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O espaço violento do lazer

Desprezando os limites da ética, é necessário reconhecer a presença da estética da violência em vários conteúdos da cultura moderna. Não podemos negar a qualidade artística de filmes como Laranja Mecânica (S. Kubrick), Mishima (P. Schrader), Um Dia de Cão (S. Lumet), Apocalipse Now (F. Copolla), Hannibal (R. Scott), Assim nascem os Anjos (M. Salles). O teatro da crueldade de Antonin Artaud, inspira a interatividade da violência proposta pelo grupo catalão Fura del Baus e pelo grupo catarinense Cena 11. A literatura, as artes plásticas e as artes multimídia incluem nos textos, nas imagens, nos ícones, nas instalações e nos rituais expressões do canibalismo, auto-flagelação, sadomasoquismo e de outras refinadas formas de violência, em nome de uma estética crítica da natureza e do homem.
Alguns esportes, apesar de tentarem civilizar as regras da competição, ainda oferecem clássicos espetáculos que celebram a violência. Isso fica evidente no sangrento ringue de boxe ou nos estádios de futebol. Outros esportes, oferecem a experiência do desafio ao limite, de uma forma perigosa, violenta e aparentemente controlada. São bons exemplos o automobilismo, alpinismo e a maioria dos esportes de radicais modernos. Algumas atividades, apesar de reprimidas, atingem níveis de doença social recreativa: as brigas gratuitas em bailes, os confrontos de torcidas esportivas, os rachas de fim de semana, a roleta russa, são exemplos de delirantes testes da coragem humana.
A cultura de massa tem difundido a violência como um espetáculo elaborado para um público fiel, com audiências que satisfazem a voracidade dos patrocinadores. Noite e dia, são veiculados modelos de violência psicológica e corporal, que agem como bombas de efeito na moral e no caráter dos espectadores de todas as idades. Do dia para a noite são criados, pela comunicação irresponsável, os nossos heróis sem caráter - Macunaímas virtuais -, que ganham notoriedade nacional, cultuados com temor pelo cidadão comum. A própria Internet oferece sua contribuição à banalização da violência quando divulga, impunemente, receitas para bombas caseiras, novidades para pedófilos ou orientações precisas para filiação em grupos terroristas, racistas e de traficantes de drogas. O vídeogame, um dos mais desejados brinquedos da modernidade, é acusado de estimular a violência. No jogo Carmagedon, por exemplo, o jogador tem maior pontuação ao atropelar senhoras idosas, do que animais!
A seletividade social no acesso ao lazer produz um alimento nutritivo para a crescente marginalidade e violência, apesar de muitas experiências comprovarem o potencial dos programas educacionais de lazer como antídoto a esse mal social, o que não nos permite cometer a imprudência de considerá-los a tábua de salvação capaz de, isoladamente evitar a marginalidade social. Esses programas são mais eficientes quando integrados a outras ações socioeducativas e inseridos na educação escolar e familiar. Outro componente desse potencial é a qualificação interdisciplinar dos animadores de lazer e a sua competência para interagirem com voluntários da comunidade e desvincularem as atividades do pernicioso objetivo de propiciar a ascensão social pela seleção de talentos para as práticas culturais e esportivas.
O Lazer exige espaço. Entendemos que o mais utilizado espaço de lazer é a própria casa, quando animada por uma ambiente familiar sadio e afetuoso, embora este seja, infelizmente, um privilégio de poucos. Outro espaço importante é a escola, que ainda fecha suas portas nos tempos livres e com muita preguiça começa a entender seu potencial social, cultural e de lazer na educação da violência e combate a marginalidade. O grande ambiente para o lazer é a cidade, hoje exigindo alguns milagres da legislação e da vontade política, para recuperar a sua vocação de espaço público seguro para o passeio, para a convivência social e para fruição natureza preservada e das construções humanas. Os raros Centros de Lazer públicos e privados não devem negligenciar seu compromisso com a educação da violência, que sabemos não ser uma necessidade exclusiva das classes sociais desprivilegiadas. Sua ação também deve estar atenta à diversidade e qualidade da programação, que muitas vezes estimula uma espécie refinada de violência, quando oferece o lazer como uma atividade exclusiva, para um público selecionado
Antonio C. Moraes Prado é Mestre em Educação Física e
gerente do Sesc Interlagos