venenosos também para o homem através da cadeia alimentar. No caso do DDT, foram encontrados resíduos do produto no leite, porque ele havia sido aplicado na pastagem em que se alimentavam as vacas. Por isso e por outras sérias consequências, os defensivos naturais começaram a ser pesquisados e estão mais numerosos e difundidos atualmente. São chamados de naturais porque copiam a natureza em várias frentes: numa delas, por exemplo, utilizam componentes químicos dos mecanismos de defesa que toda planta tem. Os defensivos amigos do meio ambiente podem ainda utilizar inimigos naturais das pragas, como insetos, vermes, fungos, vírus etc.
Dupla função
O mercado brasileiro de defensivos agrícolas naturais tem crescido nos últimos anos. Em 2011, existiam 1.352 agrotóxicos químicos registrados no Brasil e somente 26 produtos à base de agentes de controle biológico ou biocontrole. Em 2013, já somavam 50 os produtos para uso em agricultura orgânica e convencional. Nos últimos dois anos, o número de solicitações de registros de produtos biológicos continuou aumentando, o que indica mais interesse por esse tipo de defensivo.
Há, no entanto, um longo caminho ainda a percorrer. Um dos principais produtores agrícolas do mundo, o Brasil é também um dos maiores consumidores de agrotóxicos. A maioria dos defensivos utilizados nas plantações aqui é classificada como “medianamente tóxico” (64,1%) ou “altamente tóxico” (27,7%) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Existe uma tendência mundial de busca de produtos naturais (biológicos e/ou microbiológicos) para o controle de pragas e doenças na agricultura mundial”, comenta Júlio Sérgio de Britto, coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Ele explica que as grandes empresas do setor de agroquímicos já vêm desenvolvendo tecnologias na área dos naturais. Além disso, os novos produtos de origem química têm também sido elaborados na busca de maior especificidade, e não de largo espectro de controle como de início. Dessa forma, busca-se cada vez mais aplicar os conceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP), ou seja, efetuar o manejo da cultura de forma integrada, utilizando a tecnologia disponível até a última alternativa de controle químico, somente se necessária e bem específica para o fim a que se destina.
Entre as pesquisas de defensivos agrícolas naturais que estão sendo realizadas no Brasil, o coordenador do Mapa destaca a utilização de feromônios específicos em programas de monitoramento de pragas. Cita ainda a recente introdução de organismos biológicos (vírus) para o controle da Helicoverpa armigera, com registros emergenciais autorizados pelo Mapa. A tecnologia tem tido excelentes resultados no MIP da devastadora lagarta há pouco introduzida no Brasil e que tem causado muitos prejuízos nos últimos três anos aos agricultores de soja, algodão e milho.
A realidade, as pesquisas ocorrem em todo o Brasil, nas universidades, institutos e laboratórios. Na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no setor de Agrobiologia, com sede em Seropédica, no Rio de Janeiro, por exemplo, há estudos na área de controle biológico voltados para a identificação de insetos conhecidos como inimigos naturais de pragas, e também na identificação de plantas atrativas para esses insetos. A ideia, de forma geral, é que as plantas atraem insetos que se alimentam delas e que, por sua vez, servem de alimento para outros insetos que atuam como agentes naturais de controle biológico. Não é difícil entender esta cadeia, mas, para que ela seja eficaz e funcione, é preciso levar em conta possíveis interações, como, por exemplo, quais espécies de plantas devem ser mantidas junto a determinada cultura para atrair este ou aquele inimigo natural.
Numa outra linha, que envolve mais a parte de biotecnologia, há pesquisas em andamento com “bacteriocinas”. Trata-se de um trabalho (ainda em nível de laboratório), em que os pesquisadores estudam o uso de uma proteína extraída de outra bactéria (bacteriocina) muito comum em cana-de-açúcar, a Gluconacetobacter diazotrophicus, que tem ação antibiótica contra a Xanthomonas albilineans, a bactéria que causa a escaldadura das folhas de cana, doença que provoca grandes perdas ao setor canavieiro.
Ainda na Embrapa trabalha-se numa pesquisa com bactérias do gênero pseudomonas para controle do fungo Rhizoctonia solani, que causa o tombamento das mudas de hortaliças. As pseudomonas (frequentemente associadas a infecção hospitalar, mas não é o caso das que estão sendo estudadas) ainda atuam patrocinando o crescimento das plantas – a ideia é ter um produto com dupla função, ou seja, capaz de ajudar no crescimento das mudas (principalmente na agricultura orgânica) e no combate às doenças.
Pesticida? Aqui não!
O Brasil é o maior produtor mundial de suco de laranja. “Mas o importador europeu não quer saber de agrotóxico no suco dele”, observa o professor Ítalo Delalibera Júnior, do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq. Por isso, entre outras armas copiadas da natureza, é feito o controle biológico de pragas no cultivo da laranja e de outras culturas.
A natureza tem um delicado equilíbrio ecológico baseado na competição em determinado meio ambiente: para evitar que as lagartas proliferem demais, por exemplo, de cada cem que nascem, apenas três a cinco sobrevivem – as demais sucumbem às doenças ou aos inimigos naturais e predadores. “O controle conservativo natural – que introduz inimigos naturais – tem um grande mercado no mundo todo”, afirma o professor Delalibera. A preocupação com a ingestão de agrotóxicos na Europa é tanta que na Espanha, por exemplo, 100% dos vegetais têm controle biológico.
O consumidor brasileiro, na sua maioria, ainda não atingiu esse nível de exigência, mas o Programa Integrado da Citricultura (PIC), lista cada vez mais produtos que não podem ser usados no combate às pragas. Assim, as opções pelos químicos vão diminuindo. O Brasil caminha para a mudança. Delalibera explica que são anos de pesquisa: as espécies foram estudadas durante décadas a fim de conseguir o melhor resultado. De fato, nosso país, hoje, tem os maiores programas do mundo de controle em campo aberto em grandes áreas. Chamado de controle inundativo, atua de duas maneiras: inseto que se alimenta de outro inseto e micro-organismos (fungos, vírus) que causam doenças e matam insetos.
Segundo o professor, os produtos podem ser aplicados com pulverizador, de modo semelhante ao empregado pelo defensivo químico, e não são prejudiciais ao ser humano e não resistem a temperaturas altas.
As plantas são outra arma copiada da natureza. O professor José Vendramim, do mesmo departamento da Esalq, trabalha nessa vertente há mais de 15 anos em parceria com a Universidade Federal de São Carlos: “Toda planta tem compostos químicos de defesa: algumas espécies têm mais, outras menos. Nosso trabalho é identificar qual é a defesa mais eficiente e como utilizá-la para proteger as plantas cultivadas – como por exemplo, milho, feijão, citros – contra o ataque das pragas”. Ele explica que até o momento a planta mais eficiente nesse sentido é o nim. De origem asiática, mas já cultivada no Brasil, é a base de um óleo já registrado nos órgãos competentes para controle de pragas. Tem demonstrado ser o vegetal mais eficaz no controle de insetos em geral, como pulgões e lagartas – ao todo, combate mais de 400 espécies de insetos. Produz também madeira de alta qualidade e, na Índia, chega a ser usado para produzir dentifrício e sabonete, pois tem alto poder fungicida e bactericida.
Os defensivos naturais não são úteis apenas para eliminar as pragas das plantas. Podem ser empregados também com grande eficiência para combater os parasitas dos animais, como o gado, por exemplo. O biólogo José Roberto Pereira, pesquisador científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), regional do Vale do Paraíba, com sede em Pindamonhangaba, em São Paulo, relata que, segundo levantamentos dos impactos sobre a produção de leite e carne no Brasil, os prejuízos causados pelo Riphicephalus Boophilus microplus, carrapato que ataca os bovinos, atingem cerca de US$ 4 bilhões ao ano. Se forem acrescentados outros efeitos prejudiciais ligados ao parasita, como a mortalidade causada por doenças transmitidas por ele, mais os gastos com medicamentos (carrapaticidas) e mão de obra, o valor pode atingir cifras astronômicas.
No entanto, segundo o pesquisador, não é recomendável eliminar o parasita completamente, porque ele não deixa de ser um mal necessário. É preciso aprender a conviver com ele e controlá-lo num patamar que não afete o bem-estar do animal nem a rentabilidade financeira da atividade. Isso porque o carrapato transmite patógenos causadores de um complexo de doenças chamado de Tristeza Parasitária Bovina, que tem alta taxa de mortalidade. Assim, se o bovino tiver uma exposição controlada ao parasita, adquire imunidade contra a doença – ou seja, em quantidade adequada, os carrapatos podem ser considerados “vacinadores de animais”.
Trabalho com pecuaristas
Na Apta foram desenvolvidos dois produtos de origem vegetal (óleo essencial), com eficiência de 100% e concentração de 1% que, para um produto de origem vegetal, é considerada muito boa. A fase de teste em campo depende do melhor desenvolvimento do produto em laboratório, pois às vezes ele pode apresentar excelentes resultados na fase de estudos, mas pode não repetir seu potencial nos animais em condições de campo, por diversos fatores. “Precisamos chegar com o produto para testes in vivo com todo seu potencial”, sintetiza o biólogo Pereira. As pesquisas por novos carrapaticidas são essenciais, pois atualmente não existe no mercado nenhum medicamento com um princípio ativo novo. E aqueles parasitas desenvolvem resistência muito rápida aos produtos à disposição no mercado, e que são usados indiscriminadamente pelos agricultores. Ou seja: além de criar novas opções de tratamento, é preciso realizar um trabalho direto com os pecuaristas, coisa que já está sendo feita no Vale do Paraíba junto aos produtores de leite, e com excelentes resultados: redução de 70% a 80% no uso de carrapaticidas, maior economia, proteção ao meio ambiente e, principalmente, redução de resíduos no leite.
A engenheira agrônoma Sandra Maria Pereira da Silva, da área de sanidade animal (parasitologia veterinária) da Apta, estuda o mesmo carrapato que parasita os bovinos, não transmite doenças e não ataca o homem, mas causa grandes perdas à pecuária. Ela destaca que são de extrema necessidade e urgência as pesquisas para dar validação científica aos carrapaticidas e inseticidas formulados com óleos essenciais (modo de ação, dosagem e segurança na manipulação), juntamente com estudos econômicos de aplicabilidade para atender a demanda, tanto de produtores quanto de consumidores.
Isso porque, segundo a pesquisadora, o controle do carrapato dos bovinos com utilização de quimioterápicos, por exemplo, é prática cada vez menos sustentável por diversas razões. Quase a totalidade dos carrapaticidas lançados até o momento já não são eficazes, devido ao rápido surgimento de linhagens de carrapatos resistentes aos produtos. Sandra Maria explica que quando se emprega um produto sobre uma população de carrapatos, ele não consegue atingir todos eles. Afeta somente a população sensível, restando aqueles que são resistentes. Estes, independente da dose utilizada – mesmo dobrada, triplicada – não morrem. Quanto mais tratamentos forem feitos, mais carrapatos resistentes vão sobreviver, isto até toda população se tornar resistente, imune ao carrapaticida. Porém, com o uso do defensivo natural à base de óleos essenciais, a seleção de carrapatos resistentes é muito menor, pois não está sendo empregado apenas um princípio ativo (veneno), mas sim um pool de substâncias que compõem o óleo essencial. Outra vantagem do produto é que ele é volátil, com menos impacto ao meio ambiente.
Os fungos também são empregados no combate a pragas como a cigarrinha da raiz da cana e a cigarrinha das pastagens. “A indústria de fungos entomopatogênicos já é uma realidade e a cada ano fica mais encorpada, gerando empregos, divisas e movimentando a pesquisa na área de entomopatógenos, chegando inclusive a influenciar o mercado de inimigos naturais (parasitoides e predadores)”, diz José Eduardo Marcondes de Almeida, pesquisador científico do Instituto Biológico de São Paulo.
Segundo ele, existem alguns desafios a serem transpostos, tais como a melhoria dos métodos de produção para diminuição de custos e facilitação da formulação, e o desenvolvimento de novos fungos para o controle de outras pragas. O registro e a comercialização também são outras dificuldades que a indústria brasileira de fungos entomopatogênicos precisa superar. Todavia, enfatiza Almeida, graças ao incentivo de empresários comprometidos com o cuidado ao meio ambiente e da competência da pesquisa brasileira na área, a indústria de bioinseticidas a base de fungos entomopatogênicos só tende a crescer e a ganhar mercados mundo afora.