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Expansão anual de 7,5%. Pode?

Cristina: eldorado está nas áreas de renda turbinada pelo agronegócio / Foto: Carlos Juliano Barros
Cristina: eldorado está nas áreas de renda turbinada pelo agronegócio / Foto: Carlos Juliano Barros

Por: CARLOS JULIANO BARROS

Mesmo em tempos de crise, não há como negar que os números do franchising brasileiro impressionam. Em 2014, o faturamento do setor atingiu imponentes R$ 127 bilhões. Em todo o país é possível encontrar mais de 125 mil lojas que representam três mil marcas, empreendimentos que oferecem um variado leque de produtos e serviços, de restaurantes fast-food a lavanderias e escolas de idiomas. As franquias brasileiras já marcam presença em mais da metade dos municípios brasileiros, e de cada dez unidades em funcionamento sete estão localizadas na região sudeste – a mais rica e populosa do país.

Mas esse cenário está começando a mudar. “Hoje, a tendência é a interiorização”, garante Cristina Franco, presidente da Associação Brasileira do Franchising (ABF). Para quem deseja apostar suas fichas em uma franquia, a executiva fornece uma dica valiosa: o eldorado está nos municípios do centro-oeste, de renda turbinada pelo agronegócio, e nas cidades do nordeste, que crescem a uma velocidade superior à média nacional.

Aos 52 anos, Cristina é uma empresária de sucesso. Formada em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e com uma longa carreira no setor de Recursos Humanos, ela fundou uma conhecida rede de centros de qualificação profissional, a Bit Company, que contava com 300 unidades quando foi vendida, em 2010. Devota confessa da música popular brasileira e, sobretudo, do cantor e compositor carioca Seu Jorge, a autoridade maior da ABF recentemente abriu um novo horizonte empresarial: ela é sócia investidora da LocTok, empresa de aluguel de artigos para festas e, em breve, espera licenciar as primeiras franquias.

Nesta entrevista exclusiva, concedida à reportagem de Problemas Brasileiros na sede da entidade, em um edifício na Marginal Pinheiros, capital paulista, Cristina fala com entusiasmo de um setor que avança firme e forte, indiferente ao complicado momento da economia nacional. “Em 2015, esperamos crescer de 7,5 a 9%. Entendemos que é possível atingir esse índice, principalmente pela interiorização do franchising”, ela aposta.

Problemas Brasileiros - No ano passado, o faturamento do franchising no Brasil cresceu 7,7% e o número de unidades deu um salto de 9,8% – desempenho bastante positivo que vai na contramão do momento delicado enfrentado pela economia brasileira. Como a senhora explica essa expansão?
Cristina Franco - A indústria do franchising brasileiro tem um núcleo que faz com tenha muito sucesso. Esse núcleo é pautado em capacitação. Os empresários são treinados o tempo todo no instrumental de negócios, nas habilidades de gestão financeira, nas técnicas de vendas. Esse suporte que o franqueado recebe do franqueador é um diferencial para o pequeno e médio empresário brasileiro. É uma indústria que se renova e está em contínuo aprendizado. Mais: o Brasil não é uma nação de Produto Interno Bruto (PIB) linear. Há diferentes regiões e potenciais de consumo no país, que é um continente.

PB - Nas últimas duas décadas, o ramo de serviços – em que se inserem as franquias – teve aqui um crescimento explosivo. Muito se fala do surgimento da “nova classe média” e da afirmação da cidadania por meio da promoção do consumo. Isso contribuiu para que o franchising deslanchasse?
Cristina - É extremamente benéfica a entrada de novos brasileiros no mercado de consumo. Um país de 200 milhões de habitantes não podia ter um mercado consumidor limitado. A partir do momento em que houve a inserção de novos compradores, esse mercado passou a ser interessante e a ser considerado globalmente. O varejo – junto a outros segmentos da economia nacional, como o agronegócio – evoluiu na última década de tal forma que o Brasil hoje figura entre as oito maiores economias mundiais. E o franchising é um canal de distribuição do varejo que leva produtos e serviços à população. Nesta última década, o setor experimentou um crescimento consistente, na casa de dois dígitos por ano, mesmo com o PIB tendo uma variação nesse período de 2% a 7,5%, como foi em 2010 – período de maior de crescimento do Brasil. Oxalá continuemos com um mercado de consumo forte e estruturado.

PB - Pode-se afirmar que, na medida em que aumentou a renda média do brasileiro, naturalmente cresceu a demanda por serviços e produtos, levando ao incremento do setor?
Cristina – Sim, e isso é positivo para a autoestima do brasileiro, para nosso exercício de cidadania. Quando há empoderamento econômico, as pessoas investem mais nelas mesmas. Então, você vê o brasileiro estudando mais, ficando mais exigente no tocante ao consumo de serviços e produtos. É um círculo virtuoso que devemos continuar perseguindo.

PB - É possível traçar um perfil do brasileiro que investe em franquia?
Cristina - Antes de mais nada é importante falar de empreendedorismo no Brasil ao longo dos diferentes momentos políticos e econômicos que o país atravessou. Já passamos por ditadura, por períodos de hiperinflação, pela década perdida (anos 1980) na economia, em que o país quase fechou. Mas, nesses diferentes momentos, o brasileiro sempre empreendeu por necessidade. As pessoas trabalhavam em uma empresa e, para ter um complemento de renda, vendiam coxinha, brigadeiro, bijuteria. Houve períodos em que o índice de desemprego no país era dramático, obrigando alguns a se virarem para sobreviver e levar o sustento para casa. Desde a estabilização da moeda, foi dada aos brasileiros, que precisavam empreender por necessidade, a possibilidade de investir em novas oportunidades. Então, as pessoas – sobretudo os jovens – passaram a ver a chance real de abrir o próprio negócio. Isso foi muito positivo porque começamos a aprender sobre o que é e como empreender.

PB - Faltam cursos e educação formal para capacitar os brasileiros?
Cristina - Ainda há um gap, mas nós avançamos muito. Esse é um dos indicadores em que o país caminhou: com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a capacitação de milhares de pequenos e médios empresários; com a formalização dos empreendedores individuais; com a criação de diferentes entidades que fomentam o empreendedorismo, como a própria ABF, que fala de franchising de maneira on-line e em cursos presenciais em todo o Brasil. Os Estados Unidos têm uma base de pequenos e médios empresários muito forte que fomenta a economia local. O bom é que estamos avançando nessa direção. O franchising é um canal exitoso e efetivo porque a “mortalidade” das empresas é muito baixa. Empreender é mais assertivo no campo da franquia.

PB - A taxa de pequenos empresários que fecham as portas de seus negócios com pouco tempo de vida é expressiva. No franchising, essa “taxa de mortalidade” é menor?
Cristina - A “mortalidade” das empresas com até dois anos de idade e que não são do ramo do franchising – ou seja, daqueles que começam um negócio por si só – ultrapassa a casa dos 47%. Já a mortalidade no nosso meio é de menos de 3%. É uma diferença brutal para o capital que o empreendedor vai investir. No Brasil, o franchising começa com a proteção do guarda-chuva de uma marca que já foi beta-testada. Portanto, existe um modelo, uma estrela-guia de como fazer esse negócio dar certo, em diferentes regiões do país. Então, há uma receita de bolo a ser seguida. Mas você pode colocar os seus temperos também porque o Brasil é um país de regionalidades fortes e isso é respeitado pelo franchising. Faz muita diferença empreender com uma boa assessoria: o negócio nasce mais forte e atravessa com maior segurança os cruciais primeiros dois anos.

PB - Curiosamente, quase 95% das redes de franquias no Brasil são de origem nacional. O que explica a baixa participação das marcas internacionais?
Cristina - Primeiro, a instabilidade política e o vai e vem econômico que existia no Brasil. Com isso resolvido, nas últimas duas décadas, houve um crescimento. Mas as marcas que vêm de fora encontram um empresariado forte aqui. Com 95% de empresariado brasileiro, o setor cresce a dois dígitos há dez anos. Só não crescemos a esse nível no ano passado, que registrou 7,7%. O varejo brasileiro é complexo e é um dos mais importantes do mundo. Então, não se pode chegar aqui e entrar sem qualquer cuidado.

PB - Há exemplos de marcas internacionais fortes que não tiveram sucesso no mercado brasileiro? Por que elas não caíram no gosto popular?
Cristina – Sim, e são casos que nos dão um gosto de autoestima, de brasilidade, para dizer que a nossa sina é ser um país que dá certo. Não se pode entrar no Brasil com prepotência e salto alto para empreender. É preciso ingressar no mercado com respeito ao consumidor, ao comércio nacional e aos empresários que aqui atuam. Algumas empresas desembarcaram no país achando que podiam repetir o que já fazem lá fora, utilizando um modelo sem nenhuma adequação, sem nenhum respeito ao que é da nossa cultura e ao gosto popular. Simplesmente, o mercado rechaçou algumas marcas que quebraram. Faliram ao adotar posturas arrogantes.

PB – Quais são os erros comumente cometidos?
Cristina – As que naufragaram não fizeram estudos adequados de geomarketing e de implantação de loja. Não ajustaram os sabores de seus produtos ao gosto popular. Não escolheram executivos conhecedores do franchising nacional. Mas como o mercado brasileiro é importante e estratégico, as corporações internacionais sabem que não podem ficar fora dele. Aí, ao ter uma relação de respeito com o mercado, buscando parceiros locais corretos, iniciando e beta-testando uma operação, as marcas que não vingaram antes voltaram e hoje são um sucesso. Um bom exemplo é a rede americana de fast-food Subway, especializada em saladas e sanduíches, que num primeiro momento no país, nos anos 1990, não deu certo. Depois, retomou suas operações no Brasil e, atualmente, conta com 1.874 lojas.

PB - As franquias no Brasil estão bastante concentradas na região sudeste: cerca de 70% das lojas. O que é necessário para estimular a abertura de novas franquias em outras partes do Brasil?
Cristina - A concentração do varejo segue o perfil econômico do país. Hoje, a tendência é a interiorização. O franchising já está presente em mais de 3 mil municípios no Brasil e a tendência de crescimento se move na direção do nordeste e no centro-oeste. Até porque essa é a tendência de crescimento da renda do brasileiro médio graças, especialmente, à força econômica que essas regiões terão daqui para a frente. Então, vai haver mais pessoas para consumir mais e esse é o caminho pelo qual o franchising vai se capilarizar.

PB - Existe algum tipo de franquia que pode ser considerado um “tiro certo”?
Cristina – Sim, existem vários tipos e, nesse sentido, há alguns fatores fundamentais que devemos observar, caso, por exemplo, da situação da empregabilidade. Mesmo que tenhamos por ora o crescimento do desemprego, jamais voltaremos ao que éramos antes do período de estabilidade econômica. Com a empregabilidade garantida, milhões de brasileiros passam boa parte do dia fora de casa e, por conta disso, a alimentação fora do lar é tendência – assim como todo o serviço de suporte que os indivíduos necessitam para ter essa mobilidade. O acesso à educação também está se democratizando. Então, como as pessoas estão trabalhando e estudando mais, muitas vezes à noite, elas se alimentam fora de casa e usam serviços de lavanderia, de pequenos reparos domésticos. A dica é olhar os segmentos que estão calcados em facilitar a vida do brasileiro que trabalha e estuda. Educação também é muito importante, e aqui entram o ensino de idiomas e qualificação de cursos rápidos porque aprendemos que é importante ser uma nação bilíngue. O jovem sabe que seu universo está globalizado e que ele usa no dia a dia muitas palavras em inglês. Esse é um setor sólido do franchising nacional. Também não podemos esquecer do empoderamento da mulher brasileira. Hoje, quase metade dos lares do que chamamos de “nova classe média” têm a mulher como chefe e cabeça da renda. E mulher consome muito. Aliás, mulher é mandatória no consumo e no varejo mundial. Então, as franquias com produtos para mulheres também são uma boa dica, “um tiro certo”.

PB - Para abrir uma franquia, é necessário desembolsar um valor considerável só para ter o direito de explorar a marca. Existe um limite de desembolso para que o investimento valha a pena?
Cristina - As franquias no Brasil vão de R$ 10 mil a milhões de reais. Tudo depende do plano de negócio, da maneira como você vai investir esse capital. O importante é nunca dar o passo maior que a perna. Até porque existe franquia para todos os gostos e bolsos. É preciso buscar um modelo de negócio que tenha o seu tamanho, a sua capacidade, o seu potencial de investir, sem que você coloque sua vida em xeque diante de tanta pressão.

PB- Em 2014, a Lei 8.955/94, que regulamente o franchising no país, completou 20 anos. Como a senhora avalia o marco regulatório que disciplina o setor?
Cristina - O franchising é muito bem estruturado. A lei é extremamente exitosa. Temos 20 anos de exercício da lei, que é bastante enxuta e funciona muito bem e, basicamente, ela prevê direitos e deveres. Quando o dono da marca vai vender a sua franquia, ele determina quais são os custos envolvidos naquela operação. Antes de o interessado comprar, tudo tem de estar explicado em um documento chamado Circular de Ofertas de Franquia: o valor a ser pago pelos royalties, os custos com a implementação do empreendimento, o valor do capital de giro para os primeiros meses do negócio. Tudo é muito bem detalhado em um plano de negócios e não há aqui a imposição do tipo “assine já”. Isso não existe no franchising porque a lei diz que devem correr no mínimo dez dias para a análise da documentação e, só a partir daí, tomar uma decisão.

PB - Há pessoas que investem em franquias, mas reclamam de taxas abusivas cobradas pelos controladores das marcas, além de cláusulas contratuais nebulosas. Como é possível evitar problemas dessa ordem?
Cristina - Cada vez mais o mercado vem sendo depurado. E por que há essa depuração? Pela premissa que existe na essência do franchising: a capacitação. Quanto mais preparado estiver o candidato que quer comprar uma franquia, mais claras vão ficar as regras do jogo. Assim, ele vai fazer a assinatura consciente do que está assumindo e das taxas ali expressas. No contrato e na Circular de Ofertas, o franqueador vai apresentar suas taxas. Então, se você faz os exercícios do plano de negócios, de entender como será a rentabilidade, mesmo com aquelas taxas, você vai ter a certeza de que aquilo é o que você quer para você. Dessa maneira, o mercado vai limpando os maus empresários – tanto os franqueadores quanto os franqueados. As reclamações ficam dentro dos 3% de taxa de mortalidade dos negócios. Gostaríamos que nossa taxa fosse de 0% de mortalidade ou de reclamação. Mas não é assim no mundo. Por isso é que assinamos um convênio com o Sebrae de dois anos com o objetivo de visitar mais de 120 municípios com o propósito de qualificar 10 mil pessoas que querem ingressar no setor, a fim de que elas possam adquirir uma franquia mais conscientemente.

PB - A legislação pode ser aprimorada? Em que pontos?
Cristina - Há um pedido de alteração da lei no Congresso Nacional. A mudança primordial que a ABF pleiteia é que haja um tempo mínimo de atividade e exercício do negócio antes de começar a franqueá-lo. Hoje não existe um prazo mínimo para que o dono de uma marca, por exemplo, se torne franqueador. Nós defendíamos 24 meses, mas as emendas que os deputados fizeram chegaram a um consenso de 12 meses. Ou seja, se você cria uma empresa que você julga bem sucedida, você só vai poder franqueá-la depois de um ano de atividade porque é preciso pelo menos um ciclo para provar que a operação gera lucro. Franchising não é filantropia. É uma proposta para que franqueador e franqueado tenham resultados.

PB - Quais são as perspectivas para 2015? O setor vai continuar crescendo?
Cristina - Em 2015, esperamos crescer de 7,5 a 9%. Entendemos que é possível atingir esse índice, principalmente pela interiorização do franchising, e essa é a tendência. Nesse ano, vamos olhar com atenção as cidades em que o agronegócio gera renda e consumo, no centro-oeste e em algumas partes do nordeste, como já disse anteriormente. Além disso, o franchising se preparou para este momento de retração econômica. Há ajustes de custos e de produtividade nas nossas lojas. Há treinamentos maciços de motivação e de técnica de vendas. Isso faz a diferença nas nossas redes, para que elas estejam mais preparadas e aptas a batalhar pelo consumo do brasileiro, que se encontra, neste momento, com os bolsos menos recheados. Isso vai possibilitar o crescimento do nosso faturamento.