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O filho bastardo volta aos holofotes: Michael Cimino ganha retrospectiva no CineSesc

O cineasta em 2012 recebendo o Prêmio Persol do Festival de Veneza<br>Foto: Divulgação
O cineasta em 2012 recebendo o Prêmio Persol do Festival de Veneza
Foto: Divulgação

Esquecido pela indústria cinematográfica, um dos principais diretores da geração de 1970 de Hollywood tem sua filmografia revista de 4 a 7 de dezembro

Michael Cimino é um realizador que a indústria do cinema tratou de apagar. Entre preciosismos nos sets de filmagem às frustrações de bilheteria, um dos grandes cineastas da chamada Nova Hollywood ficou anos num forçado ostracismo, até ser trazido de volta ao mundo do cinema com o Prêmio Persol, que levou na 69ª edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza, de 2012.
Mas vamos voltar um pouco e entender esse verdadeiro drama hollywoodiano. A carreira de Cimino talvez seja a mais espetacular tradução da clássica história de ascensão e queda de um cineasta em Hollywood desde Orson Welles – uma história operística que, à maneira de seus filmes, é repleta de conquistas arrebatadoras e fracassos monumentais, sem muito espaço para meios-tons.

Michael Cimino nasceu em Nova York, em 1939, em uma família ítalo-americana. Formou-se em artes gráficas pela Universidade do Michigan e em pintura pela Universidade de Yale. Em 1971, foi para Los Angeles e entrou no cinema como roteirista de filmes como Corrida Silenciosa (1972) e Magnum 44 (1973). Depois de uma passagem de sucesso pelas agências da lendária Madison Avenue, em Nova York, onde era um dos mais admirados diretores de comerciais da época, Cimino viu sua chance como cineasta surgir quando Clint Eastwood arrebatou um de seus roteiros para a sua produtora, Malpaso, com o intuito de estrelá-lo. O resultado, O Último Golpe, foi um enorme sucesso comercial que colocou Cimino definitivamente no mapa de Hollywood.
Na revista de cinema Filmes Polvo, Marcelo Miranda escreve que “Michael Cimino se transformou numa nódoa, um câncer extirpado, um vilão derrotado, um monstro derretido dentro da engrenagem cruel do cinema americano. Se no passado fora celebrado como um novo queridinho, capaz de arrematar uma penca de Oscars logo em seu segundo longa (O Franco Atirador), não precisou de uma década para que Cimino se tornasse o enfant terrible, o filho que deu errado na geração setentista capitaneada por ele, Francis Ford Coppola, William Friedkin, Martin Scorsese e Brian De Palma. De todos esses, Cimino é o único a ter largado o cinema, e também o único a, numa determinada fase de sua carreira, não contar com mais nenhum tipo de apoio”.


Cena de O Franco Atirador, produção com Robert De Niro, John Savage, Christopher Walken e Meryl Streep no elenco

O Franco Atirador, seu segundo longa, mostrou-se uma obra-prima de grande impacto emocional que revelaria Christopher Walken e acabaria vencendo cinco Oscar – incluindo os de melhor filme e diretor. Antes mesmo do reconhecimento e das premiações da indústria, Cimino já havia se comprometido a realizar seu próximo trabalho para a United Artists, um ambicioso filme de época chamado O Portal do Paraíso. O resultado acabou sendo desastroso para todos. A sequência de problemas e atrasos que acometeram as filmagens e os constantes embates entre o diretor e o estúdio em relação ao orçamento viraram material farto para especulações da imprensa na época e se tornaram lenda em Hollywood. Na queda de braço entre o estúdio e o diretor, o estúdio acabou vencendo, mas pagou um preço altíssimo por sua interferência: na tentativa de “salvar” o filme de um desastre comercial, os produtores lançaram nos cinemas uma versão radicalmente mutilada que não refletia a visão do diretor e que, ironicamente, quase levaria o estúdio à bancarrota.
O diretor esteve também ligado a vários projetos que não chegaram a se concretizar, entre eles uma versão para o cinema de Crime e Castigo, de Dostoiévski, e uma cinebiografia de Janis Joplin; além de outros que acabaram dirigidos por outros cineastas, como Footloose (1984) e Nascido em Quatro de Julho (1989).
Como tudo o mais na trajetória e na obra do cineasta, porém, uma nova e espetacular reviravolta em sua carreira aconteceria quinze anos depois da estreia de seu último filme – e, curiosamente, ela se daria com o próprio longa responsável pelo baque: a versão original de três horas e meia de O Portal do Paraíso, tendo sobrevivido ao longo dos anos, terminou restaurada e exibida em festivais mais de três décadas depois, revelando ao mundo mais uma obra-prima de apuro visual e mise en scéne sofisticada, que sedimentou a figura de Cimino como um dos maiores cineastas norte-americanos da segunda metade do século 20.

Os sete longas-metragens de Cimino realizados ao longo de 22 anos, que tratam de relações esfaceladas por excelência, estão em cartaz no CineSesc de 4 a 7 de dezembro de 2014.