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Efeitos perversos de uma crise anunciada

 

ABRAM SZAJMAN

Um trabalho publicado na revista Problemas Brasileiros em janeiro de 1990 registrou os debates de um encontro realizado em outubro de 1989 na Federação do Comércio do Estado de São Paulo, sobre a realidade do setor energético. Com o sugestivo título "Um setor à meia-luz", a revista parecia antecipar o apagão que neste primeiro ano do novo século surge como iminente. "Segundo os técnicos", dizia o texto, "também para o setor energético brasileiro a década de 80 foi perdida, e as previsões para os anos 90 são pessimistas: o capital está escasso e as possibilidades de crescimento dos investimentos são mínimas."

Essa afirmação, trocadas as datas, serve muito bem para os dias de hoje. Em termos energéticos, agora se confirmou, os anos finais do século 20 perderam-se no cipoal das boas intenções, colocando o país, no início do terceiro milênio, num beco sem saída. E escuro.

Para gerar e distribuir energia elétrica, todos sabemos, são necessários investimentos gigantescos. E o Brasil há pelo menos 15 anos se ressente da falta desses recursos. Por ironia, esta crise que estamos vivendo somente não começou antes porque o país atravessou anos recessivos, que seguraram a demanda de energia em níveis suportáveis. Claro que seria surrealista agradecer aos céus pelos "benefícios" de um período de retração econômica. Ninguém enaltece uma recessão, nem o pior dos partidos oposicionistas. Mas foi exatamente essa queda no crescimento brasileiro que "salvou a pátria" e adiou para este ano a ameaça do apagão.

No mês de junho de 2001, a iminência da crise reuniu novamente na Federação do Comércio um time de especialistas em energia. Diferentemente de 1989, o objetivo era analisar uma questão estrutural, que de repente adquiriu contornos críticos. Com efeito, o país já está praticando um auto-racionamento de energia, disposto a evitar o racionamento propriamente dito, este inevitável e compulsório.

O apelo governamental à população, "sugerindo" que providenciasse, de qualquer jeito, uma redução de 20% no consumo de energia elétrica, foi imediatamente entendido e atendido. Louvar a colaboração da população às iniciativas oficiais, entretanto, seria ingênuo. A sociedade está reduzindo seu consumo também, e talvez principalmente, porque recebeu a ameaça clara de que, se não o fizer, sofrerá pesados acréscimos em suas contas de luz e até o corte brusco do suprimento. Diante de tal iminência, não há espírito de cidadania que não se manifeste.

As causas da crise energética, alegaram os especialistas, remontam aos anos 1980, a famosa década perdida, quando o país conheceu uma brutal recessão e os planos voltados para a geração de energia permaneceram escondidos nas gavetas. Segundo Ronaldo Fabrício, ex-presidente de Furnas Centrais Elétricas, os investimentos da Eletrobrás tinham como base três fontes de recursos: as próprias tarifas, um empréstimo compulsório que incidia sobre as contas de luz e os financiamentos de organismos internacionais. O que ocorreu foi que as receitas, diante da inflação explosiva daqueles anos, foram congeladas. O empréstimo compulsório foi eliminado pela Constituição de 1988. E a moratória decretada pelo presidente José Sarney cuidou de fechar as torneiras dos financiamentos externos. O resultado não poderia ser diferente: o sistema de geração e distribuição de energia iniciou a contagem regressiva em direção ao apagão de hoje.

Para complicar as coisas, de lá para cá pouco ou nada se fez para corrigir o rumo das coisas. Vivemos um festival de inexplicável inércia. O atual governo, por exemplo, há mais de seis anos no poder e ciente do problema, simplesmente se omitiu. O próprio modelo de privatização, criticado pela maioria dos entendidos, amarrou ainda mais o processo, ao não obrigar as novas empresas a investir no principal, a geração de energia.

Explicações, portanto, não faltam. Depois de relacioná-las, fica fácil entender as razões do apagão. Difícil é aceitá-las e mais complicado ainda conviver com o resultado delas.

Com efeito, o corte de 20% traz implicações muito sérias para a economia. A indústria está sendo obrigada a buscar alternativas de suprimento, aumentando seus custos. O comércio procura adaptar-se, mas também sofre com queda nas vendas, já que o consumidor, temeroso da alta generalizada de preços, reduz drasticamente suas despesas. E um pessimismo generalizado toma conta do mercado, aliás já suficientemente afetado pela crise cambial com sotaque argentino. E obrigado a assistir, na arena política, a debates estéreis sobre falcatruas de parlamentares, às vésperas de uma campanha política tristemente antecipada, enquanto as crises seguem seu destino e comprometem o futuro do país. Até quando?

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