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Sergio Rodríguez Abitia, presidente da OITS Américas entre 2002 e 2005 e professor da Universidade Nacional Autônoma do México

O conceito de turismo social está mais expandido do que se pensa. é assim que Sergio Rodríguez Abitia vê o setor atualmente. Pobres ou ricos, o especialista defende que a prática não é mais uma questão de inclusão econômica, e sim de conceito, uma forma nova de entender as férias e a troca de experiências entre viajantes. em resumo, é um bem de todos.

“Investidores não entendem questões de qualidade, apenas de quantidade. Somos uma sociedade racista. Este é branco e tem dinheiro, aquele é negro e não tem. Nosso único critério, por 500 anos, tem sido esse.  Agora está mudando, finalmente”, explica. na entrevista a seguir, concedida durante o Encontro das Américas de Turismo Social, realizado no SESC Consolação, Abitia ressalta também os impactos da recessão econômica que o mundo vive atualmente, e enfatiza: “sempre que houver uma crise financeira generalizada, o turismo social terá aí uma oportunidade”.

SESCSP: Como surge a causa do turismo social e quem são os adeptos dessa ideia hoje em dia?

Sergio Rodríguez Abitia: Originalmente, o conceito foi criado para facilitar o turismo das minorias, pessoas com mais dificuldades financeiras e menos acesso ao lazer. atualmente, o turismo social deveria ser de todos. Acima de tudo, turismo é para pessoas. pode haver diferentes categorias e segmentos, mas o ponto principal não é a diferença entre as condições econômicas de um ou outro, mas sim o que você vai fazer nas suas férias, no seu feriado.

Não é questão de riqueza, é questão de atitude. Há duas escolhas quando se vai tirar férias: você pode se isolar ou tentar conviver com outras pessoas. a sociedade contemporânea fica com a primeira opção, quer ficar em um quarto enorme, com ar condicionado, internet e todas as tecnologias, sem saber o que se passa lá fora. é isso o que as empresas turísticas nos encorajam a fazer.

Nessa luta pelos bens econômicos, nos esquecemos da essência das questões não-econômicas. O dinheiro é um meio de fazer as coisas, mas ninguém sai para um feriado com a proposta de gastar dez ou mil dólares, esse é apenas o recurso para se divertir. O ponto-chave não é o dinheiro investido, ou a categoria do hotel em que você se hospeda. é claro que as escolhas são feitas de acordo com as condições financeiras, mas a atividade em si não diz respeito ao dinheiro.  as pessoas visitam lugares, e fazem coisas relativamente parecidas. Querer nadar, por exemplo, não é uma questão de quanto você ganha, e sim de quanto você gosta disso. turismo social não é um produto para pessoas pobres, e sim uma forma de viajar em que existam ambições humanas e sociais, e isso vale para todos.

Quais as características mais marcantes do movimento nos países desenvolvidos e em desenvolvimento?

Nos países desenvolvidos, em geral, as pessoas aprenderam a viver juntas. elas têm suas ambições pessoais, é claro, mas também se preocupam com os outros. Já na América Latina, principalmente, costumamos pensar somente em nós mesmos.

Não nos preocupamos com os vizinhos, com a pessoa que está no mesmo lado da calçada, estacionamos nossos carros onde bem entendemos e não compreendemos o espírito de regras de convivência civilizada. O turismo social deve ser uma ferramenta para compreender isso, pois força você a conviver bem com o restante.

Como desvincular a imagem de que turismo social é politicamente um turismo de esquerda?

O turismo social continua sendo associado assim porque quando surgiu o conceito, nos tempos de Guerra fria, só existiam dois lados, em tudo. Era preciso fazer escolhas. Ou seja, se você estivesse com o turismo comercial, industrial, você não poderia estar falando sobre uma prática alternativa. Agora, observa-se uma mudança crescente; é tese, antítese e síntese. a sociedade hoje quer pegar o melhor de tudo, independentemente de ser esquerda ou direita, e transformar em algo prático e útil.

Os conceitos importam mais aos acadêmicos e especialistas, porque o turista quer viajar, não se importa em saber qual rótulo lhe encaixa melhor. apesar de hoje em dia as preocupações estarem ligadas aos lucros, ao luxo, é preciso lembrar que o ponto fundamental são as pessoas.

Muita gente faz turismo social sem saber do que se trata. mesmo dentro do turismo comercial, as empresas proporcionam em alguns casos viagens com caráter socioeducativo. turistas que nunca leram nada a respeito, não conhecem o lado acadêmico do assunto ou nunca ouviram falar disso também praticam turismo social. A prática é muito mais expandida do que imaginamos.

É possível ganhar dinheiro com investimentos nessa área?

Algumas companhias entenderam isso desde o início, com fórmulas comerciais de sucesso, cuja estrutura se baseava em quartos sem televisão, rádio ou outros atrativos. As pessoas usavam o local só para dormir, tomar um banho e já saíam para a rua, conhecer pessoas e lugares. assim, acabaram impondo um modelo em que os turistas não se hospedam pela estrutura, mas pelo local e pelas atividades que acontecem nos arredores, usando a propriedade apenas como um meio de chegar até aquele contexto. se você fizer a estrutura correta, é possível ganhar muito dinheiro.

É preciso diferenciar também os empreendedores dos investidores. O  grande problema é que o turismo se tornou uma espécie de investimento para grandes empresários, que não buscam saber o que acontece no local, e sim altas taxas de lucro. Já as pessoas que têm empreendimentos, por exemplo, são mais preocupados. Se você tem um restaurante, é o seu projeto de vida, você se importa com aquilo, é bem diferente.

Como o nosso turismo foi sequestrado pelos investidores, o modelo segue os interesses deles, é estritamente comercial. O que devemos fazer é não endeusar os investimentos, e sim estimular os empreendimentos. muitos países, sobretudo os latino-americanos, ainda acham que algum grande investidor virá para salvar a pátria.

As crises econômicas globais afetam de que maneira o setor?

Sempre que houver uma crise financeira generalizada, o turismo social terá aí uma oportunidade, pois as pessoas se preocupam em não gastar tanto e fazem escolhas mais inteligentes, tentando aproveitar as opções com custos mínimos.Aa crise afeta principalmente o turismo convencional. A tendência é pensar no valor do dinheiro e estar atento ao que fazer nas férias.

Não há porque viajar e gastar desenfreadamente durante um período de recessão. É claro que as pessoas continuam viajando, mas se concentram naquilo que realmente querem. Se uma pessoa gosta de mergulho, ela pode reduzir os custos em acomodações e meios de transporte, mas vai gastar a mesma coisa na hora de mergulhar, porque isso significa muito pra ela. Mais uma vez, a ênfase está no que se faz, na diversão, e não exatamente em como se está fazendo.

De que forma devem ser norteadas as políticas públicas para o turismo social?

Estamos no ponto de partida errado, que é o dinheiro. O aspecto fundamental deve ser o que queremos fazer com esse dinheiro, para onde esse dinheiro deve ir. confundimos o papel do governo no turismo, que sempre trabalha para a iniciativa privada. Em vez de o estado trabalhar para as causas públicas, espaços comuns, ele se tornou uma agência de lobby para grandes corporações, que expropria terras para ceder aos investimentos.

Como o sr. avalia a atuação dos governos nessa área?

Nós damos a responsabilidade para quem não tem qualquer noção do que se trata. Você não vai colocar um advogado para dirigir um hospital. Para os ministérios do turismo, em geral, escolhemos qualquer um. as pessoas erradas no cargo têm medo e não vão deixar outros que entendem do assunto dar sugestões, pois têm receio de parecerem inferiores. Por fim, vão requerer recursos imediatos, porque sabem que não vão ficar por muito tempo no cargo, e por isso não querem pensar políticas a longo prazo.

Acontece em outros ministérios, mas no Turismo é ainda pior. A reação imediata é pensar que é fácil lidar com o assunto, porque está associado somente a férias, e é como se isso não fosse importante; não se avalia a necessidade de um especialista. É comum achar que qualquer pessoa pode lidar com a questão, mas, quando estão finalmente lá no ministério, percebem a complexidade do assunto. é coisa séria, e deve ser tratada com seriedade, obviamente.

Como o sr. vê as relações entre os turistas e as comunidades que os recebem?

O turismo deve estar a serviço da comunidade, e não o contrário. O turismo não é um objetivo, e sim uma ferramenta para o desenvolvimento de determinado local, e nós não entendemos isso. as políticas para a atividade buscam mais dinheiro, quartos, empregados. por causa dessa confusão, construímos comunidades que servem a esse propósito cegamente.

Discute-se sempre a necessidade de mais turismo. Aí colocamos os habitantes sorrindo, dizendo “bom dia”,  mas por quê?! as comunidades anfitriãs não podem ser um circo montado para turistas. E turistas também não podem ser a salvação das comunidades, é preciso um intercâmbio. Durante a baixa temporada, locais assim se tornam geralmente inúteis, degradados.

Existe uma fórmula para convencer a população de que o turismo é uma atividade essencial?

No mundo ideal, o turismo deveria estar associado à saúde, à cultura e à educação, sem ficar restrito ao plano econômico, como questão de consumo. Se conseguíssemos atingir isso, seríamos mais encorajados a mudar nosso comportamento com relação às férias.

A vida é tempo, e o tempo é feito de momentos. Temos momentos bons, ruins, fatais e estelares. O turismo social, e assim deve ser em qualquer forma de turismo, é responsável por criar esse momentos estelares, independentemente do preço. Se entendermos isto, poderemos fazer projetos de luxo com serviços acessíveis. Não renunciamos as coisas que são luxuosas, mas priorizamos o que é realmente importante. alto consumo e luxo é totalmente diferente. Luxo é ter tempo livre, é férias.

Nós temos 52 semanas ao ano. No México temos uma ou duas semanas livres. No fim do ano, quem se lembra das suas últimas férias? todos. Quem se lembra das outras 50 semanas? Ninguém. é questão de tempo, não de dinheiro, é algo importante, significa muito. Será sempre um luxo, independentemente de onde você passa suas férias.

Quais os próximos desafios para o turismo nas Américas?

O problema aparece no Brasil, no México, Cuba, e outros países com muito sucesso turístico há décadas, que estão mais relutantes em mudar o modelo padrão. Por que? Porque funcionou por muito tempo. Mas não está funcionando mais, os estados litorâneos preferem ficar estagnados, enquanto os outros, continentais, estão tentando criar novas possibilidades e obtendo sucesso. Fazemos o mesmo tipo de turismo há mais de 50 anos.

Se os locais que alcançaram o sucesso tempos atrás continuarem se orientando pelo luxo e pelo consumo, e não pelas pessoas como elemento central, eles vão desaparecer, não terão chances, porque outros estabelecimentos farão melhor. O objetivo dos turistas em geral não é apenas a cama, a caipirinha ou a comida, eles estão preocupados em como serão tratados, com as coisas que podem ser feitas e com a experiência como um todo. épreciso se adaptar às novas demandas para não sucumbir.