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Antônio Negri


Filósofo discute os fundamentos para a valorização da liberdade e a construção de um novo mundo

 
Antônio Negri foi convidado da mostra Multitude, que aconteceu na unidade Pompeia entre os meses de maio e agosto. O filósofo e sociólogo conversou com o público presente no evento no mês de junho, quando teve a oportunidade de debater as acepções do termo “multitude”, desenvolvidas por ele e Michael Hardt no livro O Império (Editora Record, 2001 – esgotado).

O filósofo italiano ganhou destaque no movimento estudantil na Europa na década de 1960 e se tornou um dos mais importantes teóricos da esquerda. Sempre em atividade intelectual e viajando por vários lugares do mundo, Negri se debruçou sobre o conceito de “multitude” e seus desdobramentos no momento atual. Acompanhe trechos do encontro.


Estética da palavra

A primeira vez que apresentei Império, escrito com Michael Hardt (teórico literário e filósofo político), estava junto com o então ministro da cultura, Gilberto Gil, no ano de 2006. Multitude propõe uma reflexão que dialoga com o conceito de multidão desenvolvido no livro e que se desdobra em uma série de livros e discussões que renovam o entendimento dos movimentos sociais na atualidade. Quando acabamos a discussão ele começou a cantar multidão, multidão. Foi lindo. Eu fiquei com essa lembrança formidável de um som e de uma estética da palavra que tinha uma potência formidável.

Multitude é um conceito político difícil porque, historicamente, quando nasceu, entre os séculos 18 e 19, a multitude era contra o povo, pois o povo é constituído do soberano enquanto a multitude é livre do soberano e eventualmente o cria.
Depois da Revolução Francesa, o termo se liberou e outro conceito se revelou, um conceito de uma revolução progressiva, um conceito de nação e identidade. Sobretudo, um conceito europeu. Para eles, a ideia de nação é suja de sangue. Não chega perto das definições morais e conceituais. Multitude se opõe, então, a isso e mais tarde opõe-se ao senso de classe.


Lugar do trabalho

O trabalho é um elemento central na sociedade. Nós sabemos que no século 20 o trabalho que produz mercadorias, o trabalho duro, foi profundamente modificado e, antes de tudo, porque se mudou o lugar onde o trabalho se desenvolvia. Continua sendo feito nas fábricas, mas também passou do seu mecanismo de valorização geral da fábrica para a sociedade como um todo.

Acho que os operários que trabalhavam nas fábricas não queriam que os filhos trabalhassem nas fábricas também. Eles queriam que os filhos fossem à escola, à universidade. Queriam transformar as fábricas e o trabalho em alguma coisa menos pesada, alguma coisa mais produtiva, alguma coisa mais satisfatória para suas vidas. Acho que as lutas dos anos 1970, não apenas na Itália, mas praticamente em todo o mundo capitalista desenvolvido, impuseram a passagem da produção feita de maneira disciplinar, nas linhas de montagem em locais definidos, nos quais a classe operária se constituía como tal, com todo um mundo ao redor, que era condicionado por essa forma de cooperação. Depois veio outra fase, dominada pela “nova economia”, a organização pós-fordista, que é totalmente implantada sobre trabalhos imateriais intelectuais, isto é, sobre o fato de que os filhos dos operários conseguiram passar a outra fase, a outro momento de produção. Sabemos que a cooperação é fundamental, porque uma pessoa não pode sozinha produzir valor, mas agrega um elemento precioso à produção. É assim que nasce o conceito de massa, diante do velho conceito de classe operária. A massa é uma multiplicidade de singularidades criativas, inseridas no processo produtivo, na medida em que são criativas e cooperativas. Acho que isso é muito bonito e que foi imposto pelas lutas.


Fundamentos

Não há multitude sem o comum e não podemos determinar para qual direção essa multidão caminha. Eu não chamo isso de futuro, mas sim de porvir. É a multidão que comanda a história. Esse é o conceito fundamental.

Eu acredito que respostas sobre a atualidade da revolução não são definitivas. A multitude persegue o comum e vai se bater por liberdade, igualdade e desenvolvimento. A multitude não é uma massa sem forma, é um conjunto de singularidades que propõe condições para um novo mundo. Podemos ser mais otimistas na situação atual, porque a riqueza é criada a partir do trabalho vivo e cooperativo, que é a capacidade de expressão e do amor.


“A multitude persegue o comum e vai se bater por liberdade, igualdade e desenvolvimento. A multitude não é uma massa sem forma, é um conjunto de singularidades que propõe condições para um novo mundo”