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A voz dos manos

A arte da inclusão

Iniciativas mostram como manifestações artísticas de diversos tipos, música, teatro ou mesmo a fotografia, preenchem um espaço deixado pelo individualismo e pela falta de perspectiva típicos dos dias de hoje

Peace, unity, love and having fun". Esse é o refrão de uma das músicas que, há decibéis de altura, agitava dezenas de jovens no Sesc Itaquera, no dia 10 de março. A ocasião marcou a abertura do projeto Fala, Mano!, uma série de atividades que envolvem elementos da cultura hip-hop: rap, break e grafite difundidos por meio de oficinas, apresentação de DJs e shows de b-boys (dançarinos de break). O objetivo do projeto é mostrar como a arte, em suas diversas manifestações, pode servir como elemento de inclusão social ou mesmo como meio de aproximação das pessoas. Coincidentemente ou não, o refrão citado quer dizer, em português, "paz, união, amor e diversão". Cada vez mais próxima da realidade, a arte, que teve sua efetiva utilidade tão questionada, aparece agora fortemente aliada a ações de cunho social. Os jovens presentes na abertura do evento, por exemplo, encontraram na dança e na música uma maneira de serem ouvidos e de expressarem seus talentos.

Com isso, ganharam respeito e destaque em suas comunidades. Os b-boys participam de campeonatos nacionais, os DJs garantem a diversão de centenas de pessoas nas festas de hip-hop e os grafiteiros começam a ganhar status de artistas plásticos, afinal, quem disse que pintura é só Monet? As camisetas traziam estampadas palavras de união e orgulho de serem membros de uma cultura que, embora encontre seu principal pólo em São Paulo, ecoa pelos quatro cantos do país. "Uma das propostas dos campeonatos é valorizar a arte e a dança e desvincular a imagem do hip-hop de um movimento marginal e negativo", afirma Fernando, da empresa de eventos SprayStudio, responsável pelo campeonato de break que abriu o projeto do Sesc. A prefeita Marta Suplicy esteve presente na ocasião, ao lado do Diretor Regional da instituição, o professor Danilo Santos de Miranda, e destacou em seus comentários o caráter inclusivo da iniciativa: "Um cidadão de 40 anos, desempregado e excluído, apesar de todos os problemas, dificilmente irá roubar, mas o filho dele poderá cometer um assalto se não oferecermos nenhuma esperança de inclusão social, como o projeto Fala, Mano!", comentou a prefeita.

A queda para o alto

Assim como Marta, o diretor e dramaturgo José Celso Martinez Corrêa também se surpreendeu com as possibilidades que a arte oferece aos jovens. Só que em vez do break e do rap, o teatro. No dia 22 de dezembro do ano passado, ele acompanhou o senador Eduardo Suplicy até o bairro de Heliópolis, em São Paulo, para inauguração da sede da União de Núcleos e Associação e Sociedade de Moradores de Heliópolis e São João Clímaco, a UNAS, ocasião em que o espetáculo Queda para o alto foi encenado para mais seiscentos moradores da região. O texto é uma adaptação da autobiografia homônima escrita por Sandra Mara Herzer, ex-interna da Febem que se suicidou em 1982, saltando de um viaduto. O elenco da Cia. de Teatro de Heliópois é formada por um grupo de adolescentes do bairro que interpretou a tragédia da jovem como um exemplo de que há outro caminho que pode ser seguido. "Se não fosse com o pessoal do teatro, talvez eu ia ter de aprender as coisas batendo cabeça na rua", afirma Jefferson Bueno, 18 anos e um dos atores da companhia. "Hoje, em vez de arrumar problemas na rua eu discuto esses problemas com o grupo aqui dentro." Jefferson se refere ao universo que encontrou nos colegas de teatro e nas freqüentes reuniões às quais tem acesso no Centro Poliesportivo que serve de sede para a UNAS. A entidade existe há onze anos e oferece à comunidade diversas atividades educativas, de esporte, arte e lazer. "Hoje, a UNAS tem convênios com a prefeitura, governo do estado e empresas privadas", explica Fabio Rubson, também ator da peça e um dos administradores. "A instituição atende por dia cerca de 1200 crianças de 7 a 14 anos. Todas elas são beneficiadas por programas de reforço escolar, atividades culturais, lazer e esporte." Quando Miguel Rocha, diretor da peça - montada também no Sesc Ipiranga - teve a idéia de encenar o texto sobre a vida de Sandra Mara, alguns jovens que já faziam parte de outros grupos de atores adolescentes do bairro sentiram-se atraídos pela oportunidade de mostrar sua arte num espetáculo que com certeza chamaria atenção, tamanha a sua crueza e contundência. Priscila, de 17 anos, já tinha experiência como atriz. Amante do tablado, ela já havia participado de peças infantis. Mas quando se deparou com Margot, uma garota que se apaixonou por Sandra na Febem, sentiu-se hipnotizada pela personagem. "Eu li o livro da Sandra cinco vezes", confessa com brilho nos olhos a jovem atriz. "A história me interessou muito. Eu vivia todos os momentos junto com a Sandra, até o frio que ela sentia eu sentia também. Foi isso que me fez participar da peça."

O lado oculto

O professor de fotografia João Kulcsir também obteve excelentes resultados ao levar arte a um lugar onde o cenário insiste em ser desolador. Ele é responsável pela implantação de um trabalho com jovens da unidade Tatuapé da Febem que tem por objetivo o que ele chama de alfabetização visual. "Nós vivemos num mundo de imagens. É justo que as pessoas aprendam a ler e a interpretar essas imagens em vez se serem manipuladas por elas", explica o professor. Foram 250 jovens que já participaram do curso e alguns encontraram nesse "mundo das imagens" um caminho a seguir quando ganham a liberdade. "Há um rapaz que já trabalha como fotógrafo", orgulha-se João. "Ele não tem máquina mas garante que seu tio irá ajudá-lo a comprar uma." O professor explica que sua visão da Febem mudou radicalmente depois que iniciou esse trabalho há três anos. Hoje, ele até evita acompanhar imagens de telejornais cobrindo rebeliões porque sabe que existe um outro lado que nunca é mostrado. "Se você chega até eles disposto a passar uma mensagem legal e oferecer-lhes a chance de aprender alguma coisa, eles retribuem com carinho em dobro", relata.
João diz ter consciência de que os internos não estão lá sem motivos, mas afirma que prefere ignorá-los no exercício de seu trabalho. "Não me interessa o que eles fizeram. O que me interessa é como eles vão se comportar durante as aulas." Segundo o professor, a postura dos jovens é surpreendente. "Eles adoram imagem, eles vivem no ritmo delas", analisa. "Por isso eles são muito ágeis e pegam as coisas bem rápido." Em relação à segurança, João confessa que, hoje, sente-se mais seguro lá dentro que fora. "No início, os monitores ficavam malucos com o fato de terem de deixar os alunos transitarem livremente pelos vários blocos da unidade durante as saídas fotográficas. Chegavam mesmo a limitar nosso trabalho. Mas os jovens respeitam tanto o que está sendo feito e se comportam tão bem, que hoje até os monitores vêm me pedir para serem fotografados."
O curso é divido em duas partes. Na primeira, os jovens pegam a câmera e, sem nenhum tipo de restrição, fotografam o que querem e do jeito que querem. Em seguida lhes é solicitado que façam uma legenda para a imagem que produziram. "Isso é para que eles exercitem a interpretação da imagem." O resultado é uma nova surpresa. Em meio a tantos muros de concreto, muitos jovens saem a caça de singelas flores que insistem em nascer em alguns canteiros e legendam a cena com frases como a de Diego: "Os internos da Febem não visualizam só o lado negativo da vida, visualizam também o lado positivo, como esta rosa que simboliza a natureza".


Pela ordem - Projeto do Sesc explora elementos da cultura hip-hop

O projeto Fala, Mano!, uma iniciativa do Sesc de São Paulo em parceria com a Prefeitura de São Paulo, tem o objetivo de realizar diversas atividades que envolvam o universo da cultura hip hop - break, rap e grafite -, no intuito de promover a integração e a expressão do jovem, e a cidadania. O projeto acontece no período de 10 de março a 16 de abril, em diversas unidades do Sesc na capital, e teve a abertura realizada no Itaquera.
Atividades como oficinas de rima, dança, skate, discoteca e grafite agitaram o dia na unidade, além de debates, exposições, passeios e apresentações artísticas que reuniram centenas de jovens vindos de várias regiões da grande São Paulo.
Na abertura, o Sesc Itaquera realizou o C.IN.B, Campeonato Individual de Break, um evento produzido em parceria com a Spray Studio, empresa que vem realizando inúmeras iniciativas voltadas para a divulgação da cultura hip-hop por todo o Brasil. Na ocasião, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, e o diretor regional do Sesc de São Paulo, professor Danilo Santos de Miranda, estiveram presentes, prestigiando o projeto.