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Pena Schmidt

Crédito: Leila Fugii
Crédito: Leila Fugii


O produtor musical Augusto José Botelho Schmidt, o Pena Schmidt, já foi diretor de gravadoras, com passagem pela Continental, Warner e também constituiu o próprio selo, a gravadora Tinitus. Nome importante no cenário musical independente do Brasil, o paulista de Taubaté foi presidente da Associação Brasileira da Música Independente e superintendente do Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Como produtor, carrega no currículo discos de grupos como Titãs, Ultraje a Rigor e Ira!, além de ter tido participação na carreira dos Mutantes. Neste Encontros, Pena Schmidt fala sobre sua trajetória nas gravadoras e sobre a cena musical atual.


Em gravadoras

Na década de 1970, trabalhei na Continental, que era a indústria fonográfica do começo ao fim, pois tinha desde a gráfica que imprimia a capa dos discos até o caminhão que transportava o material. Aprendi na Continental a ser um intermediário entre o artista e seu público e a identificar os artistas que conseguem criar pensando em um público. Hoje, digo que a indústria fonográfica foi um acidente de percurso na música. Se ela desaparecer, a música continua aí, sendo exatamente isso: um artista e seu público.
Nos anos 1990, toquei uma gravadora própria, a Tinitus. Foram nove anos e eu perdi toda a grana que eu tinha conseguido antes disso. Acho que foi uma gravadora importante no sentido de gestão de cultura, porque antes disso eu tinha trabalhado por dez anos na Warner, tinha lidado com a indústria fonográfica de dentro. Lá produzi Titãs, Ultraje a Rigor, Ira!, dois discos do Jorge Ben Jor. No meu selo, produzi 40 discos.


Na periferia

Entre 1999 e 2004, trabalhei em uma empresa de produção técnica musical, cuidando da parte de som, luz e geradores para terceiros, como festivais comerciais e gravadoras, por exemplo a Trama, que era uma gravadora moderna na época. Éramos como um departamento da Trama, só que terceirizado. Ficávamos com toda a parte de produção artística, que é trazer o artista de casa, fazer o palco funcionar, levar o artista de volta para casa.

A gente fazia espetáculos nas periferias de São Paulo, em praças, e muitas vezes precisávamos conversar com os líderes sociais do lugar, fosse o padre, o pastor ou o traficante, para conseguir montar a estrutura e divulgar o show. Jair Rodrigues e Zimbo Trio iam tocar na periferia. Foi muito rica essa época. Ao mesmo tempo, fui presidente da Associação Brasileira de Música Independente. Eu já tinha fechado o meu selo, mas herdei o cargo.


Casa cheia?

Depois desse período, fiquei oito anos no Auditório Ibirapuera, trabalhando sete dias por semana como superintendente. Tocar uma casa é cuidar do público, do acabamento, da limpeza, do que o público vê e de como é recebido, buscar um elenco que defina a personalidade da casa. É buscar a casa cheia, mas sem se entregar à casa cheia.

É muito fácil programar sempre para casa cheia, mas muito difícil programar espetáculos de qualidade que nem sempre implicam casa cheia. As cadeiras vazias significavam para nós que estávamos correndo o risco artístico de levar gente nova, de levar música diferente. Acho que a gente exerceu um papel nessa transição de modelo da música, que está acontecendo nos últimos 20 anos, que escapa da indústria fonográfica.


Universalização do som

Se pegarmos a busca pelo pop, que seria uma música que todo mundo ouvisse e que venderia mais discos, vamos perceber que sempre existiu isso. O sucesso tem como característica ser universal. Quando eu digo que sempre houve, refiro-me à época da Carmen Miranda, ou mesmo antes, com essa música que tinha a qualidade de se propagar. O que hoje conhecemos como “música da vovó” são canções que no seu tempo fizeram sucesso e viraram uma espécie de folclore, que fazem parte da cultura.

O que tem de diferente é que, nos anos 1970 para os 1980, começa a aparecer certa ciência da administração. É uma coisa que pode ter começado nos anos 1940 nos Estados Unidos, mas que foi se espalhando devagar. E de repente lá estão conceitos como marketing – o que não existia antes. E isso vira profissão. As gravadoras, então, começam a perceber esse movimento de como fazer para o artista aparecer mais, de como jogá-lo para o público.


Pensar sobre música

Faço curadorias para a Virada Cultural da cidade de São Paulo e do Estado, para o Circuito Cultural do Estado, que dura o ano inteiro, e também para o Circuito Cultural da cidade de São Paulo, que vai começar agora. Fazer curadoria para feiras e festivais é o que eu faço hoje, eu não produzo mais nada. Sou um consultor de plantão, alguém que ajuda a estabelecer conceitos, a discutir o que é a “música boa” de hoje e o que deve ser apresentado ao público, que critérios são usados na seleção de artistas para eventos públicos ou para festivais. Isso é uma discussão atual e que me interessa muito.

Outra parte do que estou fazendo hoje é pensar sobre música. Não ponho mais a mão na massa e não tenho que gastar tempo fazendo a música acontecer, mas a gente não consegue parar de pensar sobre música. Então, faço parte de alguns grupos que se propõem a conversar sobre música do ponto de vista de quem pratica, quem produz e quem está tocando em casas noturnas de São Paulo hoje, com essa cena de música autoral.


“Hoje, digo que a indústria fonográfica foi um acidente de percurso na música. Se ela desaparecer, a música continua aí, sendo exatamente isso: um artista e seu público.”