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Ser Criança – Uma Licença Poética...



Muito se tem pesquisado, estudado e escrito sobre as questões relacionadas à infância e suas correlações e atravessamentos pelas chamadas tecnologias digitais. É inegável que as formas de viver a infância tem sido diferenciadas devido a tantas inovações tecnológicas. Porém, viver cada momento histórico sempre impõe mudanças e desafios a partir da própria ação do Homem na natureza e na sociedade. Assim, escrevo sobre a infância a partir de um recorte sobre o brincar e de minhas memórias infantis.

Todos nós sabemos que a infância nos marca profundamente, e também que, existem infâncias e infâncias. A criança que mora no extremo da Zona Leste de São Paulo vive uma realidade social bem diferente da criança que vive num condomínio fechado de um bairro nobre da cidade. Aqui, tomo de empréstimo o que o cantor e compositor Criolo cita na sua nova letra de música: “...Alô Foucault, você quer saber o que é loucura..., ... é ver um moleque de 10 anos com uma arma na cintura...”
Minha ascendência familiar paterna e materna é italiana e numerosa. Sempre convivi com adultos e crianças, numa aventura familiar intergeracional com muita diversão e bons conflitos. Fui uma criança alegre e curiosa, que queria  brincar o tempo todo com quem estivesse por perto. Tenho dois irmãos e uma irmã com quem brinquei muito. Eles tem filhos. Assim, convivo com várias crianças dentro da família de origem. Crianças inteligentes, divertidas, curiosas, e que, como crianças que são,  me tiram da pretensa “zona de conforto” com suas perguntas e questionamentos. Estão sempre a insistir em temas polêmicos, e eu, como orgulhosa tia que sou, busco dialogar de forma carinhosa, acreditando que  podemos fazer muitas trocas num bom processo de aprendizagem.
As crianças para mim são como oásis. Bebo na fonte das suas águas, e reafirmo a minha fé de que podemos viver com alegria, a despeito de todas as dificuldades enfrentadas.  Me sinto privilegiada por conviver com estas crianças da família e com diversas outras crianças, com quem converso muitas vezes devido ao trabalho desenvolvido no Sesc. 
Em tempos de vertiginosa aceleração de processos sociais e da chamada era da hiperconectividade, muito se questiona sobre os parâmetros que permeiam a infância. Porém, o que eu vejo, a partir das experiências familiares e do meu trabalho, refletindo, dialogando com educadores, é que as crianças querem brincar e que a brincadeira é, como já afirmaram diversos teóricos, a linguagem essencial da criança, independente de sua faixa etária. A partir da linguagem do brincar as crianças se inserem no mundo da cultura, estabelecem suas relações, aprendem a negociar e conviver de forma mais saudável.  Em todas as manifestações infantis, independente do espaço físico, o que as crianças buscam é a possibilidade de se expressar por meio da brincadeira. Para quem é observador, isso salta aos olhos sem grande esforço. Vide o trabalho da pesquisadora Renata Meirelles pelo Brasil afora que culminou na publicação do Mapa do Brincar, realizada em conjunto com o jornal Folha de São Paulo, no suplemento Folhinha desde 2009.
Independente de brincar com uma traquitana tecnológica ou de jogar uma pelada com os amigos, a linguagem primordial é a brincadeira, e a relação entre as crianças está sempre permeada pela curiosidade e pelo desejo de descoberta.
Por estes e outros motivos, faço parte de um grupo de pessoas que pensam  a infância a partir de uma visão pautada na esperança  e numa realidade institucional que nos subsidia para contribuir por meio de uma rede de espaços qualificados, que valoriza a criança e seu potencial.  Escrevo isso pensando nos Programas Curumim, Espaço de Brincar, Esporte Criança e nas diversas programações culturais que o Sesc desenvolve.  
Ao terminar este texto, sei que continuarei com minhas constantes indagações, reflexões, curiosidades e afins, porém, também sei que com tudo isso presente, acredito que ser criança continua sendo uma das aventuras mais interessantes de nossa existência.

Ana Lucia Garbin, psicóloga, pós-graduada em Semiótica Psicanalítica, é assistente técnica para a área de infância ¿e juventudeda Gerência de Programas Socioeducativos do Sesc