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Tuas areias, teu céu tão lindo...

A praia famosa, um dos cartões-postais mais conhecidos do Brasil / Foto: Pedro Ririlos/Riotur
A praia famosa, um dos cartões-postais mais conhecidos do Brasil / Foto: Pedro Ririlos/Riotur

Por: FRANCISCO LUIZ NOEL

Inconfundível por conta do calçadão preto e branco com desenhos de ondas, a meio caminho do mar e do paredão de edifícios, a praia mais famosa do Brasil tem 4,2 quilômetros desde o morro do Leme, a leste, até a outra ponta, demarcada pela fortificação de onde tenentes rebelados saíram para morrer à bala na litorânea Avenida Atlântica, no episódio dos 18 do Forte, de 1922. Por trás do cartão-postal que corre o mundo desde meados do século 20, pulsa um bairro que resume a vida carioca e mantém lugar cativo no imaginário de brasileiros e estrangeiros. Todavia, vai longe o tempo em que Copacabana era sinônimo de paraíso urbano num país que sonhava com o progresso.

O mais carioca da gema dos bairros da Zona Sul é um caso à parte no mapa do Rio de Janeiro – suas virtudes e seus problemas estão concentrados em apenas 4,1 quilômetros quadrados, que não cobrem a área de três parques do Ibirapuera. Com 161,2 mil moradores, incluído o Leme, onde a Atlântica começa, Copacabana tem a maior densidade demográfica do país: 39,3 mil habitantes por quilômetro quadrado. A população vive em 88,6 mil domicílios, 90% deles apartamentos, em construções agrupadas em uma centena de quarteirões, cortados por cinco vias arteriais, 81 ruas e seis travessas, e com 11 praças a arejar a paisagem de concreto armado.

Outra peculiaridade dos copacabanenses é a longevidade, associada à posição privilegiada das antigas famílias na pirâmide social. Reflexo de boas condições de vida e de acesso aos recursos da medicina, a proporção de idosos é de 27,2% e supera a de toda a cidade, calcula o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados do Censo 2010. Os 47,2 mil moradores, com 60 anos ou mais, sustentam um dos mais altos índices de envelhecimento do Brasil – 305 pessoas nessa faixa etária para cada grupo de cem vizinhos com menos de 15 anos. Os números são confirmados pelo vai e vem de pessoas da terceira idade nas calçadas, e é comum vê-las passeando com seus cães.

A presença hegemônica da classe média no badalado bairro, abrangendo o Leme, emerge dos dados censitários do IBGE. Das 74 mil famílias contadas pelo censo de 2010, em torno de 34,3 mil (46,3%) tinham renda mensal de 10 salários mínimos ou mais, enquanto 16,3 mil (22%) recebiam de cinco a 10 salários mínimos e 19,2 mil (25,9%), até cinco. Na partilha da renda auferida em todos os domicílios, esmiuçada com base no recenseamento de 2000 pela Fundação João Pinheiro e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 54,6% pertenciam aos 20% mais ricos, ao passo que os 60% mais pobres detinham 23,6% – entre eles, os 20% menos favorecidos ficavam com apenas 2,7%.

“Bairro que não dorme”

Zelar pela ordem e manutenção das vias de Copacabana é o desafio da 5ª Região Administrativa (RA) da prefeitura fluminense, elo de ligação entre os moradores e a máquina municipal. Por dia, em média, 70 queixas e solicitações são encaminhadas à repartição, integrada pelo administrador, um assessor e um atendente, instalados numa sala do 19º Batalhão da Polícia Militar, na Rua Figueiredo Magalhães, desde que a RA ficou sem sede, em 2013. As reclamações e os pedidos, recebidos ao vivo, por telefone e correio eletrônico, incluem buracos no asfalto, mau estado de conservação das calçadas e fachadas, defeitos em semáforos, trabalho irregular de camelôs e aumento da população de rua.

“De cada dez ligações, quatro dizem respeito a moradores de rua”, conta o administrador regional, Rafael Cardoso. Na tentativa de convencê-los a procurar abrigos municipais, a Secretaria de Desenvolvimento Social da prefeitura faz até quatro operações semanais de abordagem sem sucesso visível. O elevado número dessas pessoas em Copacabana, incluídos os estrangeiros, é relacionado pelo administrador à vasta população da terceira idade e ao permanente movimento turístico. Ele explica: os idosos tendem a ser generosos com as esmolas e outras formas de ajuda, por solidariedade; já os turistas, solidários ou não, temem represálias em caso de recusa.

Criado no bairro, Cardoso destaca outra singularidade local na vida urbana da capital fluminense. “Copacabana é um bairro que não dorme e tudo o que acontece aqui, de bom ou ruim, vira notícia na mídia internacional.” De fato, vira: a queima de fogos no réveillon famoso é prato cheio para a imprensa de fora, que já deu realce, inclusive, à explosão de um bueiro na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, em junho de 2011. “E quando se trata de festejos e protestos, nossa orla é a primeira a ser escolhida”, completa o administrador. Um bom exemplo dessa predileção foi dado pela Fifa Fan Fest, durante a Copa do Mundo, reunindo 20 mil pessoas por dia na praia do bairro. Fan Fest são shows musicais que funcionam como ponto de encontro dos torcedores nos dias de jogos.

Toda essa visibilidade dispõe de trilha sonora. Nenhuma outra praia foi tão reverenciada pela música brasileira, a começar pelo célebre samba-canção Copacabana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, lançado em 1946, que eternizou a expressão “princesinha do mar”. Existem praias tão lindas, cheias de luz. Nenhuma tem o encanto que tu possuis. Tuas areias, teu céu tão lindo. Tuas sereias, sempre sorrindo (...). Outro clássico é também o samba-canção Sábado em Copacabana, de Dorival Caymmi e o milionário Carlos Guinle, em 1951. Da cantora Carmen Miranda ao compositor Caetano Veloso, do seresteiro Altemar Dutra ao poeta Vinicius de Moraes, do rei do baião Luiz Gonzaga ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, não foram poucos os que entoaram loas ao bairro.

Copacabana retribuiu, embalando em sua noite o samba-canção de Dolores Duran, nos anos 1950, e dando à luz a bossa-nova, na virada daquela década, em casas noturnas como as do Beco das Garrafas, na Rua Duvivier. Nos anos 1960, a noite local fervilhava nas dezenas de boates, night-clubs e bares, onde uma legião de cantores e instrumentistas lançava as bases da música popular brasileira, executada por pequenos grupos, como convinha a um estilo de vida caracterizado pela vida em apartamentos. A tradição musical vinha dos anos 1940, quando foi aberta a afamada “Vogue”, destruída por um incêndio 15 anos mais tarde.

A geografia facilita

De classe média, abastados ou empobrecidos, os copacabanenses vivem num território mapeado, sem grandes complicações até para os turistas. Na geografia do bairro, as principais referências correm paralelas à praia – as avenidas Atlântica e Nossa Senhora de Copacabana e as ruas Barata Ribeiro e Tonelero, que entrou para a história por ter sido cenário, em agosto de 1954, do atentado que matou o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, segurança do jornalista e político oposicionista Carlos Lacerda, alvo do crime. O caso precipitou a crise que precedeu ao suicídio de Getúlio Vargas. Oito anos depois, Vaz foi homenageado com o nome do Túnel da Tonelero, no interior final do bairro, quase no limite com Ipanema.

Mais de 25 vias transversais ligam a Atlântica aos fundos de Copacabana, delimitados por morros. Nesse tabuleiro de xadrez, vazado por ruas secundárias e travessas, os moradores também fazem de marcos geográficos os seis postos de salvamento na praia, numerados a partir do Leme. A famosa pirotecnia no réveillon acontece, por exemplo, em balsas fundeadas no trecho em frente aos postos 1 a 4. A festa, mais concorrida a cada ano, remonta a uma cascata de fogos que, até 2011, espocava no topo do mais alto edifício do lugar (atual hotel Windsor Atlântica), de 39 andares, na esquina da Atlântica com a Avenida Princesa Isabel, principal via de acesso ao bairro desde Botafogo, pelo Túnel Novo.

O foguetório nas viradas de ano, antecedido e sucedido por shows musicais, é transmitido pela tevê aos quatro cantos do mundo e propagandeado como o maior espetáculo a céu aberto do planeta. Na entrada de 2015, mais de dois milhões de pessoas marcaram presença, para a felicidade da hotelaria carioca. No bairro, o setor oferece 12,1 mil aposentos em 116 estabelecimentos – a maior concentração de hotéis por quilômetro quadrado do estado. A eles somam-se os imóveis de aluguel para turistas, as numerosas hospedarias informais e os hostels que não param de ser abertos nas favelas locais, notadamente, nas comunidades de Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras e, no bairro do Leme, de Babilônia e Chapéu Mangueira.

Mas, no Ano-Novo de Copacabana nem tudo é confraternização para moradores e turistas. No último réveillon, a maioria dos estrangeiros era de argentinos (18%), alemães (12%) e espanhóis (12%), enquanto paulistas (28%), mineiros (25%) e goianos (10%) predominavam entre os brasileiros, de acordo com o Centro de Pesquisas e Estudos do Turismo da Cidade do Rio (Cepetur), da prefeitura. Do meio-dia da véspera ao mesmo horário do dia 1° de janeiro de 2015, a polícia contabilizou 398 furtos e 28 roubos de celulares, carteiras e outros objetos. É certo que o número de registros, computado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), pertencente ao Estado, foi menor do que no ano anterior, entretanto, correspondeu à média de 16,6 furtos e 1,1 roubo por hora.

A Avenida Princesa Isabel é o cartão de visitas da noite turística no bairro. Limite entre a Copacabana propriamente dita e o recanto do Leme, aquela via pública já não abriga o circuito de boates que lhe deu fama até os anos 1960, mas dá guarida a algumas sobreviventes, com seus shows de strip-tease. O endereço principal do turismo sexual fica ao lado, na paralela e efervescente Prado Júnior, pontilhada de inferninhos. A rua reproduz, em escala ampliada, dois históricos ambientes de má fama – a boate Help e seus arredores, point de garotas de programa na Atlântica, no Posto 5, até 2010, quando foi fechada para a construção do novo Museu da Imagem do Som (MIS); e, no Posto 6, a Galeria Alaska, antigo reduto gay onde funcionam duas igrejas evangélicas, na Nossa Senhora de Copacabana.

Quatro transversais depois da Prado Júnior, passada a Praça do Lido, a Avenida Atlântica ostenta, na esquina com a Rua Rodolfo Dantas, o monumento maior de seu passado de glamour, o Copacabana Palace, um dos hotéis mais luxuosos do país. Com 250 apartamentos, o Copa é comandado pela empresa inglesa Belmond, nome do braço hoteleiro do Orient Express Hotel, grupo que o adquiriu em 1989 da família Guinle, ligada ao estabelecimento desde a sua construção, em 1923. O lugar hospedou reis, nobres, políticos, artistas e personalidades de todo o mundo – do cientista Albert Einstein à atriz Ava Gardner, do cantor Frank Sinatra à musa do cinema Brigitte Bardot, do quadrinista Walt Disney, que na estada aqui teria criado o personagem Zé Carioca, à cantora Janis Joplin, que foi convidada a se retirar por ter nadado nua na piscina.

Centro nervoso

Por trás da área dominada pelo Copa, a Barata Ribeiro abriga outro marco, só que não tão afamado, o Edifício Richard, no número 194, esquina com a Praça Cardeal Arcoverde: erguido em 1959, é o símbolo da transfiguração de Copacabana. O popular Duzentão, em alusão à numeração antiga, tem 12 andares e abriga quase dois mil moradores, em 207 quartos e salas e 300 quitinetes. O Richard foi a estrela da comédia teatral Um Edifício Chamado 200, de Paulo Pontes, em 1971, filmada dois anos depois por Carlos Imperial. A obra é protagonizada por um malandro pobre e mulherengo que posa de rico e sonha com a sorte na loteria.

Um retrato dessa Copacabana popular desponta na literatura de escritores como João Antônio, que transpôs para a ficção suas observações como morador no livro de contos Ô, Copacabana!, publicado em 1978. Obras ambientadas no bairro não faltam na literatura, entre elas uma crônica clássica, escrita em 1958, por Rubem Braga, “Ai de ti, Copacabana”, que aborda na forma de tópicos bíblicos as contradições mundanas do lugar, decorrentes da sua popularização. No presente, Copacabana tem sido cenário para os romances policiais de Luiz Alfredo Garcia Roza, que têm como protagonista o delegado Espínosa, titular fictício de uma das delegacias locais, a 12ª DP, na Rua Hilário de Gouveia, Posto 3.

Adiante do Copa, quase no Posto 4, mas afastado do mar, fica o centro nervoso do bairro, cortado pelas transversais Siqueira Campos, Figueiredo Magalhães e Santa Clara. O burburinho nas calçadas, quase sempre obstruídas por camelôs, e o entra e sai de gente em galerias, pequenos shoppings, supermercados e edifícios com salas comerciais compõem a típica cena urbana de Copacabana, em contraponto ao cartão-postal da praia. A área conserva relíquias arquitetônicas, como a Galeria Menescal – templo do consumo da Zona Sul antes do advento dos shoppings – um misto de art déco e estilo eclético, nos anos 1940, no edifício homônimo, entre a Nossa Senhora de Copacabana e a Barata Ribeiro.

Perto dessa efervescência citadina, passada a Santa Clara, resiste uma Copacabana pacata, o chamado Bairro Peixoto, ao pé do morro dos Cabritos, por onde sobe a Ladeira de Tabajaras e de São João. Os quase 10 mil moradores do lugar – Peixoto era o sobrenome do comendador português que manteve uma chácara no lugar até a década de 1930 – residem em cerca de 400 prédios antigos, situados em 13 ruas arborizadas e uma travessa, tendo como referência de lazer a bucólica Praça Edmundo Bitencourt. Próximo, na Figueiredo Magalhães, uma das ruas que fazem a divisa do Peixoto com a vizinhança agitada, funciona o 19º Batalhão da PM.

No fim da Atlântica, entre o calçadão e o mar, o Posto 6 guarda o pouco que restou da tradição praieira de Copacabana, anterior ao século 20 – a Colônia de Pescadores Z-13, ao lado do Forte de Copacabana, transformado no Museu Histórico do Exército. A bordo de 20 pequenos barcos, os 70 integrantes da colônia praticam a pesca artesanal desde a boca da Baía de Guanabara até o Recreio dos Bandeirantes, passando pelo Arquipélago das Cagarras, a cinco quilômetros das areias do bairro e de Ipanema. Eles submergem suas grandes redes no mar e voltam no dia seguinte para recolhê-las com os peixes que caem à noite nas malhas: anchovas, cações-viola, corvinas, pescadinhas, tamboris e xereletes. Alguns pescam de anzol, mergulhando atrás de garoupas em áreas pedregosas.

Das oito toneladas de pescado produzidas por mês pelo núcleo da Z-13, grande parte é vendida logo que chega às bancas à beira do calçadão, que também dispõe de peixaria. O comércio de peixes sem intermediários proporciona aos pescadores a vantagem do preço de mercado e, à freguesia assídua, o acesso a peixe fresco, mas a convivência entre a Z-13 e o bairro não é um mar de rosas. Nos anos 1970, empresários da hotelaria tentaram erradicar a colônia de pescadores da paisagem, sob a alegação de que o local – ambiente popular onde costumam se abrigar moradores de rua – contrastava com a Copacabana idealizada dos cartões-postais.

A chegada dos bondes

À Z-13 não faltam histórias. “Os barcos serviram de barricada na Revolta do Forte e os primeiros salva-vidas foram pescadores”, orgulha-se o presidente da colônia de pescadores, Pedro Marins. O ex-jangadeiro cearense José Manoel Rebouças, outro líder dos pescadores, louva a persistência da atividade. “Muita coisa antiga do bairro se foi, mas o pescador continua garantindo alimento”, pontifica José Manoel, que reside no Pavão-Pavãozinho, está na Z-13 desde 1993 e viu dois filhos seguirem a profissão. Ao todo, a colônia congrega 600 pescadores desde a Urca, na entrada da baía, até o Recreio, incluídas as lagoas da Barra da Tijuca e Jacarepaguá.

A incorporação de Copacabana à vida urbana do Rio remonta à chegada dos bondes da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, em 6 de julho de 1892. O lugar era um areal e ali existiam casas de pescadores, algumas residências de recreio, um imóvel habitado por ingleses que haviam instalado o cabo submarino de telégrafo entre o Brasil e a Europa, em 1873, e uma clínica onde o médico português Figueiredo Magalhães explorava as benesses terapêuticas dos banhos de mar. A referência no arrabalde, no extremo da praia, era a igrejinha de Nossa Senhora de Copacabana, aonde afluíam devotos a cada 13 de setembro até a demolição do templo para a construção do Forte, no início do século 20.

Os trilhos alcançaram Copacabana, apartada da cidade por uma cadeia de montanhas, graças à perfuração de uma passagem desde Botafogo, o Túnel Alaor Prata, também conhecido como Túnel Velho, que desemboca na Rua Siqueira Campos. Antes dos bondes, Botafogo era a fronteira urbana da Zona Sul e a maioria dos mais de 500 mil cariocas da época vivia na região central e nos nascentes subúrbios, ao norte. Chegar a Copacabana exigia a travessia de morros como o da Saudade, por onde diligências subiam aos trancos para descer aos barrancos a atual Ladeira dos Tabajaras, do outro lado.

Embora o interesse imobiliário viesse desse tempo, a investida urbana somente ganharia impulso depois dos anos 1910, alavancada pela municipalidade. Em 1908, quatro anos após a abertura do Túnel Novo, o prefeito Souza Aguiar inaugurou a Avenida Atlântica, como parte da empreitada urbanística que remodelou a área nobre do Rio, à custa de um bota-abaixo que empurrou os pobres para os subúrbios. Na via ao longo da praia, calceteiros portugueses criaram na primeira calçada da Atlântica, com pedras portuguesas, o grafismo ondulado que viraria marca de Copacabana.

Ao mesmo tempo que ascendia como endereço aristocrático, o bairro acumulava suas referências urbanísticas. Em 1917, ganhou os seis postos de salvamento. O point era o Posto 4, para onde convergia a nata da sociedade local, que se alternava entre a areia e as caminhadas no calçadão – o footing, como se dizia. A Atlântica, atravessada com frequência pelas ressacas, seria duplicada e iluminada em 1919, ganhando novas obras de alargamento nos anos 1960 e 1970, incluída a expansão da faixa de areia mar adentro.

A tranquilidade elegante de Copacabana seria quebrada em 1922, com a Revolta dos 18 do Forte. Em contrapartida, no ano seguinte, o bairro ganhou o Copacabana Palace (o empresário Octávio Guinle, seu fundador, era dono do Porto de Santos e de hotéis como o Esplanada, em São Paulo). Erguido com cimento alemão para a Exposição Internacional do Centenário da Independência, o imponente edifício não ficou pronto a tempo. Na obra, o arquiteto francês Joseph Gire inspirou-se em hotéis da Côte d’Azur e utilizou mármores de Carrara, vidros e lustres da Tchecoslováquia e mobiliário da França, dando forma ao sonho da elite republicana de ter um balneário à altura dos mais badalados do mundo.

Até 1946, quando o jogo foi proibido no Brasil, o cassino do Copa, onde a diversão incluía shows, dança e alta gastronomia, foi um dos mais suntuosos do país, secundado no bairro pelo Cassino Atlântico, no Posto 6. O bairro atravessaria a década seguinte consolidando-se como roteiro obrigatório do lazer noturno na então capital federal, graças à grande concentração de teatros, cinemas, bares, restaurantes, boates e night-clubs. É nos anos 1950 e 1960 que a extração aristocrática de Copacabana perde terreno, em definitivo, para a expansão da classe média e, morros acima, da população pobre – diversidade social que marca o bairro que sintetiza o cotidiano do Rio de Janeiro. 

Autora de A Invenção de Copacabana – Culturas Urbanas e Estilos de Vida no Rio de Janeiro, a antropóloga Julia O’Donnell observa que, embora o bairro simbolize decadência ou exotismo aos olhos de moradores da Zona Sul, ele permanece como ícone de status e ascensão para residentes em outros pontos da capital e mesmo em outros aglomerados urbanos. O traço distintivo do lugar, ela acrescenta, é justamente a forma aguda como reúne temporalidades e realidades distintas – algo que acontece nos bairros das grandes cidades, mas que ali atinge proporções muito peculiares. “A paisagem natural e o caos urbano dão a Copacabana o aspecto da mais perfeita tradução de um determinado modelo de urbanização, bem como de padrões de convivência muito marcadamente cariocas.”